Arquivos Cid Benjamin - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/cid-benjamin/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Fri, 24 May 2024 14:40:13 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Um tapa na cara dos servidores https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/um-tapa-na-cara-dos-servidores/ Fri, 10 May 2024 00:35:52 +0000 https://localhost:8000/?p=42995 Ao se defender das críticas à proposta de reajuste, a presidente do BB disse não dever explicações sobre o que recebe.

O post Um tapa na cara dos servidores apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
No domingo do último fim de semana (5/5/2024), o portal G1 traz declarações da presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, defendendo-se de críticas à proposta aprovada pelo Conselho de Administração do banco — com o apoio dela — para que houvesse um aumento de 57% de seu salário. O reajuste acabou impedido pelos representantes dos acionistas do banco, que o fixaram em 4,62%. A proposta derrubada elevaria o salário de Tarciana para R$ 117.470 por mês. Um tapa na cara dos servidores.

No entanto, não é só isso. Ao salário da presidente se soma a remuneração por sua participação em conselhos e empresas e nos lucros. “…a presidente do BB recebe mais R$ 125 mil por mês para participar de reuniões mensais dos conselhos da Votorantim (R$ 50 mil), Brasilprev (R$ 35 mil) e Elopar (R$ 40 mil).” Assim, se o novo valor tivesse sido aprovado, Tarciana receberia mensalmente R$ 242.470, na soma de salário e remuneração por sua presença nos conselhos. (Portal UOL – 21/4/2024)

É verdade que o BB não é da administração direta. Mas, e daí? O governo não tem nada a ver com isso? Tem.

Basta ver o Regimento Interno do Conselho de Administração do banco, disponível na internet. Ele tinha endossado a escandalosa proposta de aumento de salário para a presidente e os diretores. De seus oito membros, a maioria é indicada pela União.

Como justificar um aumento assim para grande parte do funcionalismo, que tem os salários arrochados? Não falo dos militares, ou dos servidores do Judiciário, claro. Estes, ao lado de uns poucos privilegiados, são outra história. Mas me refiro à ampla maioria do funcionalismo e a gente como professores e o pessoal da Saúde.

Aliás, isso de pessoal já com altos salários embolsar vultosos valores para participar de conselhos de empresas, depois de indicado pelo governo ou por entes públicos, merece uma discussão. Por que o valor não é restituído aos cofres da União ou da empresa pública que o indicou para o conselho, já que o pagamento advém da participação do beneficiário no cargo?

A sinecura se estende a muitos ministros que, além dos bons salários, abocanham gordas quantias para estarem presentes em reuniões mensais de conselhos de empresas em que o governo tem participação. Deve-se dizer que isso não ocorre só na gestão Lula e já acontecia nas que a antecederam. Mas, aparentemente, há um pacto de silêncio sobre o assunto.

Ao se defender das críticas à proposta de reajuste, a presidente do BB disse não dever explicações sobre o que recebe. Para ela isso diz respeito à sua vida pessoal. Não. Seria assim caso ela recebesse esse salário de uma empresa privada, não de um banco público. E, mais: viu machismo nas críticas.

No último sábado, dia 4 de maio, num evento em São Paulo, intitulado Women on Top 2024, voltado para mulheres que ocupam cargos de liderança na sociedade, afirmou que as críticas ao reajuste que queria receber são motivadas ao fato de ser mulher. Mas a presidente do BB mistura duas coisas.

Numa, tem razão: a defesa de um tratamento salarial equânime para homens e mulheres que desempenhem as mesmas funções — elemento essencial num regime democrático. Ela não deve receber nem mais, nem menos, do que um homem pelo fato de ser mulher.

Mas Tarciana não tem razão na defesa do reajuste que tornaria o seu salário astronômico.

Falando em português claro, o reajuste proposto era verdadeiro tapa na cara dos servidores.

Por fim, vale uma observação: há quem, erradamente, veja udenismo e moralismo nas críticas de parte de quem critica reajustes desse tipo. Mas episódios assim desmoralizam a política.
E a demonização da política só serve aos conservadores, porque fora da política não se muda o país e não se aperfeiçoa a democracia. Por isso, episódios assim devem, sim, ser debatidos.

O post Um tapa na cara dos servidores apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Parlamentarismo, um cavalo de Tróia da direita https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/parlamentarismo-um-cavalo-de-troia-da-direita/ Fri, 10 May 2024 00:27:41 +0000 https://localhost:8000/?p=42992 Se o debate não é levado para a sociedade, os Centrões da vida nadam de braçada e levam vantagem.

O post Parlamentarismo, um cavalo de Tróia da direita apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Em certos países, o parlamentarismo funciona bem. Mas no Brasil, as classes dominantes sempre viram nele uma forma de alijar o povo do processo de escolha do nome de quem vai dirigir o País.

Foi assim em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros. Foi assim em 1963, para evitar que João Goulart governasse. E foi assim em 1993, quando, promulgada a Constituição de 1988, houve um plebiscito a respeito da forma de governo. Sempre que houve alguma consulta, o presidencialismo foi vencedor por larga margem. O povo não aceitou abrir mão do direito de escolher quem vai governar o País. O parlamentarismo sempre foi um cavalo de Tróia da direita.

Hoje ele continua no radar do conservadorismo, mesmo que de forma não explícita. Com consciência de que perderia qualquer consulta popular a respeito, a direita tenta implantá-lo de forma de forma enrustida, aproveitando a sua maioria no Congresso.

No Brasil, os eleitores levam mais a sério a escolha do presidente do que a de deputados e senadores. Se for perguntado a uma pessoa em quem votou na última eleição, a maioria terá na memória o voto para presidente. O mesmo não ocorre nas eleições proporcionais, muito influenciadas por certa despolitização.

Nas eleições para presidente, bem ou mal, há um debate acompanhado por todos, de Norte a Sul. Propostas para os grandes temas nacionais — ou, pelo menos, para alguns deles — chegam a todos, do seringueiro da Amazônia ao peão dos pampas, no Sul.

As aspirações populares se manifestam mais claramente na disputa da Presidência do que nos votos para o Congresso. E, quase sempre, isso se espelha depois na relação entre o chefe do Executivo e os presidentes da Câmara dos Deputados, em geral gente como Arthur Lira ou Eduardo Cunha — representante das oligarquias e do fisiologismo.

Enquanto se refestelam em verbas que engordam contas bancárias particulares e fortalecer projetos de reeleição, boa parte dos deputados não se envergonha de cortar na área social e adubar gigantescas verbas para fundos partidários e eleitorais e emendas ao Orçamento, com as quais partidos e candidatos enchem as burras. Isso, sem falar nas nomeações para cargos no Executivo que dispõem de vultosos recursos.

Dá-se, então, no aparelho de Estado uma disputa em que figuras que têm peso no parlamento chantageiam o governo, ameaçando paralisá-lo. No limite, acenam até mesmo com a possibilidade de impeachment ao presidente, mesmo que não haja base legal. Isso não importa. Basta lembrar a experiência da ex-presidente Dilma Roussef.

Estarão, portanto, os presidentes sob permanente ameaça, encurralados e numa situação sem saída? Depende. Mas isso não é inevitável.

Se o debate não é levado para a sociedade, os Centrões da vida nadam de braçada e levam vantagem. Mas se, paralelamente às negociações, for amplamente divulgado o que eles exigem e as ameaças que fazem, a conversa é diferente. É complicado, por exemplo, para essa turma admitir que quer o dinheiro da Saúde ou da Educação para engordar emendas individuais de interesse de deputados, ou até coisa pior.

Não se trata, claro, de criminalizar toda e qualquer negociação. Mas ter presente que ela não deve se dar apenas entre quatro paredes e lembrar que o Executivo tem outras cartas na manga. Contra a implantação de um parlamentarismo na prática, por fora da Constituição e fazendo dele o cavalo de Tróia da direita, há uma saída: a luz do sol.

A democracia precisa recorrer a ela, mesmo que, por vezes, isso leve a tensões nas relações do Executivo com o Congresso. A política pressupõe a busca de acordos, claro, mas também disputas e conflitos legítimos, sempre dentro das regras do jogo.

O post Parlamentarismo, um cavalo de Tróia da direita apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O jacaré pode ser mais veloz que o cavalo https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/o-jacare-pode-ser-mais-veloz-que-o-cavalo/ Wed, 24 Apr 2024 17:06:10 +0000 https://localhost:8000/?p=42954 Por isso, ser competente na comunicação é, em primeiro lugar, pautar o debate.

O post O jacaré pode ser mais veloz que o cavalo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Certa vez, presenciei uma cena inusitada num debate político. Um dos participantes perguntou, de chofre: “Quem corre mais rápido, o jacaré ou o cavalo?” Diante da surpresa geral, ele próprio respondeu: “Depende. Se a corrida for na água, ganha o jacaré. Se for em terra, ganha o cavalo”. O caso mostra a importância de se pautar o debate e como está a um passo de vencê-lo quem estabelece o terreno da disputa e os termos em que ela se dá. Ao contrário do que se pode pensar num primeiro momento, basta a disputa ser na água que, sim, o jacaré pode ser mais veloz que o cavalo.

Ainda ligado à escolha do terreno da disputa, quem pode ser contrário à austeridade na administração pública, a não ser perdulários? Quem pode ser contrário à irresponsabilidade fiscal, se não irresponsáveis? Por isso a direita e o financismo fazem tanta questão de pautar os termos da discussão.

Mas as coisas são vistas de outra forma quando se é informado que as expressões “austeridade”, “responsabilidade fiscal” e outras do gênero pressupõem arrocho salarial para os servidores, cortes de verbas em áreas como saúde e educação e os juros reais mais altos do mundo. E aí, as coisas mudam.

Seria mesmo irresponsável quem se opõe a medidas como estas?

Por isso, diferentemente do que parece imaginar o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de Lula, Paulo Pimenta, pautar os temas em discussão e os termos usados é fundamental, muito mais importante do que o que ele faz sempre: apresentar peças supostamente engraçadas de Tik Tok, tentando ser moderninho.

Vale lembrar que o presidente do México, Lopez Obrador, fala com a imprensa quase todas as manhãs. O que ele pretende com isso? Ora, influenciar a discussão política naquele dia. Dificilmente os assuntos trazidos por ele não darão a tônica do debate.

Por isso, ser competente na comunicação é, em primeiro lugar, pautar o debate.

No momento em que este artigo é escrito, crescem os rumores de que vão ser extintos os pisos constitucionais da Saúde e da Educação. Ora, são eles que garantem um mínimo de recursos para que esses serviços essenciais para o País se mantenham minimamente. Mas não se escuta uma palavra do presidente Lula, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ou a Secom para estancar a boataria, reafirmando a permanência dos pisos e tranquilizando quem se preocupa com Saúde e Educação.

O simples fato de aparecer como possibilidade a extinção dos pisos — coisa que nem os governos de direita que antecederam Lula tiveram condições de fazer —é negativo para a imagem do governo. Preocupar-se com isso é tratar da comunicação.

Se, de fato, está a caminho a eliminação desses pisos, esta seria mais uma medida da equipe econômica norteada pelos interesses do mercado financeiro. Como muitas outras, deveria ser combatida duramente por quem quer manter serviços públicos essenciais com um mínimo de qualidade.

Neste caso já não seria um problema de comunicação, mas de política pública contrária aos interesses populares mesmo.

No entanto, se a informação não procede e tudo não passa pura e simplesmente de boato ou balão e ensaio, o que custa Lula, Haddad e a Secom esclarecerem as coisas?

Estar alerta para questões assim, mais do que tentar parecer espirituoso com postagens engraçadinhas no Tik Toks, é efetivamente fazer uma comunicação de governo, poupando-lhe desgastes desnecessários.

Até porque, diferentemente do que às vezes se pode pensar à primeira vista a um desavisado, dependendo da forma como as questões forem colocadas, as coisas são diferentes de que aparentam.

E o jacaré pode ser, sim, mais veloz do que o cavalo.

Por isso, um princípio deve estar sempre presente: a política tem que dar o norte para a comunicação. Quem não vê isso, não sabe nada de política, nem de comunicação.

O post O jacaré pode ser mais veloz que o cavalo apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O corporativismo é uma praga https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/o-corporativismo-e-uma-praga/ Mon, 15 Apr 2024 21:24:53 +0000 https://localhost:8000/?p=42935 Como parte significativa dos parlamentares é movida pelo corporativismo e age de acordo com seus interesses específicos, sem espírito público. Isso não ocorre só no Legislativo. Perpassa toda a sociedade.

O post O corporativismo é uma praga apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A votação na Câmara sobre a permanência da prisão do deputado bolsonarista Chiquinho Brazão (União Brasil), acusado de mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol), é reveladora. Mostrou como parte significativa dos parlamentares é movida pelo corporativismo e age de acordo com seus interesses específicos, sem espírito público. Isso não ocorre só no Legislativo. Perpassa toda a sociedade.

No País, o corporativismo é uma praga.

Brazão está preso preventivamente com base numa determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), endossada por uma das turmas do tribunal. Sua prisão se apoia em relatórios da Procuradoria Geral da República (PGR), da Polícia Federal (PF) e da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara. Está longe de ter sido açodada.

No plenário, a decisão de Moraes foi apoiada por 277 votos, tendo recebido 129 votos contrários. Houve, ainda, 28 abstenções, que na prática são favoráveis a Brazão, pois tentam impedir que se alcance o número de votos necessários para manter a prisão. Elas são covardes. São de gente que quer proteger Brazão, mas não ousou mostar a cara. Registre-se que, entre as abstenções, está a do deputado Washington Quaquá, o folclórico vice-presidente do PT. Com seu gesto, ele se somou aos que queriam livrar Brazão, cuja defesa já tinha feito publicamente.

Dada a repercussão, inclusive internacional, do caso Marielle, é espantoso que a votação contra o acusado não tenha sido esmagadora. Até porque ninguém sustentou a sua inocência.
O principal argumento para que Brazão fosse libertado era: “Hoje é com ele, mas amanhã pode ser com qualquer um de nós”, afirmou-se, numa interpretação deformada da imunidade parlamentar. Esta deve proteger parlamentares na prática de atos relacionados ao exercício dos mandatos. Não pode ser salvo-conduto para que cometam crimes alheios a estes últimos.

Registre-se, ainda, que, em matéria de busca da impunidade de crimes graves por conta do corporativismo, não foi só esse episódio o único ocorrido nos últimos dias. Ainda está em andamento o julgamento dos militares que mataram o músico Evaldo dos Santos Rosa, há três anos. Numa tarde de domingo, ele ia com a família para um chá de bebê, em Guadalupe, no Rio, quando seu carro foi atacado por uma patrulha do Exército. Foram disparados 257 tiros. O músico morreu na hora. É quase milagre que as demais pessoas que estavam com ele — a mulher, o sogro, um filho de sete anos e uma amiga da família — tenham escapado vivos.

Já o catador de latinhas Luciano Macedo, que assistiu à cena, não teve a mesma sorte. Tentou socorrer os integrantes do carro de Evaldo e foi, também, morto a tiros de fuzil.

A justificativa dos militares — que alegam legítima defesa — é que eles se confundiram e acharam que, com o músico, estariam bandidos. Mas, isso justificaria 257 tiros? Ou o ocorrido mostra o gigantesco despreparo de pessoas autorizadas pelo Estado a portar armas de guerra?

Em outubro passado, os acusados foram julgados. Oito deles foram condenados, mas estão em liberdade, inclusive os dois oficiais que comandavam a patrulha — sem dúvida os grandes responsáveis pelo crime. Vai ser apreciado, agora, no Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, o recurso impetrado pela defesa. Por incrível que pareça, o relator do processo naquele tribunal, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, propôs a absolvição dos acusados.

O relator pede, também, a qualificação do homicídio do catador de latinhas como culposo. Ou seja, para ele, apesar dos tiros de fuzil no trabalhador, não teria havido a intenção de matá-lo.
Sinceramente, é isso escandaloso.

Diante de tudo, cabem uma afirmação e uma pergunta. A afirmação: a história da Justiça Militar na ditadura militar, encobrindo torturas e assassinatos de presos políticos é vergonhosa. A pregunta: ela vai continuar fazendo esse papel e tendo o corporativismo como marca?

Como se vê, não só no Legislativo, e em votações como a que envolveu Brazão, o corporativismo deixa marcas muito negativas. No Judiciário isso também acontece.

A democracia exige que essa praga seja extirpada onde quer que exista.

O post O corporativismo é uma praga apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A atualidade de Antígona https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/a-atualidade-de-antigona/ Tue, 09 Apr 2024 15:38:38 +0000 https://localhost:8000/?p=42873 Pois agora já não temos mais a censura, nem a ditadura militar, mas o drama narrado em Antígona — o direito inalienável de as pessoas sepultarem os seus — permanece atual.

O post A atualidade de Antígona apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Certas obras atravessam os séculos sem perder a validade. Assim são determinadas peças da Grécia antiga. É o caso, por exemplo, de Antígona, escrita por Sófocles (497 a.C – 406 a.C.). Ela mantém a sua força por tratar, de maneira extremamente sensível, de um elemento permanente da natureza humana: a importância e o direito de as pessoas darem uma sepultura digna a seus entes queridos. Daí a atualidade de Antígona.

A peça conta a história de uma mulher que descumpre as determinações do poderoso rei Creonte, de Tebas, ao insistir em dar um sepultamento normal para seu irmão Polinice, o que tinha sido proibido pelo soberano, que o acusava de traição. Ao não se curvar diante dos poderes despóticos de Creonte, Antígona dava um mau exemplo para a sociedade. Por isso, foi punida.

A encenação da peça nos tempos de ditadura brasileira desagradou os militares. Afinal, a história valorizava a insubmissão diante de ordens do detentor supremo do poder. A peça foi, então, censurada.

Depois de impedir que a história fosse contada no teatro, um dos policiais perguntou pelo seu autor, Sófocles, disposto a levá-lo preso como subversivo. Foi, então, informado de que ele estava morto há quase 2.500 anos. O episódio foi noticiado pelos jornais, que, naquele momento, não estavam sob censura.

Não foi a primeira, nem a única vez, em que os déspotas caíram no ridículo.

Pois agora já não temos mais a censura, nem a ditadura militar, mas o drama narrado em Antígona — o direito inalienável de as pessoas sepultarem os seus — permanece atual. Lamentavelmente, nos dias que cercaram o 60º aniversário do golpe militar, voltou à cena. E com a participação de um governo progressista.

O presidente Lula, com o argumento de que não queria “remoer o passado”, proibiu a participação de integrantes do governo em atos críticos ao golpe de estado ocorrido em 1964, que atropelou a democracia, torturou e matou adversários políticos do regime militar. Aproveitou o ensejo e reafirmou que não aceitaria a reabertura de comissões governamentais que investigam as circunstâncias dos assassinatos e tentam localizar restos mortais de adversários do regime mortos pela ditadura.

Com sua atitude tinha o objetivo de fazer um agrado aos militares.

Pude conviver muito de perto com famílias que, durante décadas, viveram na esperança de que filhos e irmãos, presos na ditadura e dos quais não tenham notícia, reaparecessem. A cada Natal, a cada Ano Novo, a cada aniversário de pai ou mãe, essa expectativa vinha, de novo, à tona.

Muitas dessas famílias se recusavam a mudar de endereço, porque aquele em que viviam era conhecido do parente desaparecido, que supostamente poderia voltar.

Hoje, em grande parte dos casos a maior aspiração dessas pessoas não é a punição dos assassinos e torturadores. Mesmo a esperança de que seus filhos, pais ou irmãos pudessem aparecer vivos, depois de tanto tempo, foi deixando de existir.

Mas um desejo continua muito forte: tal como queria Antígona, na peça escrita há mais de dois mil anos, gostariam de dar-lhes uma sepultura digna.

Tal como a de Antígona, esta é uma aspiração legítima.

O post A atualidade de Antígona apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Combater milícias exige cortar na própria carne https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/combater-milicias-exige-cortar-na-propria-carne/ Mon, 25 Mar 2024 20:49:04 +0000 https://localhost:8000/?p=42768 Quando surgiram, elas diziam combater a criminalidade, inibindo a ação de pequenos criminosos, impedindo o tráfico de drogas e começando a cobrar dos moradores uma taxa de proteção

O post Combater milícias exige cortar na própria carne apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Quando as milícias apareceram no Rio de Janeiro, o perigo foi subestimado por muita gente. Políticos de uma direita mais moderada, como César Maia e Eduardo Paes, as defendiam. Em 2007, às vésperas dos Jogos Pan-Americanos, Cesar Maia as classificava de “autodefesa comunitária”. A bem da verdade tanto ele como Paes mudaram o discurso. Mas houve gente que, desde o início, defendeu o combate às milícias como prioridade na segurança pública, mesmo sabendo das dificuldades. E essas são muitas. Combater milícias exige cortar na própria carne.

Daqueles dias em diante, o problema só ganhou corpo.

Assim como a máfia italiana, no Rio de Janeiro as milícias têm atividades criminosas em vários campos do aparelho de Estado. Formada principalmente por policiais, ex-policiais e bombeiros (que têm licença para portar armas de fogo…), têm acordos espúrios com autoridades nos três poderes da República.

Quando surgiram, elas diziam combater a criminalidade, inibindo a ação de pequenos criminosos, impedindo o tráfico de drogas e começando a cobrar dos moradores uma taxa de proteção. Mas quem não pagasse, sofria retaliações. Só que, expulsos os traficantes, a milícia assumiu o comércio de drogas, pois o mercado consumidor não desapareceu com a saída dos antigos fornecedores. Em muitos casos, foi negociada a volta dos antigos traficantes, que passaram a pagar um imposto aos milicianos.

Com o tempo, estes últimos assumiram o controle de qualquer atividade que envolvesse dinheiro, proibindo a presença de concorrentes. Grilagem de terras e especulação imobiliária, com a construção e venda de imóveis, venda de botijões de gás, fornecimento de água por carros pipa ou transporte alternativo com vans, acesso à internet, entre outras. A morte de Marielle ocorreu porque sua atividade como vereadora incomodou a família Brazão, que grilava terrenos na região de Jacarepaguá.

Milicianos passaram a funcionar também como matadores de aluguel. E se tornaram mão-de-obra especializada para bicheiros que, de tempos em tempos envolvem-se em disputas armadas.
Aos interessados em conhecer com mais detalhes essa relação entre milicianos e bicheiros recomendo a série “Vale o escrito”, disponível no GloboPlay.

O controle territorial e político de um grande número de comunidades adubou a aliança entre milicianos e políticos inescrupulosos em busca de votos. Em geral, a aliança se deu com políticos de direita, mas, para surpresa de muitos, não só desses. Hoje, tal como ocorre com a máfia italiana, a milícia está em vários pontos do aparelho de Estado ou têm influência direta neles. A família Bolsonaro sempre protegeu milicianos, chegando a condecorá-los. Seus filhos tinham como assessores ex-policiais matadores, chefes de milícia.

Os irmãos Brazão foram presos pela PF, juntamente com o ex-chefe de polícia. Mas sempre se soube que eram mafiosos. Um dos irmãos Brazão é deputado federal. Outro foi eleito pela Assembleia Legislativa para o Tribunal de Contas do estado. Um deles lançou o filho, há poucos dias, pré-candidato a vereador, num ato com a presença prefeito do Rio, Eduardo Paes. Uma deputada estadual contra a qual há provas de vínculo com milícias – tinha até um codinome, “madrinha” – está sendo protegida por seus pares na Assembleia Legislativa e não teve o mandato cassado. E por aí vai.

Até recentemente uma deputada federal acusada de ligação com milícias era ministra de Lula. E, mesmo agora, depois que os Brazão estão presos, acusados de mandantes da morte de Marielle, o vice-presidente nacional do PT veio a público defender um deles, pondo em dúvida as conclusões da Polícia Federal, mesmo sem qualquer argumento consistente.

Isso tudo dá a medida da complexidade do problema, caso se queira, de fato, combater as milícias. Tudo pode ser resumido numa frase: combater as milícias exige cortar na própria carne.

Resta saber se os governos, os partidos e as demais instituições do Estado estão dispostos a fazer isso.

O post Combater milícias exige cortar na própria carne apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
O governo Lula não é de reformas https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/o-governo-lula-nao-e-de-reformas/ Mon, 18 Mar 2024 22:47:23 +0000 https://localhost:8000/?p=42702 Compreendo a cautela de pessoas progressistas em fazer críticas desse tipo, temendo desestabilizar ou enfraquecer o governo Lula.

O post O governo Lula não é de reformas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Confesso que me vi em palpos de aranha diante do pedido de um amigo estrangeiro para classificar o governo Lula. Petistas afirmam que ele é de centro-esquerda. Penso que, com boa vontade, pode ser apontado como de centro. Mas, é forçoso reconhecer: muitas vezes, se comporta como de centro-direita. E uma coisa é certa: o governo Lula não é de reformas.

Não vale citar como exemplo para sustentar o contrário o que foi chamado de reforma tributária. As mudanças — aliás, aplaudidas pelos bancos — não chegaram nem perto de sanar injustiças gritantes, que fazem assalariados de classe média pagarem mais imposto do que o grande capital. Elas simplesmente tornaram mais racionais alguns procedimentos. Positivo? Sim. Significativo?

Não.

No governo Lula 3, tal como em gestões anteriores do PT, gente alinhada com os bancos está à frente da economia. E a condução da economia é um critério fundamental para se definir o caráter de um governo. Deixando de lado aspectos relacionados à honestidade pessoal e ficando apenas nas políticas implementadas, há diferenças marcantes entre Antônio Palocci, Joaquim Levy, Fernando Haddad e, até mesmo, exagerando-se um pouco, Paulo Guedes? Penso que não.

É preciso ver a realidade como ela é e não simplesmente aceitar o que um diz de si. Exemplo: recentemente, o governo divulgou numa peça publicitária a imagem de Lula com as duas mãos espalmadas diante do corpo — num gesto às vezes usado, de forma grosseira, para mostrar o tamanho do órgão genital masculino. Abaixo, a legenda falava de um suposto “Pibão” do Lula. Em matéria de mau gosto, a idiotice ficou nivelada à expressão “imbroxável”, usada por Bolsonaro.

Mas não é só isso a ser registrado na peça publicitária do impagável ministro Pimenta. Há uma observação de conteúdo. Como não houve diferença significativa entre a variação do PIB no último ano de Bolsonaro e no primeiro ano de Lula, como falar num suposto “Pibão” do atual presidente?

Num livro saído recentemente pela Editora Ubu — “Alfabeto das colisões” — Vladimir Safatle afirmou que a esquerda brasileira se transformou num amontoado de defensores de pautas identitárias que não se articulam e não vão a lugar algum. É difícil negar que Safatle não tenha razão, embora seja discutível uma conclusão peremptória a que chega: “A esquerda brasileira morreu como esquerda”. A afirmação parece definitiva demais.

Mas Safatle tem razão quando fala que nossa esquerda se assemelha a uma constelação de progressismos vazios, formada por gente que imagina estar combatendo a desigualdade ao falar em “amigas, amigos e amigues”. Francamente…

A candidatura de Lula prestou um enorme serviço ao País ao impedir a reeleição de Bolsonaro, com tudo o que isso acarretaria de nefasto. Outro nome certamente não venceria a disputa. Mas, diz Safatle chama a atenção para um ponto: hoje quem trava a luta política e ideológica, mobilizando a sociedade é a direita. “[é ela que tem] a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica”.

Num quadro internacional que, em aspectos, se assemelha ao da década de 30, no Brasil quem mais cresce é a direita e o cenário não parece promissor para as forças progressistas. Reverter a situação exigiria outro comportamento do governo Lula. Primeiro, que seus ministros se preocupassem menos com interesses próprios, com suas candidaturas para governos estaduais, com boquinhas em conselhos de administração de estatais ou com sinecuras para suas mulheres em tribunais de contas.

Matéria recente do UOL mostra que quase a metade — sim, quase a metade! — dos 38 ministros de Lula ocupa cargos em conselhos de empresas e fundações federais, acumulando vencimentos. A remuneração adicional pode chegar a R$ 36 mil. Será que o salário de ministro é insuficiente?

Uma pesquisa sobre o número de governadores petistas que emplacaram em tribunais de contas estaduais suas mulheres não traria um resultado melhor. Isso tudo não passa imagem de pouca seriedade? Ou será que essa crítica é udenista e coisas assim devem ser vista como naturais? Penso que não. Elas contribuem para desgastar a imagem da política e dos políticos, o que só serve aos conservadores. Afinal, é pela política que as coisas podem mudar.

Compreendo a cautela de pessoas progressistas em fazer críticas desse tipo, temendo desestabilizar ou enfraquecer o governo Lula. Nas atuais circunstâncias, a alternativa imediata a Lula seria de extrema-direita. Mas, como ajudar numa mudança de rumos sem criticar?

Outro fator, fundamental: Lula precisa mostrar firmeza e politizar certos conflitos, levando-os para a sociedade. Negociações a portas fechadas com evangélicos, com o Centrão ou com os militares são espaços apropriados para chantagens. E isso não serve à democracia.

Ou as esquerdas — e isso envolve não só Lula, o PT e o governo, mas vale também para as demais forças progressistas e de esquerda — tratam de mobilizar a sociedade e de levar a luta política para ela, coisa que só a direita tem feito, ou as coisas podem não acabar bem.

Depois não adianta chorar sobre o leite derramado.

O post O governo Lula não é de reformas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Lula age como se o Estado não fosse laico https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/lula-age-como-se-o-estado-nao-fosse-laico/ Sun, 10 Mar 2024 20:06:16 +0000 https://localhost:8000/?p=42630 Levando-se em conta a exagerada cautela do presidente diante dos militares, expressada na sua recomendação para que integrantes do governo não fizessem menção ao golpe de 1964, seria bom que ele tivesse mais coragem política

O post Lula age como se o Estado não fosse laico apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
“Deus me poupou o sentimento do medo”. A frase é de Juscelino Kubitschek. É uma frase de efeito, claro. Mas pode ser interpretada como disposição de coragem política. Se acompanhado de lucidez, é um atributo positivo. E, agora, levando-se em conta a exagerada cautela de Lula diante dos militares, expressada na sua recomendação para que integrantes do governo não fizessem menção ao golpe de 1964, seria bom que ele tivesse mais coragem política. Ajudaria a criar uma cultura democrática. Mas a intimidação de Lula não é apenas em relação aos militares. É também diante do Centrão e das “igrejas de negócios”. Como evita travar a luta política aberta e não leva questões polêmicas para a sociedade, acaba negociando apenas entre quatro paredes. E cede. Mas, como ocorre sempre com quem aceita chantagem, só adia o problema. Logo virá outra exigência. As concessões aos evangélicos se sucedem. Lula age como se o Estado não fosse laico, por definição constitucional.

Os exemplos se sucedem. Há poucos dias foi ampliada a imoral isenção tributária para as igrejas. E isso, com o apoio de Lula e do PT. Pastores milionários compram mansões, helicópteros ou jatinhos e não pagarão impostos sobre isso. Basta que ponham esse patrimônio — assim como outros bens – em nome das igrejas das quais são os donos, e cuja economia se confunde com as deles próprios. Lula age como se o Estado não fosse laico.
Na semana em que este texto está sendo redigido, o Senado apoiou o marco regulatório do Sistema Nacional de Cultura, instrumento de fomento à cultura que precisava ser regulamentado. A senadora Augusta Brito, do PT, relatora da matéria, aceitou emenda de Flávio Bolsonaro para inserir algo que não estava na proposta original: as atividades culturais devem zelar pelos “valores religiosos”. Exigência da bancada de Bíblia. Mas o que tem a ver cultura com “valores religiosos”? E o que são esses valores? Se a iniciativa não fortalecê-los perderá direito ao financiamento?
Ora, um Estado laico deve garantir que cada cidadão seja livre para professar qualquer religião. Mas que, também, seja livre para não ter religião alguma, se preferir assim. Não pode ser prejudicado por isso. Como ficam as coisas, então?
E já que estamos na semana em que se comemorou o Dia da Mulher, não custa lembrar a lei recentemente aprovada que pune assédio contra elas. A lei ganhou uma emenda da bancada de Bíblia, aceita pela relatora do PT: a prática de assédio não será punida se acontecer num estabelecimento religioso. Parece o fim da picada. E é. Ainda mais porque parte expressiva das denúncias de assédio contra mulheres envolvem pastores e ocorrem dentro de templos.
Poderia seguir enumerando exemplos. Mas fico por aqui.
Num momento em que as pesquisas mostram um declínio da aprovação de Lula, é um equívoco considerar que concessões desse tipo vão fazer com que o terreno perdido seja recuperado. É preciso ganhar uma parcela dos evangélicos pela política, como trabalhadores que são. Lula passar a andar com um Bíblia embaixo do braço não vai resolver o problema.
Em comparação com Lula, a direita cresceu porque está mostrando a sua cara, fazendo política e travando a luta ideológica. Enquanto isso, a precaríssima comunicação do governo fala em bobagens de mau gosto e muito pouco percebidas pelo povo como como o tal “Pibão do Lula”. Só falta dizerem que ele também é imbroxável.
De qualquer forma, faço uma proposta de emenda constitucional, sugerindo que ela seja levada ao Congresso por algum deputado ou senador defensor do Estado laico. Sei que ela não terá o apoio da bancada evangélica e, talvez, nem da bancada governista, como se viu nas linhas acima. Mas insisto em que é algo importante para o fortalecimento da democracia e do Estado laico.
Adianto que a proposta que apresento foi retirada da primeira Constituição da República, aprovada no fim do século 19, tendo sido garimpada pelo amigo Gilberto Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC. A sua aprovação, 133 anos depois, seria um gigantesco passo adiante em relação à situação que vivemos. É curioso, mas, às vezes, depois de um recuo é preciso avançar sobre os mesmos passos.
Vamos à proposta. (Na redação mantive a ortografia da época, como se verá)

TITULO PRIMEIRO
Da organização federal
Art. 1º A Nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen representativo, a Republica Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitue-se, por união perpetua e indissoluvel das suas antigas provincias, em Estados Unidos do Brazil.
(…)
Art. 11. E’ vedado aos Estados, como á União:
(…)
2º Estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercicio de cultos religiosos;
(…)
SECÇAO II
DECLARAÇÃO DE DIREITOS
Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes
(…)
§ 3º Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 4º A Republica só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
(…)
§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos.
§ 7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção official, nem terá relações de dependencia, ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados.
(CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL – 1891)

O post Lula age como se o Estado não fosse laico apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Lula pisa em ovos com os militares https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/lula-pisa-em-ovos-com-os-militares/ Sun, 03 Mar 2024 22:48:47 +0000 https://localhost:8000/?p=42609 Às vésperas do 60º aniversário do golpe de 1964, Lula descumpriu a promessa de reabrir a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos

O post Lula pisa em ovos com os militares apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Na semana passada o presidente Lula mostrou, mais uma vez, que pisa em ovos quando entra em pauta um assunto que incomode os militares. Às vésperas do 60º aniversário do golpe de 1964, Lula descumpriu a promessa de reabrir a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. O compromisso tinha sido assumido tanto por ele e pelo ministro de Direitos Humanos, Sílvio Almeida. Este último chegou a informar que o decreto para que a comissão voltasse a funcionar estava pronto, já na mesa do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Mas. Lula pisa em ovos com os militares.
Sílvio e Rui ficaram num jogo de empurra, mas Lula logo entrou em campo. Mostrou que a hesitação não era dos ministros. Era dele mesmo. Numa justificativa canhestra para lavar as mãos, o presidente disse que não estava interessado em “ficar remoendo o passado”. Lembrou que na época do golpe de 1964 tinha 17 anos e que “os generais que estão hoje no poder” eram crianças na época da ditadura. Disse, também, que, na época, passou fome, com a mãe e os irmãos, e não quer ficar lembrando isso. Vamos repetir, Lula pisa em ovos com os militares.
Cabem aqui quatro observações:
Primeiro: a questão não é pessoal. A idade de Lula em 1964 não vem ao caso. Ele hoje ocupa a Presidência. Tem que agir como primeiro mandatário da nação.
Segundo: os generais não estão mais no poder, como afirmou Lula, num ato falho.
Terceiro: ninguém está pensando em punir os generais hoje na ativa pelos crimes de seus antecessores no Exército, como insinuou o presidente.
Quarto: punir golpistas e torturadores não é remoer o passado. Não se constrói a democracia fechando os olhos para o passado e passando a mão na cabeça de criminosos.
Vale a pena lembrar quando a Lei da Anistia foi aprovada, em agosto de 1979, ainda durante a ditadura. A lei votada no Congresso foi a possível naquele momento. Era aquilo, ou nada. Tanto a oposição parlamentar como o movimento popular agiram corretamente ao aceitá-la. Mas isso não impedia que, mais adiante, a questão fosse reaberta e a lei, revista. Afinal, suas aberrações são gigantescas.
Primeiro, deixou de fora perseguidos com condenação pelo que a ditadura chamou de “crimes de sangue” (ações de guerrilha em que tivesse havido mortos ou feridos). Eles só saíram da prisão depois, com a reformulação da Lei de Segurança Nacional, diminuindo as penas, o que beneficiou alguns presos. Mas a discriminação foi descabida. A jurisprudência internacional e a Declaração de Direitos Humanos da ONU reconhecem a legitimidade de revoltas, mesmo armadas, contra regimes de opressão.
Um segundo ponto: os militares usaram um artifício grosseiro para uma autoanistia. O projeto beneficia autores de “crimes conexos” a crimes cometidos pelos perseguidos políticos. Ora, crime conexo é um crime menor. Cometido para tornar possível outro, mais importante. E engloba este último. Assim, por exemplo, o uso de documentos falsos para viabilizar um crime maior é conexo a ele.
Mas a ditadura deu à lei uma redação propositalmente ambígua, tentando não permitir a punição dos agentes da repressão política. Vejamos o que diz a lei.
“Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Assim, o crime de tortura ou de assassinato de presos estaria supostamente relacionado com outros “crimes”, praticados com motivação política.
É um artifício grotesco. Só pode ser aceito de má-fé. Ao torturar ou assassinar presos políticos, os agentes do Estado teriam cometido crimes conexos àqueles cometidos pelos opositores presos. E, por isso, seriam também anistiados. No limite — e esse exemplo funcionou na prática — o torturador que estuprou uma presa teria cometido um crime conexo ao dela. E foi anistiado. O absurdo salta aos olhos.
Um terceiro ponto: a tortura e o assassinato de presos políticos nos porões não teriam sido “crimes de sangue”? Como, então, seus autores foram beneficiados pela anistia?
Quarto: houve centenas de casos de “desaparecidos”, sem que os autores dos crimes tivessem sido identificados e julgados. Esses não poderiam ser “casos em aberto”? Basta ver quantos episódios, inclusive no Primeiro Mundo, envolvendo mulheres mantidas em cativeiro por maníacos. Às vezes durante anos. Como se pode afirmar que os casos de desaparecidos não possam ter sido coisa semelhante? Embora não seja provável, do ponto de vista legal não se pode garantir que sejam casos encerrados. A rigor, mereceriam investigação.
Quinto: nas situações dos desaparecidos e torturados não se pode falar em prescrição dos crimes. Mesmo que muitos anos tenham se passado. O Brasil firmou tratados internacionais que consideram imprescritíveis a tortura e o desaparecimento forçado de opositores políticos. Tais crimes não são passíveis de anistia.
Enfim, como se vê, o quadro é mais complexo do que pintou Lula.
E, por que é importante não fechar os olhos, como ele defendeu?
A responsabilização e o julgamento público dos torturadores — dando-lhes todas as garantias que suas vítimas não tiveram — além de fazer justiça, ajudaria a criar anticorpos na sociedade para que a barbárie não se repita. Afinal, o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Assim, os culpados teriam que ser responsabilizados. Mesmo que, tempos depois, com a página virada, depois de conhecida pela sociedade, pudessem até mesmo ser anistiados.
Por isso tudo, é de se lamentar a posição de Lula.

