STF vai decidir se MP pode requisitar relatórios de inteligência ao Coaf, peça-chave para asfixiar financeiramente essas organizações.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nas próximas semanas um tema central para o enfrentamento do crime organizado no Brasil: a possibilidade de o Ministério Público requisitar diretamente ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs). A decisão pode destravar um dos mecanismos mais eficientes para rastrear e bloquear o fluxo de recursos ilícitos, enfraquecendo o poder financeiro de organizações criminosas.
Segundo o Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, Antonio José Campos Moreira, em entrevista ao MyNews houve queda no número de RIFs encaminhados ao Ministério Público nos últimos anos, o que considera um retrocesso grave diante da sofisticação crescente das redes criminosas. “É inacreditável que ainda haja discussão no Brasil sobre se o Ministério Público pode requisitar RIFs ao Coaf. Essa troca de informações é fundamental para desarticular grandes esquemas financeiros do crime”, afirma.
Campos Moreira explica que o Coaf não quebra sigilo bancário ao produzir e enviar os RIFs: ele apenas reporta movimentações financeiras atípicas, com base em dados que já são monitorados pelo sistema financeiro. “Isso precisava ser feito com mais agilidade”, observa.
A votação do STF vai avaliar a validade dos chamados RIFs “por encomenda”, aqueles solicitados por integrantes do Ministério Público ou por delegados de polícia no curso de investigações, prática que hoje divide a jurisprudência nacional.
Um exemplo recente ilustra bem o impasse: a investigação de fraudes em descontos indevidos em benefícios de aposentados do INSS.
A Justiça Federal de São Paulo havia anulado um RIF solicitado pela Polícia Federal antes da formalização do inquérito, entendendo que faltava autorização judicial. A defesa do empresário Antonio Fratic Bacic e da empresa Ambec alegou violação de garantias legais, e a juíza acatou o argumento, excluindo o relatório e as provas derivadas dele.
No entanto, o ministro Flávio Dino, do STF, restabeleceu a validade do relatório. Segundo ele, a investigação já estava em curso quando o pedido foi feito, e o RIF não foi um “requerimento isolado ou genérico”, mas parte de um processo regular com indícios concretos. A decisão de Dino reforça a importância do compartilhamento ágil de informações financeiras entre órgãos de controle e investigação.
Quando ministro da Justiça, Flavio Dino sempre alertou da importância da asfixia financeira como peça fundamental para combater o crime organizado. Foi em sua gestão que foi realizada a maior operação da Polícia Federal que desbaratou um grande esquema de lavagem de dinheiro em Balneário Camboriu, em Santa Catarina.
Para o procurador Campos Moreira, essa integração de orgãos é essencial para combater o crime organizado, que hoje opera com lógica empresarial e redes transnacionais. “Durante décadas, fomos levados a acreditar que a criminalidade era apenas um produto da desigualdade social. Isso é uma visão míope, que vitimiza o criminoso e culpa a sociedade.”
A realidade, segundo ele, é outra: “O crime hoje é predominantemente organizado. Claro que há várias formas de criminalidade, mas quase tudo passa por estruturas que funcionam como empresas — algumas extremamente sofisticadas, outras mais simples.”
Essas organizações movimentam fortunas, lavam dinheiro e o inserem no mercado formal, ganhando poder político e econômico. “O crime organizado atua como uma empresa global. Invade todos os setores, da política à economia formal. Essa lógica empresarial torna difícil distinguir o que é Estado e o que é organização criminosa”, alerta.
Diante desse cenário, Campos Moreira defende uma resposta institucional à altura: “À semelhança do que o crime fez, o Estado precisa se organizar. Polícia, Judiciário e Ministério Público precisam dialogar. Os Estados precisam cooperar entre si. E a União tem que assumir seu papel no enfrentamento desse problema.”
Para ele, a polarização política agrava o quadro. “O radicalismo atrapalha muito. Os dois pólos não contribuem com absolutamente nada. Só ajudam a aprofundar a crise.”
O procurador acredita que o Ministério Público também tem um papel fundamental a desempenhar nessa nova fase. “O MP precisa acordar e acho que está acordando. Quero envolver a instituição de forma ativa na solução desses problemas. O Ministério Público precisa oferecer algo mais à sociedade: inteligência, articulação e resultado”, diz ele, que assumiu há cerca de seis meses o comando do MP do Rio de Janeiro.