Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews
Entre os setores mais ruidosos da economia e parte significativa da imprensa liberal, cresce a pressão para que o presidente Lula adote uma postura de deferência quase subserviente diante de Donald Trump. Essa narrativa, travestida de pragmatismo econômico, esconde dois interesses estratégicos. O primeiro, de natureza econômica, busca trocar um gesto de “humildade” por algum benefício pontual para setores específicos. O segundo, político, pretende instrumentalizar tal gesto para enfraquecer a imagem do presidente brasileiro, como já ocorreu com outros líderes estrangeiros. A questão central, contudo, transcende a figura de Lula: trata-se de definir se o Brasil aceitará ou não um papel de coadjuvante na arena global, reforçando a lógica de dependência e submissão que há décadas se tenta superar.
No plano econômico, a lógica da submissão é ilusória e contraproducente. A ideia de que uma concessão simbólica poderia afastar tarifas ou barreiras comerciais ignora o padrão histórico do protecionismo trumpista. A experiência recente demonstra que, mesmo após gestos de condescendência, Trump não hesita em impor medidas punitivas. O caso de Narendra Modi, na Índia, é exemplar: apesar da encenação pública de proximidade, seu país foi alvo de tarifas de 50% sobre determinados produtos. No curto prazo, tal política pode até favorecer nichos específicos da economia brasileira, mas no médio e longo prazo normalizaria a opressão tarifária e legitimaria o tom imperial que os Estados Unidos frequentemente adotam em sua política comercial.
O cálculo político que embala essa pressão é ainda mais nocivo. Para certos grupos, a eventual humilhação pública de Lula seria o combustível perfeito para minar sua autoridade internacional e nacional. O roteiro é previsível: expor o presidente em um ato de submissão, associá-lo a líderes como o sul-africano Cyril Ramaphosa ou até mesmo Volodymyr Zelensky — ambos alvos de imposições constrangedoras —, e a partir daí desqualificá-lo perante a opinião pública. A estratégia, nesse caso, não busca o fortalecimento econômico do Brasil, mas sim ganhos eleitorais internos e a manutenção de uma narrativa antipetista permanente.
Nesse contexto, a defesa dessa postura de capitulação não parte de um campo neutro. Ela é vocalizada por militantes mercadistas que, paradoxalmente, se mostra complacente com práticas autoritárias quando estas favorecem o “vale-tudo” do dinheiro. Não é coincidência que, não raro, tais vozes se alinhem ao bolsonarismo — ambos compartilham o mesmo desprezo por uma política externa soberana e o mesmo apego a agendas que fragilizam a autonomia econômica nacional. Portanto, a escolha diante dessa pressão não é apenas tática, mas estratégica. Aceitar a lógica da submissão seria, em última instância, reforçar a posição de que aos países do sul não resta outro recurso, exceto a resignação.
*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie