Poze preso: Jota Marques aponta racismo e perseguição à cultura da favela Fotos: Arquivo pessoal e reprodução rede social Poze

Poze preso: Jota Marques aponta racismo e perseguição à cultura da favela

Ao MyNews, comunicador detalha preconceito contra funk e avanço da extrema-direita que se aproveita da pauta e usa de forma negativa em suas redes

O cantor MC Poze do Rodo está preso desde a última quinta-feira (29) de maio, acusado de envolvimento com o tráfico e por fazer músicas que enaltecem uma facção do Rio de Janeiro. No entanto, como ele foi detido — com algemas e sob forte exposição midiática negativa — chamou atenção. Assim, o MyNews conversou com o Jota Marques.

Jota Marques é morador da Cidade de Deus, comunicador, educador popular e debatedor no programa Sem Censura, da TV Brasil. Fundador do Instituto VNDI e do Coletivo Marginal, atua há quase 20 anos com direitos humanos, educação e comunicação nas favelas do Rio de Janeiro. Dessa forma, ele falou sobre a prisão do MC e comparou com outras detenções que não recebem a mesma truculência por parte das autoridades cariocas e brasileiras.

R: “Porque o corpo do Poze já é um corpo previamente condenado. Não importa o sucesso que ele alcançou, nem os milhões de seguidores ou os palcos que ocupa — no olhar do Estado e da mídia, ele ainda é um jovem preto, favelado, com tatuagens e gírias inconvenientes. A prisão com algemas, descalço, sem camisa e sob espetáculo midiático diz mais sobre a seletividade penal do nosso país do que sobre qualquer suposto crime. Há uma decisão política sobre quem é feito para ser humilhado em rede nacional. É preciso comparar com outros casos: gente com acusações gravíssimas, de tráfico, de homicídio, que nunca sofreu esse tipo de exposição. Como ele foi preso não é exceção, é regra quando se trata de corpos como o dele. E essa regra precisa ser denunciada”

Acusações contra Poze

Contudo, pesa contra Poze a acusação de apologia ao crime por meio de suas músicas, além do suposto envolvimento direto com atividades criminosas. Jota, no entanto, discorda da prisão.

VEJA: Entenda os motivos da prisão do MC Poze do Rodo

R: “Não. E mais: ela abre um precedente perigoso. A arte sempre foi usada como denúncia, como desabafo, como grito de sobrevivência. O Poze não faz apologia ao crime, em minha opinião. Ele narra a realidade que viu, que viveu, e que segue presente para milhões de jovens que crescem em territórios marcados pela ausência do Estado, violência policial e falta de oportunidades. E ainda assim, em boa parte das suas músicas, ele fala de superação, de família, de fé. Prender alguém por uma letra, sem contextualizar, é dizer que o Brasil agora tem um tribunal para censurar a arte, para escolher quem pode ou não cantar sua dor. E, curiosamente, esse tribunal só funciona para os artistas da periferia”

Realidade das favelas do Rio de Janeiro

Por sua vez, Jota Marques conhece bem a realidade das comunidades cariocas. Em casos como o de Poze, o preconceito nas redes sociais costuma ficar em evidência. Aqui, ele explica como é a cultura nesses ambientes.

R: “As favelas são centros pulsantes de cultura, economia e inovação. Têm saberes que não constam nos livros, mas estão na prática: na mãe que cria filhos com dignidade mesmo sem renda, no jovem que vira poeta no ponto de ônibus, na galera que se junta para fazer mutirão e garantir comida onde o Estado não chega. A televisão, muitas vezes, escolhe mostrar só a ponta da violência, como se a favela fosse um lugar de risco e não de resistência. Mas a verdade é que a favela é onde o Brasil se reinventa. E se a mídia abrisse os olhos de verdade, veria que ali nascem projetos sociais, tecnologia de sobrevivência e soluções coletivas que poderiam inspirar políticas públicas para o país inteiro. Falta lente, não falta história”

Prisão de Poze não é a primeira contra cantores de funk no Rio

Hoje foi o Poze. No passado, outros cantores e MCs também foram presos sob a justificativa de apologia ao crime. Desse modo, Jota detalha essa relação com o preconceito em torno desse tipo de música.

R: “Porque o funk carrega liberdade em alto volume. Ele escancara o que uma parte do Brasil tenta esconder: que mesmo sem apoio, sem estrutura, sem patrocínio, os jovens de favela são capazes de criar arte, mercado e identidade. E isso ameaça uma elite que quer a favela calada, comportada e de cabeça baixa. O funk não pede permissão para ocupar espaço. Ele fala alto, dança na rua, viraliza sem passar por gravadora. É cultura que não passa pelo filtro da academia ou da elite cultural. E por isso é tratado como ameaça”.

“O incômodo não é com o som… É com o que ele representa. Um povo que não aceita mais ser silenciado. É a tentativa de calar o que eles não conseguem entender. Mas há também uma enorme hipocrisia nisso tudo. Porque o mesmo funk que querem censurar nas favelas toca sem problema nas boates mais caras da cidade, nas festas dos condomínios de luxo, nos casamentos milionários. O problema nunca foi o ritmo… é quem canta, de onde canta e o que representa. Quando sai da boca do favelado, incomoda. Quando vira trilha sonora da elite, é só diversão. Essa seletividade é o retrato do Brasil”.

Extrema-direita contra a cultura do funk pelo Brasil

No Rio de Janeiro, Jota Marques foi candidato a vereador e pré-candidato a deputado estadual. No campo político, ele analisa como a extrema-direita utiliza ataques a funkeiros como uma nova forma de ódio e uma estratégia para conquistar mais eleitores. A denúncia que colaborou para a prisão de Poze partiu de Alexandre Knoploch (PL), vice-líder do partido na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

R: É exatamente isso. É uma estratégia política baseada em criar vilões imaginários para mobilizar uma base pelo medo. O Poze virou alvo porque ele é símbolo de uma juventude que venceu sem pedir licença. E isso desmonta o discurso moralista que eles vendem. Ao invés de lidar com os verdadeiros problemas, como a desigualdade, a falta de acesso à cultura e educação, ou a violência institucional, preferem transformar a música em inimiga. Isso não é nova política de segurança, é velha tática de perseguição. E quando essa perseguição é orquestrada por parlamentares, com apoio da mídia, ela se transforma em uma arma eleitoral. Uma arma que mira sempre nos mesmos: pretos, pobres, periféricos. É puro marketing do ódio”, concluiu Jota Marques ao MyNews.

Acompanhe o trabalho de Jota em suas redes sociais

https://www.instagram.com/jotamarquesrj/

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