Em passagem por Lisboa, o secretário João Bosco Monte detalha os movimentos que pretendem reposicionar Fortaleza como referência internacional em inovação, cultura e diplomacia.
É fim de tarde no Chiado. O céu azul de final de primavera anuncia que o verão europeu se aproxima, e os turistas já fervilham pelas calçadas lisboetas — sacolas nas mãos, gelatos derretendo, passos apressados. Sentamos na calçada d’A Brasileira, o café mais icônico do bairro, onde Fernando Pessoa permanece, como sempre, à espreita. Imóvel, mas não indiferente, observa o vai-e-vem com a expressão de quem já entendeu o mundo — e, por isso mesmo, ainda se espanta com ele.
É entre Pessoa e o também imóvel poeta Chiado — o homem e o bairro que lhe dá nome — que eu te convido a ouvir esta conversa que vem do Ceará, mas tem endereço global. João Bosco Monte, professor e atual secretário de Relações Internacionais e Institucionais de Fortaleza, está de passagem por Lisboa após uma agenda intensa em Estocolmo. Entre um café e outro, ele compartilha planos e projetos que podem reposicionar sua cidade no mapa-múndi.
Como Fernando Pessoa, Fortaleza também sabe: navegar é preciso. E é exatamente isso que ela quer — lançar-se ao mundo, mostrar que é muito mais do que sol, praias e réveillons grandiosos. Quer ser reconhecida como potência estratégica, conectada, inteligente. E Bosco está no leme dessa travessia.
“Fortaleza é a esquina do Brasil”, diz ele, com convicção. E faz sentido. A cidade está mais próxima da Europa, dos Estados Unidos e da África do que muitas outras capitais brasileiras. Um trunfo geográfico que ganha ainda mais valor quando se descobre que 17 cabos submarinos de comunicação desembocam ali — a 4 mil metros de profundidade, por onde passam dados que conectam o mundo. Um cabo da Angola Cabels, por exemplo, percorre 7,5 mil quilômetros ligando Luanda a Fortaleza. “Isso nos credencia a receber data centers e estruturas tecnológicas de altíssimo nível”, explica ele. “Somos um hub natural. Precisamos que o mundo nos veja assim.”
Mas não se trata apenas de infraestrutura. Bosco fala com orgulho dos cérebros cearenses. Fortaleza lidera há décadas o índice de aprovação no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e vai inaugurar uma base do instituto na cidade. “Temos um ambiente vibrante para educação e inovação. Uma inteligência que quer ficar e produzir aqui.”
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A estratégia internacional que ele traça passa por dois polos distintos e simbólicos: os Emirados Árabes e a Suécia. Em março, esteve em Abu Dhabi com o prefeito Evandro Sá Barreto Leitão e o secretário de inovação e comunicação, iniciando uma aproximação com o Abu Dhabi Fund for Development, o fundo soberano dos Emirados. Já levou o embaixador para Fortaleza e o prefeito à residência do sheik. A pauta: projetos de infraestrutura. A provocação: “Se recebemos 2 milhões de pessoas no segundo maior réveillon do mundo, por que ainda faltam hotéis?”
Na Escandinávia, o discurso muda de roupa, mas mantém o mesmo tom de futuro. Em Estocolmo, com o apoio da embaixadora brasileira na Suécia — a cearense Edileusa Fontenele —, Bosco apresentou projetos de mobilidade, transformação de resíduos sólidos em energia e inovação ambiental. “O lixo é um ativo, Mara. E precisamos dizer isso com naturalidade. Há muita potência naquilo que o olhar comum descarta.” Representantes do fundo sueco devem visitar Fortaleza em agosto para avaliar o financiamento dessas iniciativas.
A cada frase, Bosco parece desenhar mentalmente uma Fortaleza que ainda não está visível aos olhos, mas que ele vê com nitidez. “Não queremos ser apenas um destino exótico. Queremos ser um ponto de convergência — de ideias, dados, investimentos e soluções.”
Na mesa ao lado, um grupo de turistas fotografa Pessoa. O poeta continua ali, inabalável, talvez ouvindo em silêncio essa conversa sobre lançar-se ao mar com propósito. Porque, no fundo, o que move as cidades e os homens é o mesmo impulso de travessia.
E, como diria o próprio Pessoa — e agora também Bosco —, navegar é preciso.