Confira a coluna de Rodrigo Augusto Prando no MyNews.
O Senado da República foi palco, novamente, de grosserias e ataques aos atores políticos, às instituições e, no limite, à própria democracia. Na Comissão de Infraestrutura, a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi, mais uma vez, alvo da selvageria retórica que tomou, nos últimos tempos, conta do parlamento brasileiro. Palavras e frases como se ponha no seu lugar foram ditas na discussão.
A política existe para coordenar a vida em sociedade. Existe para que os conflitos, dissensos, sejam resolvidos por meio do diálogo, nas instituições e respeitando-se as leis. Infelizmente, a situação é ruim – e tende a piorar – já que políticos, especialmente, da extrema-direita, deixando o debate de ideias com civilidade num plano inferior para, impulsionados pelos algoritmos das redes sociais, produzir cortes objetivando nutrir suas redes pessoais em busca de likes, memes e lacração. A política vai mal, muito mal. A educação, idem.
Presidindo a sessão, o Senador Marcos Rogério (PL-RO) tolheu, por diversas vezes, a palavra da Ministra Marina Silva. Pouco se podia entender dos tópicos em discussão, na verdade, bate boca, gritaria e desrespeito. Marina portou-se como quem, embutida da autoridade de ministra de Estado, exigia respeito. Não foi respeitada. Acusou, naquele momento, seus detratores de quererem silenciá-la por ser uma mulher, na lógica da intimidação, da agressão simbólica e, não raro, da violência discursiva. E, para espanto (talvez nem tanto), o Senador Marcos Rogério dirigiu-se à ministra nos seguintes termos: “Se ponha no teu lugar!”. Ocioso afirmar que tal afirmação é variação do “Você sabe com quem está falando”, tão explicada por Roberto DaMatta. Ocioso, ainda, em indicar que as palavras não são só palavras, são formas de representar uma visão de mundo.
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A sociedade brasileira é, social e culturalmente, ligada à estrutura extremamente desigual, com força do poder tradicional, patriarcal, patrimonial e gerontocrático. Mandar alguém colocar-se no seu lugar é apresentar a compreensão de que, na vida social, há estruturas rígidas e, também, alicerçadas sobre uma mentalidade que, mesmo após a Abolição e a Proclamação da República, permanece centrada em uma sociedade estamental, com horror à mobilidade social, à igualdade de direitos e deveres. Cada um no seu lugar! É, assim, para muitos – mulheres, negros, jovens, moradores da periferia – que não podem (não devem) acessar os “lugares” que, como asseverava Florestan Fernandes, são “dos de cima”.
Provavelmente, o prezado leitor e a prezada leitora, já entenderam a gravidade do que foi feito e dito, todavia, perceba-se que se pode piorar o que já está num nível abaixo do aceitável. Outro Senador, Plínio Valério (PSDB-AM), tentando amainar a situação demonstrando que não havia machismo em relação à Marina, disse: “a mulher merece respeito e a ministra, não!”. É isso: um, manda a ministra colocar-se em seu lugar; outro, que não é digna de respeito. Foi o mesmo Valério que, há dois meses, mais ou menos, havia dito que tinha vontade de enforcar Marina. Enforcar!
A vida de Marina Silva, sua trajetória de luta não apenas em relação ao meio ambiente, mas por uma sociedade mais justa e democrática, é mundialmente reconhecida. Sua presença, pequena, aparentemente frágil, engana os incautos e simulacros de homens ferozes. Rememoremos um debate de candidatos à presidência da república (2018), num palco no qual cada um poderia andar e indagar livremente o adversário e, neste dia, havia um Bolsonaro que tentou acuar Marina, mas que acabou num canto, sem ação, escutando e entendendo que, na democracia, vale a força do argumento e não o argumento da força.