No espaço de uma semana, Macaé Evaristo confirmou decisão unânime da Comissão de Anistia em reduzir a prestação mensal de 81 anistiados para R$ 2 mil; depois, suspendeu sua medida
Durou apenas uma semana a vigência de uma portaria da ministra Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania) confirmando uma decisão unânime da Comissão de Anistia, de outubro de 2024, em limitar em R$ 2 mil o valor a ser pago para a prestação mensal permanente e continuada a 81 antigos anistiados políticos No dia 28 de março agora, Macaé assinou as 81 portarias corroborando entendimento da comissão com a reparação nesse valor, mas na última sexta, 04 de abril, a ministra suspendeu os efeitos de sua decisão e remeteu todos os casos para novo julgamento no colegiado.
Nesses 81 casos, julgados em um só bloco, os anistiados recebem valores diversos e, em vários deles, essa aposentadoria excepcional de anistiado político – é a denominação – atinge patamares de até R$ 23 mil, R$ 25 mil e R$ 44 mil, como chegou a ser dito na reunião da comissão, pública e transmitida nas redes do ministério. Há caso que esse valor mensal ultrapassa R$ 50 mil mensais. Esse regime – aposentadoria excepcional de anistiado político – é anterior à criação da Comissão de Anistia, em 2002, e essas decisões eram de ministérios e órgãos específicos de governo. Ou seja, esses valores são pagos a duas, três décadas, pelo INSS.
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A Lei 10.559, que criou a comissão determina que essas antigas aposentadorias excepcionais sejam substituídas pelo prestação mensal permanente e continuada. A decisão em limitar essas prestações mensais em R$ 2 mil ocorreu nesse terceiro governo Lula, na gestão da professora Eneá Stutz à frente da Comissão de Anistia, com a aquiescência dos conselheiros. Além de colocar um limite nesses valores, esse teto permite que o anistiando, quase todos idosos, recebam integralmente e de uma vez o chamado retroativo a que tem direito, que é a soma do acumulado do passado. Acima de R$ 2 mil, o montante retroativo calculado é parcelado.
Na portaria que suspendeu o pagamento da prestação no teto de R$ 2 mil a ministra orientou os integrantes da Comissão de Anistia a considerarem, na reavaliação, o artigo 6º da Lei de Anistia, que estabelece que esse valor é igual ao da remuneração se o anistiado “na ativa estivesse”, considerando graduações e promoções a que teria direito, tanto para civil como para militar. Exemplo: um jornalista, que era repórter de uma empresa quando foi perseguido e precisou abandonar o emprego por essa razão, pode requerer a anistia anos depois e reivindicar o salário de um editor-geral do veículo de comunicação, como “se na ativa estivesse”.
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Ao prever essa possibilidade, a ministra abriu a possibilidade desses 81 anistiados manterem o que já recebem atualmente ou até mesmo reivindicarem um valor superior, considerando que a aposentadoria de R$ 2 mil sequer foi implementada. E não só nesses 81 casos. Ao considerar o “se na ativa estivesse”, a portaria abre brecha para que outros anistiados recorram de decisões anteriores da comissão que limitaram o valor mensal continuado e reivindicar a remuneração por categoria, além de novos casos já protocolados e que serão julgados.
A aplicação do “se na ativa estivesse” gerou controvérsias e críticas no passado, pois permitiu aprovação de valores exorbitantes tanto de prestações mensais – de R$ 30 mil a R$ 50 mil – como de retroativos, que ultrapassaram a casa dos milhões. A partir de 2007, na gestão de Tarso Genro à frente do Ministério da Justiça (a comissão era vinculada a essa pasta à época), o critério se tornou mais rigoroso. Para efeito desses pagamentos, passou a ser considerada outras alternativas, como média de salário dos cargos e categorias, segundo um levantamento do DataFolha. Nesse período, o advogado Paulo Abrão foi o presidente da Comissão de Anistia.
A votação na comissão
A decisão de agora da Comissão de Anistia que limitou as prestações mensais desses 81 anistiados em R$ 2 mil foi aprovada por uanimidade, em sessão de 25 de outubro do ano passado com os votos favoráveis dos conselheiros Rodrigo Lentz, Marina Steinbruch, Leonardo Kauer, Gabriela Barreto Sá, Ana Maria Oliveira (atual presidente), Isabela Arruda, Mário Miranda, Rafaelo Abritta, Vanda Oliveira e Rita Sipahi. A comissão tem o entendimento de se votar a partir de consensos, mas quatro deles foram favoráveis, com ressalvas: Leonardo, Mário, Vanda e Rita.
No julgamento, o conselheiro Lentz reforçou que a substituição da aposentadoria excepcional para a prestação mensal é uma determinação da lei que criou a comissão e que esses conselhos mudam e também seus entendimentos ao longo dos anos.
“Hoje, temos um entendimento, que muitos conselheiros e conselheiras não se sentem contemplados. Ocorre que estamos na administração pública e há acordo nesse conselho em defesa do princípio do colegiado”, afirmou Lentz. que complementou:
“Por mais que nos sentimos desconfortáveis, o conselho está fazendo, depois de 22 anos da instauração do regime de anistiado político, e atendendo e respeitando o processo e o direito de ampla defesa”.
A presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Oliveira, informou que sobre o tema das transformações de aposentadorias excepcionais em prestação mensal permanente e continuada, a ministra Macaé Evaristo já tomou as medidas necessárias de devolução dos processos para reanálise do Conselho.
“Esclareço que esse procedimento de retorno ao Conselho é o procedimento adequado nos casos em que a autoridade ministerial entende necessário uma nova analise sobre a matéria”, afirmou a presidente da comissão.
A ministra Macaé Evaristo foi procurada pelo Canal MyNews, por intermédio de sua assessoria de imprensa, no início da tarde de ontem (sábado) para se manifestar sobre as portarias. Até o momento, não se manifestou. O espaço segue aberto para as considerações da ministra. A reportagem questionou quais as razões da ministra, uma semana depois, suspender portarias assinadas por ela; por que derrubou o teto de R$ 2 mil para prestação mensal e continuada, aprovada de forma unânime pela comissão; e se não receia que o critério “se na ativa estivesse” não pode trazer de volta as indenizações vultosas e milionárias.