Mais sobre o Golpe de 1964 veja a série Tempos de Chumbo

O post Lula pisa em ovos com os militares apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Lula merece todo o apoio https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/lula-merece-todo-o-apoio/ Fri, 23 Feb 2024 22:15:35 +0000 https://localhost:8000/?p=42503 Suas declarações ajudaram a isolar Israel, que hoje é o grande vilão da comunidade internacional

O post Lula merece todo o apoio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Uma declaração do presidente Lula criticando o genocídio de Israel contra a população civil em Gaza provocou uma enxurrada de críticas da extrema-direita. Segundo alguns, ao usar a expressão “holocausto”, referindo-se às vítimas do massacre que está em curso, Lula “desrespeitou todos os judeus do mundo”. Lula merece todo o apoio.

Suas declarações ajudaram a isolar Israel, que hoje é o grande vilão da comunidade internacional. Faz uma guerra de extermínio contra outro povo, descumpre todas as resoluções da ONU, anexa territórios alheios pela força, pratica um apartheid e tem que ser vista como um pária internacional.

Indo adiante, sustento que é racismo um determinado agrupamento humano considerar-se um povo eleito por Deus, em detrimento dos demais. E isso é feito apoiado num texto religioso escrito há mais de dois mil anos! Como ficam os demais povos, não contemplados com esse “reconhecimento divino”?

Mas, falemos de “holocausto”, expressão que tanta polêmica tem causado. Assim como os sionistas se apropriaram da expressão “semita”, como se os palestinos também não o fossem, aparentemente fazem o mesmo com a palavra “holocausto”. Por isso, vale a pena nos determos em relação a ela.

“Holocausto” equivale a “shoah”, que em hebraico significa “destruição, ruína ou catástrofe”. A palavra tem sido usada para caracterizar a tentativa de extermínio de judeus pelos nazistas na primeira metade do século 20. Ela teve origem no Velho Testamento e significava o sacrifício de um animal, tendo início quando Abel levou um cordeiro como oferenda a Deus.

Antes do nazismo, “holocausto” já tinha também sido usado para designar massacres. Só a partir da Segunda Guerra Mundial o genocídio dos judeus passou a ser chamado de holocausto. Mas — é bom lembrar — mesmo nos tempos modernos, o extermínio de grupos humanos não começou com os nazistas.

Evidentemente, não tem qualquer sentido desenvolvermos uma comparação entre genocídios. A história da humanidade está recheada de matanças em grande escala. A falta de estatísticas confiáveis impede muitas vezes que se tenham números precisos. Mas se pode ter uma noção de grandeza.

Segundo a Enciclopédia Britânica, por exemplo, a população do Congo diminuiu de 20 ou 30 milhões para oito milhões de pessoas no fim do século 19, em virtude do extermínio promovido pelo rei Leopoldo II da Bélgica.

Entre 1915 e 1918, o Império Turco-Otomano promoveu um genocídio contra os armênios. Estimam-se em um milhão e meio de pessoas assassinadas, inclusive mulheres e crianças.

Em 1994, em Ruanda, cerca de um milhão de pessoas foram assassinadas durante pouco mais de cem dias.

Ainda maior foi a matança dos povos originários das Américas depois da chegada de Colombo. De novo esbarramos na falta de estatísticas confiáveis. Mas a estimativa é que tenham sido mortas 70 milhões de pessoas.

A expressão holocausto poderia ser usada nesses casos, ou em alguns deles? Ou estaríamos diante “apenas” de genocídios? Qual a diferença entre tragédias desses dois tipos?

Quando levanto essas questões não é para subestimar os crimes nazistas contra os judeus. É rigorosamente inaceitável o que ocorreu com eles. Mas também nos demais casos. E nem a matança de judeus, nem matança alguma, pode servir de atenuante para que descendentes das vítimas cometam crimes contra a humanidade.

Um ponto de partida é essencial para qualquer debate sério: a vida de uma criança judia vale tanto quanto a de uma criança da Palestina, da Armênia, do Congo, de Ruanda ou dos povos originários das Américas? Se houver acordo em torno a isso, podemos começar o debate. Caso contrário, não. Eu, pelo menos, me recuso a levar a sério interlocutores que não aceitem essa premissa.

Tampouco aceito que alinhamentos com base em critérios étnicos se sobreponham a uma postura humanista, norteando a defesa de A ou B. Quem quiser fazer isso, que o faça, mas não terá o meu respeito.

Os judeus são um povo que foi perseguido em vários momentos de sua história. São também um povo que já deu grandes contribuições à humanidade. Não merece ter conspurcada a sua história pelo comportamento assassino de Israel.

Por fim, uma última coisa.

Na sua justa denúncia dos crimes de Israel, Lula não pronunciou a palavra “holocausto”, que tanta celeuma causou e que, aparentemente, os sionistas pretendem monopolizar para os crimes de que foram vítimas.

Repito: Lula não pronunciou essa palavra.

Não sejamos desinformados (ou, pior, desonestos) no debate político.

O post Lula merece todo o apoio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Semelhanças entre o xadrez e a política https://canalmynews.com.br/sem-categoria/semelhancas-entre-o-xadrez-e-a-politica/ Sun, 18 Feb 2024 23:54:45 +0000 https://localhost:8000/?p=42436 Uma mexida errada foi feita pelos bolsonaristas na tentativa de golpe de estado malograda, como ficou patente nos últimos dias com a divulgação das provas colhidas pela Polícia Federal

O post Semelhanças entre o xadrez e a política apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Há semelhanças entre o xadrez e a política. Um movimento errado de peças pode fazer com que o jogador perca uma posição protegida e fique vulnerável, sujeito a um contra-ataque. Coisa parecida ocorre na política. Mas, tal como no xadrez, isso não ocorre espontaneamente. Depende da resposta do adversário. Se ele não age, perde a oportunidade.
Uma mexida errada foi feita pelos bolsonaristas na tentativa de golpe de estado malograda, como ficou patente nos últimos dias com a divulgação das provas colhidas pela Polícia Federal. A partir daí, o que parecia impossível aconteceu: pela primeira vez ela bateu à porta de militares golpistas — que até então ficavam impunes, independentemente dos crimes cometidos. A surpresa de alguns milicos foi tamanha que — numa constrangedora demonstração de pusilanimidade — houve quem desmaiasse com a situação.
É mentirosa a afirmação do ministro da Defesa de que o golpe não aconteceu porque o Exército esteve ao lado da democracia. Nunca houve quartelada no Brasil sem apoio claro dos Estados Unidos e das classes dominantes. E, agora, esse apoio não aconteceu. Pelo contrário: ocorreu até advertência explícita do Departamento de Estado norte-americano aos gorilas brasileiros de que uma aventura golpista não seria apoiada.
Mas não faltaram demonstrações do envolvimento de militares — inclusive da ativa — nas movimentações golpistas. Ou alguém nega que o Exército tenha apoiado, política e materialmente, os acampamentos dos chamados “patriotários” em portas de quartéis, pedindo intervenção militar?
Mas, voltando ao que é dito no parágrafo inicial deste artigo sobre as semelhanças entre o xadrez e a política, com o malogro da intentona os golpistas perderam espaço. E, agora, tal como no jogo de xadrez, é preciso que os setores democráticos da sociedade passem para um contra-ataque. Para começar, é necessário que haja um debate aberto que não foi feito quando chegou ao fim a ditadura: afinal, qual deve ser o papel das Forças Armadas num regime democrático?
Isso traz outras questões correlatas.
Qual deve ser a formação dos futuros oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica? Ela deve ser assunto exclusivo dos militares ou, pelo contrário, é algo de interesse da sociedade?
Não será hora de sepultar a ideia de que o papel dos militares é combater inimigos internos, reafirmando que as Forças Armadas devem ter como missão a defesa do País?
E, ainda, o artigo artigo142 da Constituição não deve ser modificado? Mal redigido, imposto pelo general Leônidas Pires Gonçalves quando da elaboração da Constituição, ele tem servido a golpistas para pregar intervenções militares. Diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Ora, na hipótese de divergência de interpretação entre os poderes da República, a quem caberá dirimir a questão? Às Forças Armadas? Ora, isso é tudo o que uma democracia não pode aceitar.
Enfim as questões citadas aqui, e outras tantas, precisam ser enfrentadas. Mudanças legais devem ser feitas. Com um Congresso dominado por figuras de estirpe de Arthur Lira, provavelmente as modificações necessárias na Constituição não serão aprovadas já. Mas — gostem ou não os militares — um dia elas vão ter que entrar na pauta. E o quanto antes, melhor. Mesmo que, por enquanto, isso sirva apenas para que tenha início um debate necessário para a democracia.
O fato é que, tal como no xadrez quando um movimento infeliz deixa em maus lençóis um participante, o oponente deve aproveitar a tentativa malograda. Indo do xadrez para a política, depois da intentona malograda dos golpistas é preciso aproveitar a oportunidade para fortalecer a democracia. Seria um erro não fazer isso.
A bola está com Lula, dada a pusilanimidade e a submissão do ministro da Defesa aos generais que deveria comandar.
Mas, terá o presidente coragem política para pegar esse pião na unha?

O post Semelhanças entre o xadrez e a política apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Chegou o general da banda https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/chegou-o-general-da-banda/ Sat, 10 Feb 2024 00:20:08 +0000 https://localhost:8000/?p=42330 Um ano e um mês depois do famigerado 8 de janeiro, dia em que os adeptos de Bolsonaro tinham tentado um malogrado golpe de estado — vieram à tona várias trapalhadas que os militares de extrema-direita cometeram. Trapalhadas, aliás, mais condizentes com generais da banda do que com militares sérios

O post Chegou o general da banda apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
“Chegou o general da banda / Mourão, mourão / Catuca por baixo que ele cai”. Esses versos, que me vieram à cabeça nos últimos dias com a preciosa colaboração do general Hamilton Mourão, são da música “general da banda” — o grande sucesso do carnaval de 1950.

De autoria de Satyro de Melo, Tancredo de Silva Pinto e José Alcides, a canção teve em Blecaute seu mais conhecido intérprete. Ela caiu tanto no gosto do público, que, a partir daí, o simpático cantor passou a se apresentar sempre fantasiado de “general da banda”, com um arremedo de farda e ornamentado com medalhas e dragonas.

Pois bem, nesta semana — exatamente um ano e um mês depois do famigerado 8 de janeiro, dia em que os adeptos de Bolsonaro tinham tentado um malogrado golpe de estado — vieram à tona várias trapalhadas que os militares de extrema-direita cometeram. Trapalhadas, aliás, mais condizentes com generais da banda do que com militares sérios.

Teve de tudo.

Para começar, um coronel que era o queridinho de Bolsonaro e de generais do seu entorno, depois de preso fez um acordo de delação premiada e entregou todos os elementos para as investigações da Polícia Federal. Essa delação comprometeu dezenas de superiores, a começar pelo antigo presidente, de quem o coronel era ajudante de ordens.

Em seguida veio mais coisa à tona. Além de minutas de decretos que anulariam as eleições e imporiam estado de sítio no país, foram descobertas gravações de reuniões em que se discutia o golpe de estado. Foi, talvez, um caso único na história em que conspiradores documentaram cada passo da conspiração. Piada pronta.

Depois, teve um caso ainda mais constrangedor: um coronel da ativa, ao ver os agentes da PF chegando à sua porta, teve um piripaque, passou mal, desmaiou e precisou receber atendimento médico.

Feliz do país que não depende de militares desse quilate para garantir a sua defesa diante de eventuais inimigos.

Depois disso tudo, impossível não relacionar esses episódios à gozação que Blecaute fez dos militares há mais de 70 anos, com a sua fantasia de “general de banda”.
Mas as coisas não pararam por aí. Talvez querendo levantar o moral das tropas golpistas, que andam meio em baixa, o general Hamilton Mourão, resolveu fazer um discurso ameaçador no Senado, onde ocupa uma cadeira pelo Rio Grande do Sul.

Foi patético.

Como se os militares estivessem acima das leis, Mourão considerou uma afronta que as investigações os atingissem e falou na existência de uma “devassa persecutória”. Não satisfeito, foi além: “Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos, inclusive oficiais generais. Não há o que justifica a omissão da Justiça Militar.”
Pelo visto, Mourão não sabe muito bem o que diz a Constituição e como funciona o Judiciário no Brasil. Pensa que seus colegas de caserna só podem ser julgados pela Justiça Militar, seja qual for o crime cometido.

Chega a ameaçar com a “possibilidade lamentável de um confronto de gravíssimas consequências”, pregando uma sublevação contra as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, acusa quem ousa investigar uma tentativa de golpe de estado em que militares estejam envolvidos de estar fomentando um confronto “com gravíssimas consequências”.

Diante dessas declarações, enquanto o ministro da Defesa, José Múcio, continua num silêncio ensurdecedor, já há parlamentares pedindo a cassação do mandato de Mourão. É compreensível.

Se fosse o caso de dar-lhe um conselho, general, eu diria: No Chile há um dito popular interessante: “Del ridículo no hay vuelta”. Por isso, cuidado. Desse jeito o senhor vai fazer mais e mais gente compará-lo ao “general da banda” do Blecaute. Com todo o respeito a este último.

Chegou o general da banda.

O post Chegou o general da banda apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Democracia pressupõe o debate https://canalmynews.com.br/dialogos/democracia-pressupoe-o-debate/ Fri, 09 Feb 2024 17:53:21 +0000 https://localhost:8000/?p=42323 Cid Benjamin, militante da resistência à ditadura militar e o General Santos Cruz protagonizam o Diálogos cujo tema foi os desafios da segurança pública

O post Democracia pressupõe o debate apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Democracia pressupõe o debate. Sou filho de militar. Na infância cogitei seguir a carreira do meu pai, mas acabei seguindo outro caminho. Fui torturado na ditadura, mas não penso que todos os militares devam ser responsabilizados por esses crimes. Não guardo ressentimentos e aprecio uma frase do Sidarta Gautama, o Buda: “Guardar rancor é como segurar um carvão em brasa para jogá-lo em alguém. Você acaba queimado.”
Já tinha ouvido falar do general Santos Cruz. Quando fui convidado para debater com ele, não tive dúvidas em aceitar. Afinal, a democracia pressupõe o debate com pessoas de opiniões diferentes.
Gostei do debate e penso que experiências assim fazem parte de uma convivência civilizada. Vale a pena assistir.

