Muito se tem dito, e de forma absolutamente irresponsável, que o Brasil seria um país irrelevante no cenário internacional, uma espécie de pária diplomático, indigno de atenção ou respeito.
Tal narrativa, que se tornou frequente sobretudo nos discursos de certos setores autodeclarados “patrióticos”, ignora completamente a trajetória diplomática e econômica do país ao longo dos séculos. O Brasil nunca foi um indigente diplomático, tampouco uma economia desimportante. Com a sétima maior população do planeta, vastos recursos naturais, liderança regional consolidada e uma das diplomacias mais profissionais do mundo, o Brasil ocupa um lugar central nas articulações do Sul Global — e incomoda justamente por isso.
A tradição diplomática brasileira remonta ao século XIX e foi erigida sobre bases sólidas, com figuras de grande porte intelectual, e se destacou por sua sofisticação, herdeira da também notável diplomacia portuguesa, há de se reconhecer. A atuação brasileira em organismos internacionais, nas conferências ambientais e nas mediações de conflitos evidenciam um país que, mesmo sem dispor de armas nucleares, sempre buscou protagonismo com altivez e racionalidade. Ao contrário das potências beligerantes, o Brasil oferece justamente o que falta nas mesas de negociação: neutralidade e compromisso com a legalidade internacional.
É por isso que o país se torna alvo, não raro, de pressões e interferências externas —oriundas dos próprios Estados Unidos que, como vemos estarrecidos, continua a manejar o seu proverbial “porrete”. A ideia de que o Brasil pode se afirmar como potência sem se alinhar automática e incondicionalmente a Washington é vista com desconfiança por setores do poder norte-americano. O fortalecimento dos BRICS, a defesa de uma ordem econômica multipolar e a recusa em participar de guerras por procuração são incômodas para um projeto de hegemonia em crise. As interferências recentes, algumas veladas e outras declaradas, demonstram o quanto os EUA se sentem ameaçados por um Brasil soberano e assertivo em sua inserção internacional.
É sintomático que, em contextos de afirmação internacional do Brasil — como em momentos de liderança no G20 ou protagonismo ambiental — surjam tentativas de desqualificação interna do país por figuras que se dizem patriotas, mas que, paradoxalmente, operam como agentes da deslegitimação nacional. Defender a soberania brasileira não é repetir slogans nacionalistas vazios; é reconhecer que a projeção externa do Brasil incomoda justamente por sua capacidade de articulação, negociação e liderança em fóruns multilaterais, especialmente quando não alinha seus interesses aos de potências tradicionais.
Portanto, é preciso dizer com todas as letras: o Brasil não é pária, e tampouco precisa aceitar ser tratado como tal. Temos capital diplomático, econômico e cultural para exercer papel destacado no mundo contemporâneo. O que falta, por vezes, é que as elites políticas e intelectuais reconheçam esse lugar e saibam defendê-lo com firmeza. Reduzir o Brasil a um satélite periférico é não apenas uma visão míope, mas um gesto perigoso de submissão. Em tempos de redefinição geopolítica global, afirmar a soberania e o protagonismo brasileiro é uma necessidade histórica — e um imperativo ético.
*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie