Evento criado por Gilmar Mendes reuniu autoridades dos Três Poderes e articulou soluções para impasses reais da política brasileira.
O XIII Fórum Jurídico de Lisboa começou sob o rótulo debochado de GilmarPalooza, uma alusão à figura central de seu criador, o ministro Gilmar Mendes, e à fama de ser um convescote de verão para a elite jurídica brasileira. Mas terminou como a edição mais conectada aos problemas concretos do Brasil e, talvez, a mais produtiva de todas.
Com o tema “O Mundo em Transformação – Direito, Democracia e Sustentabilidade na Era Inteligente”, o evento rompeu a caricatura de festa no verão europeu e se consolidou como espaço legítimo de formulação, influência e articulação institucional. O que se viu em Lisboa foi menos performance e mais trabalho de bastidor, mais articulação do que autopromoção.
Durante os três dias de debates e encontros nos corredores, passaram por lá ministros da Suprema Corte, do STJ, parlamentares de diversos partidos, governadores, empresários, juristas, advogados, jornalistas, estudantes e pesquisadores não só do Brasil, mas de Portugal. A cidade se transformou no centro informal de mediação política brasileira. E o Fórum, em seu pano de fundo ideal.
Do Fórum não saíram apenas boas falas, saíram também costuras importantes. E muito conhecimento compartilhado, insumos para políticas públicas, correções de rotas e prevenções de repetição de erros.
Um exemplo é a discussão sobre o juiz de garantias, figura criada para impedir que promotores e juízes atuem como parceiros na condução de investigações e julgamentos, como se viu na Lava Jato. O modelo separa a função de investigar e julgar entre magistrados diferentes, fortalecendo as garantias do processo penal. O ministro Gilmar Mendes abriu este painel e disse que os abusos cometidos na Lava Jato machucaram, envergonham profundamente o judiciário brasileiro e como a atuação de um juiz de garantia teria contribuído para evitar escândalos como o da Vaza Jato, operação que desbaratou o esquema de Curitiba.
Outro debate central foi o das emendas parlamentares impositivas, apontadas por muitos como uma das causas da atual crise de governabilidade. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, foi direto:
“O Supremo não vai revisar o modelo sozinho. Estamos cuidando da transparência, rastreabilidade e combate à corrupção. Mas o impasse é político e, se ele persistir, o STF terá de julgar.”
Dino lembrou que já há ações no tribunal questionando não só a transparência e a rastreabilidade, mas também a constitucionalidade da impositividade das emendas.
“É preciso avolumar o debate. Já fizemos audiência pública, conversamos com os outros poderes. O modelo atual parece nos condenar a uma crise de governabilidade permanente”, disse.
Nos corredores de Lisboa, o trabalho também correu fora dos holofotes. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, soube ao desembarcar em Lisboa que seria o relator da ação que judicializa as emendas parlamentares. Mesmo com compromissos no palco, passou boa parte do tempo costurando, fora do expediente. Foi de Lisboa que bateu o martelo para a conciliação.
Entre os que circularam pelos debates esteve Hugo Motta, presidente da Comissão de Orçamento da Câmara e um dos principais alvos da ação no Supremo. No painel de abertura, anunciou que a Câmara dos Deputados elabora uma proposta alternativa de reforma fiscal, a ser apresentada e aprovada ainda este ano. Ao seu lado estava o deputado Pedro Paulo, que lidera a reforma administrativa e, segundo Motta, assumirá também a articulação da proposta fiscal. Em conversa com jornalistas, Pedro Paulo demonstrou que já tem “régua e compasso” para tocar a empreitada.
Criado em 2013 por Gilmar Mendes como um espaço de intercâmbio jurídico entre Brasil e Portugal, o Fórum cresceu, mudou e hoje é muito mais que um evento jurídico. Foram quase 3 mil inscritos, 500 palestrantes, 100 painéis espalhados por auditórios da Universidade de Lisboa e outros espaços. Os temas abrangeram da regulação das redes sociais à segurança pública, passando por controle de gastos e o papel do Judiciário nas democracias contemporâneas.
A realização do evento fora do Brasil contribui para sua eficácia. O distanciamento físico e simbólico de Brasília reduz a temperatura dos debates e favorece conversas francas, até mesmo entre adversários políticos que mal se cumprimentam no Congresso Nacional.
O saldo da edição foi tão sólido que mesmo seus críticos mais persistentes se renderam.
“Pode até continuar sendo o GilmarPalooza, mas foi o mais produtivo de todos”, disse um participante que até há pouco via o evento como um festival de vaidades.
O Fórum de Lisboa mostrou que, em tempos de diálogo institucional rarefeito, criar pontes é urgente e possível. Que se mantenham as piadas, se quiserem. Mas que não se ignore a potência que esse espaço ganhou.
E aqui no MyNews, fizemos questão de registrar boa parte dessas discussões com reportagens, entrevistas e até crônicas. Porque o que se discutiu por lá, diz respeito ao futuro do Brasil por aqui.