Agência Senado
Câmara
Lira não é onipotente, o PSOL é gigante na crise e chega a Câmara uma lenda política capaz de enfrentar oligarquias olhando nos olhos
Na política, o feitiço costuma virar contra o feiticeiro. O caso de Glauber Braga, contudo, elevou essa máxima a outro patamar com um “efeito bumerangue” : ao mirar em Glauber, Lira é atingido pela volta de Heloísa Helena. O que foi desenhado para ser o enterro político de um deputado incômodo transformou-se, subitamente, na ressurreição parlamentar de uma gigante. A manobra prestou um serviço involuntário ao país e trouxe de volta aos holofotes uma voz vulcânica. Arthur Lira tentou limpar o terreno de seus críticos, mas acabou adubando o solo para uma oposição ainda mais qualificada.
É preciso, primeiramente, rasgar a hipocrisia que envolveu este julgamento. Pois, Glauber Braga nunca esteve no banco dos réus apenas por um chute em um militante do MBL. Se esse fosse o critério, metade do Congresso estaria sob judice. A verdadeira “infração” de Glauber foi outra: incomodar Arthur Lira. Diariamente. Ele se tornou a única voz capaz de gritar contra as engrenagens do orçamento secreto. A maior parte preferia sussurrar. Portanto, a tentativa de cassação foi um claro recado de poder. Tratava-se de uma tentativa de silenciamento, travestida de zelo disciplinar, contra aquele que ousou desafiar a ordem imposta pela presidência.
No entanto, o bumerangue voltou rápido e expôs a primeira grande fissura na armadura do ex-presidente da Câmara. O processo revelou que ele não é onipotente. Lira descobriu, da pior maneira, que não pode fazer tudo o que bem entende. Seu poder, embora vasto, encontrou limites nos ritos democráticos e na resistência política. A dificuldade em entregar a cabeça de Glauber de forma sumária demonstrou um fato novo: o Legislativo não é o quintal do presidente Hugo Motta e de Lira. Ficou evidente que a imposição de vontades imperiais tem custo alto e pode desgastar o capital político de quem tenta exercê-las sem freios.
Outro ganho indiscutível foi a demonstração de força do PSOL. Muitas vezes tratado como uma legenda de nicho, o partido provou que, na hora da crise, sabe ser gigante. A sigla conseguiu furar a bolha, mobilizar a opinião pública e articular uma defesa sólida. Com isso, travou a máquina de moer reputações do Centrão. A lição que fica é clara: bancadas pequenas, quando combativas e organizadas, podem peitar o establishment. Elas impedem que mandatos sejam cassados na calada da noite e provam que a política ainda respira para além dos grandes acordos de gabinete.
A ironia mais cruel recai sobre os ombros de Arthur Lira. Ele sonhava se ver livre de Glauber Braga, seu mais obstinado opositor no tema do orçamento secreto. Agora, Lira terá que enfrentar Heloísa Helena. Ela reúne toda a combatividade de Glauber, mas com um agravante letal: a vivência. Heloísa conhece, como ninguém, os meandros da política de Alagoas e a gênese da família Lira no estado de onde ambos vêm. Lira arremessou o processo para longe, mas ele voltou direto para sua testa.
Para quem tem memória curta, convém assistir ao vídeo anexado a esta matéria. Pois, ele mostra Heloísa no Senado enfrentando ninguém menos que Antônio Carlos Magalhães, o temido “Toninho Malvadeza”, no auge de seu poder. Heloísa é a política destemida que, em 1998, foi eleita a primeira senadora de Alagoas com votação recorde, derrotando oligarquias locais. Ela carrega na bagagem o peso de ter sido a terceira mulher mais votada para a presidência da República na história, atrás apenas de Dilma e Marina. Se Lira acha que intimidará alguém que peitou ACM olhando nos olhos, terá surpresas.
Em suma, além da coragem, Heloísa traz uma coerência rara. Pois, nunca negociou seus principios. Heloisa é professora de epidemiologia da UFAL e ligada aos movimentos sociais desde a juventude. Saiu do PT em 2003 justamente por defender os servidores contra a Reforma da Previdência de Lula. Não se calou nem diante do partido que ajudou a construir. Fundou o PSOL, depois a Rede, e manteve-se firme contra o neoliberalismo desde a era FHC. Essa é a figura que retorna à tribuna: uma mulher testada pelo tempo, vacinada contra pressões e pronta para mostrar a Lira o que é, de fato, fazer política com independência.
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