No passado, país foi favorecido pela entrada de recursos oriundos das exportações e de investimentos diretos; hoje, quase duas décadas depois, a realidade é outra
por João Amoêdo em 08/01/25 12:47
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa durante o lançamento do novo programa Minha Casa, Minha Vida, em Santo Amaro (BA) | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil - 14.02.2023
Ao final de 2010, ao encerrar o seu segundo mandato, Lula deixou a presidência com uma taxa de aprovação de 87%, elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff, e o país fechou o ano com um superávit primário equivalente a 2,78% do PIB. O atual presidente tomou posse pela primeira vez em 2003, herdando um Brasil que havia passado por importantes mudanças estruturais durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
A estabilização da inflação em patamares anuais abaixo de 2 dígitos, a implementação do tripé macroeconômico — composto por meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário –, a adoção de regras que limitaram o gasto público – como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Regra de Ouro –, um amplo programa de privatizações e a ampliação de acordos comerciais foram as principais reformas econômicas que criaram as bases para um crescimento sustentável.
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Lula teve seu mérito ao adotar uma postura pragmática na economia e manter grande parte dessas diretrizes, em linha com o que havia prometido na “Carta aos Brasileiros” e contra toda a cartilha que havia pregado nos anos anteriores. A escolha de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, um banqueiro que era da iniciativa privada, com perfil técnico e recém-eleito deputado federal pelo PSDB, a maior oposição ao PT na época, foi uma demonstração de que a política monetária ortodoxa, restritiva, com câmbio flutuante e centrada no controle da inflação, iria continuar.
Na Fazenda, a equipe econômica liderada por Antônio Palocci adotou medidas similares às do governo anterior, obteve superávits primários, realizou uma reforma da previdência dos funcionários públicos, restringiu aumentos salariais do funcionalismo, impôs maior controle sobre as despesas discricionárias e estabeleceu limites para os gastos estaduais e municipais.
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Politicamente, o período também era favorável. O PT possuía uma base sólida no Congresso e, com aliados, garantia ampla governabilidade. O Executivo, antes da existência das emendas parlamentares, tinha um maior influência no Legislativo.
No âmbito externo, o quadro também era extremamente positivo para o Brasil. O fim da União Soviética, a forte atuação americana em organismos internacionais pró-comércio e a entrada dos países emergentes, notoriamente a China, no comércio internacional impulsionaram o processo de globalização.
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A China, que desde o governo de Deng Xiaoping passou a adotar medidas para atrair investimentos e a funcionar mais próxima de uma economia de mercado, se tornou o motor da economia global, especialmente após sua entrada na Organização Mundial do Comércio, em 2001. O crescimento chinês nesse período apresentou taxas anuais superiores a 10%, chegando a 14% em 2007.
Essa expansão impulsionou fortemente o preço das commodities, favorecendo países exportadores como o Brasil. Em paralelo, os EUA, após o atentado de 11/9 e, posteriormente, durante a crise econômica de 2008, reduziram sua taxa de juros, desvalorizando o dólar, impulsionando a sua economia e aumentando o capital disponível para investimentos.
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Nesse cenário, o Brasil foi favorecido por uma expressiva entrada de recursos oriundos das exportações e de investimentos diretos. O resultado foi o fortalecimento da economia e a valorização do real, o que ajudou a conter a inflação.
Entretanto, agora, quase duas décadas depois, a realidade é completamente diferente. Lula, em seu terceiro mandato, tem enorme dificuldade de entender e aceitar essa mudança. O cenário interno e externo, antes benignos, hoje são adversos.
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A demografia, que era uma vantagem, tornou-se um desafio. O envelhecimento populacional aumentou a proporção de idosos, pressionando a Previdência Social e tornando-a um dos maiores problemas fiscais do país, consumindo 50% do Orçamento Federal e gerando um déficit anual de cerca de R$ 300 bilhões. A carga tributária está próxima da de países desenvolvidos, mas o governo tem enorme dificuldade em cortar subsídios. O Orçamento Federal de 2025 terá 92% das receitas com destinação obrigatória, sobrando meros 8% para despesas discricionárias e investimentos. Enquanto isso, a produtividade da economia permanece estagnada, como abordado anteriormente nesta coluna.
A atual postura ideológica, equivocada e ultrapassada do presidente, com ataques ao Banco Central e à responsabilidade fiscal, trouxe danos à credibilidade do País, gerando incerteza na economia, com reflexos diretos na desvalorização do real, no aumento do custo de captação do governo e na elevação das taxas de juros domésticas.
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No campo político, o cenário também é desafiador. O Congresso, antes dominado por uma base sólida de apoio ao governo, tornou-se autônomo, especialmente com a introdução das emendas do orçamento secreto, que enfraqueceram o poder de negociação do Executivo. A oposição política cresceu nas últimas eleições, é mais articulada e consegue mobilizar e pautar o debate público, especialmente devido à maior presença nas redes sociais
No cenário global, as mudanças são ainda mais marcantes. A “era de ouro” da globalização parece ter ficado para trás. A relação entre China e Estados Unidos se transformou em uma rivalidade aberta, marcada pela guerra comercial iniciada no primeiro governo Trump e que provavelmente será intensificada em seu segundo mandato. A pandemia evidenciou os riscos da dependência excessiva da China, levando a uma diversificação de cadeias produtivas para outros países, impactando o crescimento chinês e, consequentemente, a demanda por commodities. A invasão da Ucrânia pela Rússia aumentou a fragmentação geopolítica, criando um bloco antiocidental que prioriza agendas ideológicas e não mais apenas interesses econômicos.
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Nos Estados Unidos, uma economia aquecida, com taxas de crescimento maiores que as de seus pares, uma inflação acima da meta, um baixo índice de desemprego e o início de um governo mais protecionista indicam um cenário de fortalecimento do dólar, taxas de juros americanas altas por mais tempo e menor fluxo de comércio internacional. O resultado será menos capital disponível para países emergentes, notadamente aqueles com endividamento crescente, como é o nosso caso. É interessante exemplificar esse cenário com base em uma variável de 2024: as empresas brasileiras cotadas em bolsa perderam, nesse ano, 322 bilhões de dólares em valor de mercado. No mesmo período, apenas a Nvidia, cotada na bolsa americana Nasdaq, obteve uma valorização de 2,1 trilhões de dólares.
Este “novo mundo” exige respostas rápidas, baseadas em dados e evidências. Não há espaço para um governo lento e ideológico. Adaptar-se é mais do que uma escolha: é uma necessidade para garantir a prosperidade do país. Lula deveria enxergar os enormes desafios que o País enfrenta, assumir a responsabilidade pelos erros cometidos e substituir os discursos populistas por ações efetivas para reverter a péssima gestão econômica de seu governo.
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