Mesmo com a queda da população rural e a mecanização do agro, o Brasil bate recorde de concessões de aposentadorias rurais, um rombo silencioso que acende alerta fiscal.
Num país onde o agronegócio é celebrado como motor da economia, símbolo de tecnologia de ponta, produtividade crescente e mecanização intensa, um dado da Previdência Social destoa e preocupa. Enquanto o campo se moderniza, o número de aposentadorias rurais dispara.
Em 2024, foram concedidos 1,190 milhão de benefícios rurais, o maior número desde 2002. E só no caso das aposentadorias rurais, o salto foi de 38,5% em relação ao triênio anterior, alcançando uma média anual de 432 mil concessões, patamar não visto desde 1994, segundo estudo do economista Rogerio Nagamine, um dos maiores especialistas em previdência brasileira.
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Essa explosão de benefícios contrasta com a queda da população rural e o encolhimento do emprego formal no setor agropecuário. A conta não bate. Os dados acendem um alerta sobre a qualidade dos cadastros, a efetividade dos controles e, principalmente, sobre o risco fiscal embutido em cada aposentadoria mal concedida. O Brasil que colhe safras recordes e exporta carne e grãos para o mundo todo é o mesmo que, silenciosamente, assiste a uma escalada preocupante de despesas previdenciárias no campo.
Entre 2022 e 2024, a média anual de concessões de benefícios rurais foi de 1,1 milhão, um crescimento de 44,3% em relação à média de 2019 a 2021. As aposentadorias por idade rural também dispararam: subiram de uma média de 287 mil para 411 mil ao ano, uma alta de 43%. São números que, isoladamente, já chamariam atenção. Mas ganham contornos de urgência quando inseridos no quadro mais amplo da Previdência Social.
Recorde de concessão de benefícios
De 1989 a 2024, o INSS concedeu 137,7 milhões de benefícios, com média anual de 3,8 milhões. Só em 2024, o número bateu recorde: 6,9 milhões, uma alta de 344,9% sobre 1989. No Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o crescimento foi de 318,7% no mesmo período, saltando de 1,47 milhão para 6,2 milhões de concessões por ano. As aposentadorias, em particular, passaram de 419 mil por ano para 1,3 milhão em 2024, totalizando 35 milhões no período.
A ferramenta Atestmed, que permite a concessão automática de auxílio-doença com base apenas em atestados médicos digitais, é apontada como um dos motores dessa aceleração. Outro ponto sensível é o regime previdenciário do Microempreendedor Individual (MEI). Criado com o objetivo de formalizar trabalhadores e ampliar a base de contribuintes, o programa acabou gerando uma distorção fiscal.
17 milhões registrados como MEI
Hoje, mais de 17 milhões de brasileiros são registrados como MEI, mas a contribuição previdenciária é baixa e a transição para aposentadorias e auxílios, especialmente por invalidez, tem ocorrido em volume crescente. O desequilíbrio entre o que é arrecadado e o que é pago pressiona ainda mais o caixa da Previdência.
O problema se conecta diretamente à trajetória da dívida pública brasileira. Com uma despesa previdenciária que cresce de forma contínua e silenciosa, e sem contrapartida suficiente em arrecadação, o planejamento de médio e longo prazo do Estado brasileiro fica comprometido. Entre 2025 e 2070, as projeções indicam a concessão de 53,6 milhões de aposentadorias pelo RGPS, uma média de 1,2 milhão por ano.
O pico ocorrerá nas décadas de 2030 e 2040, justamente quando a população em idade ativa começará a diminuir. O sistema previdenciário brasileiro mistura passado e futuro em doses alarmantes. De um lado, concede aposentadorias como se ainda estivéssemos num país rural e informal. De outro, carrega o peso de um envelhecimento populacional veloz e mal planejado. A conta da Previdência está no centro da crise fiscal brasileira e ignorá-la é como adubar a dívida pública.