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Isenção da cesta básica favorece empresários, não os mais pobres

Com a medida, parcela menos favorecida da população terá de pagar uma alíquota maior do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em outros produtos e serviços que venham a consumir

por João Amoêdo em 05/08/24 15:07

Isenção da cesta básica favorece empresários, não os mais pobres | Foto: Freepik

Um dos principais desafios que temos como nação é a redução da pobreza. A única alternativa sustentável para atingirmos esse objetivo é o crescimento da economia. Quando comparamos o desempenho econômico brasileiro com o de outras nações, nosso resultado é sofrível. Nos últimos 30 anos, o Produto Interno Bruto per capita (dados do Banco Mundial em dólar constante) de países como a Índia, Vietnã, Coreia do Sul e Chile cresceu, respectivamente, 299%, 384%, 199% e 117%. O do Brasil, nesse período, avançou apenas 48%.

Insegurança jurídica, protecionismo, baixa poupança interna, déficit nas contas públicas, educação deficiente, taxas de juros elevadas, má gestão dos recursos públicos e um complexo sistema tributário são alguns dos principais fatores que explicam esse quadro.

O sistema tributário brasileiro possui, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), 38.540 normas tributárias em vigor, e o relatório do Banco Mundial coloca o Brasil em primeiro lugar no tempo gasto pelas empresas para calcular o imposto a ser pago.

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Felizmente, no ano passado com a aprovação no Congresso da PEC da Reforma Tributária começamos a tratar desse problema. Após anos de debate, finalmente caminhamos para o modelo do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), que é adotado por 174 países e foi implementado pela primeira vez na França, em 1954, ou seja, há 70 anos. Um bom indicador do nosso atraso.

Os pilares do novo sistema tributário são fundamentais para o aumento da produtividade e a melhoria do ambiente de negócios e terão como consequência um maior desenvolvimento econômico.

O novo modelo acabará com diversos tributos, simplificará as milhares de legislações e alíquotas tributárias, facilitará os investimentos e a exportação, reduzirá a burocracia, a insegurança jurídica e os litígios. Só para termos uma ideia, enquanto nos países membros da OCDE o contencioso tributário oscila entre 0,3% e 6,0% do PIB, esse montante no Brasil alcança a inimaginável proporção de 75% do PIB.

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Não por acaso, a aprovação da PEC foi decisiva para que a Standard & Poor’s, agência de classificação de risco, aumentasse o rating brasileiro.

Contudo, as reformas na esfera pública no Brasil costumam ser prejudicadas por lobbies empresariais e pelo corporativismo. Foi assim na Reforma da Previdência e estamos assistindo a isso novamente na Tributária.

Inúmeros grupos de interesse se mobilizaram para buscar uma alíquota diferenciada para o seu setor. A justificativa apresentada foi basicamente a mesma: a importância estratégica do seu produto ou serviço. Nossos políticos, que majoritariamente aprovaram essas inúmeras exceções, mais uma vez trabalharam para concentrar renda, ao estabelecer privilégios para alguns à custa de toda a população.

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O resultado é que teremos uma alíquota padrão do IVA mais elevada a ser paga por todos os brasileiros, para compensar os setores que foram privilegiados com alíquotas menores. Assim tem funcionado o Estado brasileiro: dá auxílios para quem menos precisa, benefícios para quem menos merece e tributa quem mais trabalha.

Um exemplo é a isenção tributária da cesta básica. O discurso da classe política é que, com essa medida, os produtos essenciais de alimentação serão acessíveis para os mais pobres. Porém, uma rápida análise nos leva à conclusão de que a intenção apresentada é diametralmente oposta aos resultados que serão alcançados.

Ao retirar os tributos da cesta básica, não estamos beneficiando os mais pobres. Estamos apenas reduzindo o preço desses produtos, que serão adquiridos por todos os brasileiros, do mais rico ao mais pobre. Esses itens de alimentação terão uma vantagem em relação aos demais que não foram definidos como produtos da cesta básica.

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Os beneficiados, portanto, não serão os mais pobres, pois pagarão uma alíquota maior do IVA em outros produtos e serviços que venham a consumir. Os beneficiados serão os produtores dos artigos incluídos na cesta básica, que terão o privilégio de vender seus produtos sem impostos diretos. Como bem disse o economista Marcos Lisboa, com essa renúncia fiscal, o Estado brasileiro cuida dos empresários e não dos mais pobres.

A alternativa justa para destinar um benefício a quem realmente precisa é o fim das renúncias fiscais para produtos específicos e a implementação do cashback, mecanismo que consta do projeto do IVA. Nesse sistema, retorna-se aos mais pobres, e somente a eles, parte do IVA pago quando estes consomem bens e serviços. O arcabouço operacional hoje existente, como o Cadastro Único e outros mecanismos, viabiliza sem qualquer problema essa solução.

Com a substituição da isenção pelo cashback, acabaríamos com privilégios para certos empresários, eliminaríamos o subsídio na compra de alimentos para quem pode pagar, reduziríamos a alíquota do IVA e beneficiaríamos quem de fato precisa.

A regulamentação da Reforma foi aprovada na Câmara e chegou ao Senado no dia 22/07, onde deverá tramitar sob regime de urgência. Cabe agora aos nossos senadores lembrarem que os recursos públicos são escassos, que nossas contas públicas são deficitárias e, portanto, benefícios providos pelo Estado ou renúncias fiscais devem ser direcionados à camada mais pobre da população, e não a grupos de interesse.

Saiba como a desigualdade social prejudica outros fatores da economia brasileira:

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