CPI das Bets não é periférica, está no centro de problemas Instalada da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Online (CPI das Bets). foram eleitos os senadores, presidente, Dr. Hiran, o vice-presidente, Alessandro Vieira e a relatora Soraya Tronicke | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil - 12/11/2024

CPI das Bets não é periférica, está no centro de problemas

A CPI das Bets está no centro de muitos dos problemas que afetam o Brasil hoje: da segurança pública à lavagem de dinheiro, da saúde financeira das famílias à erosão da confiança institucional.

Tenho um interesse especial na CPI das Bets. Não, eu não acompanho futebol. Mas recentemente fui vítima da violência alimentada por um ecossistema que já se infiltrou nas nossas ruas, nas nossas contas bancárias e até nas narrativas políticas. Após um assalto que sofri em São Paulo, o dinheiro roubado da minha conta foi parar em uma carteira de criptomoedas vinculada a uma empresa de apostas sediada em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Uma ponte perfeita entre o crime organizado, a fragilidade do sistema bancário e a omissão regulatória.

Digo isso não apenas como jornalista, mas como alguém que, na dor, precisou investigar cada detalhe do próprio prejuízo. E o que descobri me deixou ainda mais convencida de que a CPI das Bets não é periférica: ela está no centro de muitos dos problemas que afetam o Brasil hoje — da segurança pública à lavagem de dinheiro, da saúde financeira das famílias à erosão da confiança institucional.

CPI das Bets em Brasília

A violência que sofri me obrigou a investigar cada passo do que aconteceu. Fui atrás dos detalhes técnicos, dos horários, das falhas e das permissividades. A partir dessa apuração pessoal, precisei reorganizar toda a minha rede de segurança para operações financeiras digitais. Mas a dor que experimentei também me deixou uma certeza: a solução para o grave problema de segurança pública que enfrentamos no Brasil não virá de medidas isoladas. Ela exige um estadista — alguém com coragem e visão — que lidere uma empreitada nacional envolvendo os governadores, o sistema financeiro e as agências reguladoras.

Os governadores precisam entender que a atuação do crime não respeita fronteiras estaduais. Fui assaltada em São Paulo, mas o dinheiro foi parar em Santa Catarina. O Banco Central precisa assumir um papel central e mais proativo no combate ao crime organizado. As transferências foram feitas por meio de sucessivos Pix, no meio da noite, em operações completamente atípicas realizadas a partir de uma conta que mantenho em um grande banco varejista, cujo aplicativo só pode ser acessado por reconhecimento facial. Se esse é o nível de vulnerabilidade num sistema bancário supostamente seguro, imagine o que está acontecendo com milhares de brasileiros desprotegidos e sem voz.

A CPI das Bets pode parecer, à primeira vista, mais uma comissão parlamentar voltada para escândalos do futebol — mas ela é muito mais que isso. Estamos falando de uma engrenagem que afeta a economia, a arrecadação tributária, o sistema bancário, a saúde mental da população (com o crescimento da ludopatia), e, sobretudo, a segurança pública.

Quantos crimes, quantos golpes, quantos assaltos estão sendo financiados, direta ou indiretamente, por essas plataformas? Quantos jovens estão sendo cooptados por promessas de dinheiro fácil nesse ecossistema sem fiscalização adequada? E quantos parlamentares têm coragem de enfrentar os interesses que já se infiltraram em Brasília?

A CPI das Bets não deve servir apenas para a construção de manchetes, mas para um esforço real de regulação, rastreamento de recursos e responsabilização — de empresas, de sócios, de autoridades que fecharam os olhos, e também de celebridades e influenciadores que emprestaram sua imagem para esse mercado, sem fazer as perguntas certas.

O Brasil está, mais uma vez, diante da chance de fazer o certo. A CPI tem a oportunidade de mostrar que a impunidade não é o destino inevitável de todo escândalo. Que dessa vez, o rastro do dinheiro — inclusive do meu — pode, enfim, ser seguido até o fim.

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