LIVROS

O General Santos é autor do livro “Democracia em Debate” do selo MyNews em parceria com a Editora portuguesa Almedina. Cid Benjamin acaba de lançar “Fragmentos de um Brasil Contemporâneo” também pela Almedina. Se você é membro do MyNews pode adquirir esses livros com os seus infopoints. Veja aqui  

 

 

O post Democracia pressupõe o debate apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Quintana, Galeano, utopias … e reforma política https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/quintana-galeano-utopias-e-reforma-politica/ Sun, 04 Feb 2024 20:04:55 +0000 https://localhost:8000/?p=42248 Uma reforma política é necessária para por fim à orgia com recursos públicos, mas parece utópica, afinal a proposta teria que ser aprovada pelos mesmos deputados e senadores que se beneficiam com as atuais regras

O post Quintana, Galeano, utopias … e reforma política apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
“Se as coisas são inatingíveis, ora, / Não é motivo para não querê-las / Que tristes os caminhos se não fora / A presença distante das estrelas” (Mário Quintana). Entre as coisas inatingíveis, pelo menos num futuro próximo, estão utopias: uma delas, a aprovação de uma reforma política que aperfeiçoe as instituições e ponha fim à orgia com os recursos públicos. Afinal, para entrar em vigência a proposta teria que ser aprovada pelos mesmos deputados e senadores que se beneficiam com as atuais regras e que, em sua maioria, não são exatamente exemplos de espírito público.
Para começar, reconheçamos que foi um avanço o fim do financiamento de empresas nas campanhas eleitorais. Mas terá isso trazido uma diminuição sensível dos gastos e da influência do poder econômico? Não.
Basta ver o antigo orçamento secreto, exemplo de falta de transparência, que não acabou de todo, ainda que tenha recebido outro nome. Ou examinar a continuação das emendas individuais impositivas, inteiramente questionáveis do ponto de vista ético. Continua-se a se gastar rios de dinheiro público, a cada eleição. Quase sempre atendendo a interesses particulares de parlamentares que disputam a reeleição.
Os recursos do Fundo Eleitoral, destinado às campanhas deste ano — que são apenas municipais — alcançam o absurdo de R$ 4,96 bilhões. E quem decide o montante desse fundo são os beneficiários dos recursos. É a raposa cuidando do galinheiro.
Que o leitor não se assuste, mas vale a pena ver quanto cada partido vai receber este ano para a campanha. São números proporcionais a suas bancadas na Câmara, mas assustadores: PL – R$ 863 milhões; PT – R$ 604 milhões; União Brasil – R$ 717 milhões; PSD – R$ 427 milhões; PMDB – R$ 410 milhões; PP – R$ 406 milhões; Republicanos – R$ 331 milhões; Podemos – R$ 249 milhões; PDT – R$ 171 milhões; PSDB – R$ 156 milhões; PSOL – 127 milhões; Solidariedade – R$ 70 milhões; PRD – R$ 84 milhões, Avante – R$ 74 milhões; Cidadania – R$ 64 milhões.
É possível alguém sustentar publicamente o pagamento desses valores? Não por acaso eles não são amplamente publicizados pelos partidos ou pelos presidentes da Câmara e do Senado. Não chegam a ser segredo de Estado, mas são tratados da forma o mais discreta possível. E que não se venha com o argumento canhestro de que este é o preço da democracia. Não é. Democracia não implica farra com recursos públicos.
Vale a pena, então, pensar numa proposta utópica. Por que não se caminhar para um modelo em que a liberdade de organização partidária conviva com a extinção gradual, ou pelo menos com uma expressiva redução, dos fundos partidário e eleitoral?
O sistema político poderia ter no horizonte uma situação em que o financiamento das atividades dos partidos e de suas campanhas eleitorais se desse essencialmente por meio de doações de seus filiados e simpatizantes. E isso, claro, respeitado um teto para cada doação, que seria devidamente declarada à Receita. Um mecanismo assim evitaria que milionários alavancassem determinadas legendas e ampliaria o número de financiadores e de participação da população. A democracia e os partidos seriam fortalecidos, o que contribuiria para sanear nosso sistema político.
É até razoável que a transição para uma situação assim fosse feita de forma gradual. Mas teríamos um rumo, um objetivo, um ponto de chegada.
Do jeito em que são as coisas, criar partido, ou assumir a direção de algum já existente, pode se transformar numa lucrativa iniciativa, mais ou menos como é criar uma dessas igrejas de negócios, de pastores picaretas que têm atividade econômica e não pagam impostos. E, como disse o grande Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai: “Quem no capitalismo quiser ganhar dinheiro, que ganhe, é do jogo, mas longe da política”.
E já que falamos na utopia e na necessidade de tê-la sempre presente nos nossos passos, tanto na vida, como na política, encerro este artigo com a reflexão de outro uruguaio que admiro: o escritor Eduardo Galeano. Respondendo a uma pergunta a respeito do que servia a utopia, ele disse:
“A utopia está lá no horizonte / Me aproximo dois passos / Ela se afasta dois passos / Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos / Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei / Para que serve a utopia? / Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

O post Quintana, Galeano, utopias … e reforma política apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Multiplicar as armas é dar tiro no pé https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/multiplicar-as-armas-e-dar-tiro-no-pe/ Mon, 29 Jan 2024 00:52:28 +0000 https://localhost:8000/?p=42198 É preciso seguir batendo nessa tecla: armar a população não ajuda a diminuir a violência urbana

O post Multiplicar as armas é dar tiro no pé apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Um sério equívoco precisa ser combatido: ao contrário do que afirmam bolsonaristas, milicianos e afins, mais armas por aí na sociedade não trazem mais segurança. Ao contrário. Multiplicar as armas é dar um tiro no pé. E muitas vezes elas acabam nas mãos de bandidos.

Vale um exemplo: no início da década de 1990, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, um certo capitão do Exército foi rendido por dois adolescentes armados, que o obrigaram a entregar a moto e a pistola. Docilmente, ele preferiu não reagir. Foi sensato.

Mas, por que voltar a esse assunto agora, mais de 20 anos depois do episódio? Porque é preciso seguir batendo nessa tecla: armar a população não ajuda a diminuir a violência urbana. Para começar, se as pessoas tiverem armas ao alcance das mãos, qualquer acidente de trânsito, caso fútil de ciúmes ou problema entre vizinhos pode levar à morte de um envolvido. E o fato de os envolvidos terem preparo militar não é garantia de coisa alguma.

Basta ver o exemplo do prudente capitão lembrado acima, que preferiu não contrariar os dois bandidinhos para não pôr a vida em risco. E não pode ser criticado por isso.

Pois bem, na semana passada, por meio de uma portaria do Comando do Exército, o governo abriu as portas para um significativo aumento da quantidade de armas em circulação. Cada policial militar (e eles são mais de 406 mil em todo o Brasil) poderá comprar até mais seis armas de fogo para uso particular, além das que já tenha em casa, que serão automaticamente legalizadas. As armas poderão ser compradas no atacado, no varejo e até no exterior. Mais grave ainda: cinco dessas armas podem ser fuzis, que são armas de guerra.

Ora, para que alguém vai ter todo esse arsenal em casa? Que controle haverá sobre ele, garantindo que não caia em mãos erradas? E os compradores não correm o risco de ficar sem munição. A portaria estabelece que poderão a cada ano adquirir até 600 balas por arma.

Para que se veja a gravidade da medida, basta lembrar que a letalidade de um fuzil de calibre 7.62 (o mais comum) alcança até 2.500 metros. É uma piada achar que uma arma dessas vai ser usada para defesa pessoal ou para a proteção de alguma residência.

Vale lembrar as consequências de um tiro de fuzil. Um dos diretores de um hospital da Rede D’Or São Luiz, o cirurgião toráxico Rodrigo Gavina, lembrou em reportagem publicada no jornal “O Globo” (26/6/2023) que nove entre dez vítimas de um disparo morrem no local. E 90% dos que sobrevivem é porque foram atingidos apenas num braço ou numa perna, e não no tronco. Mas, “como são lesões ósseas e nervosas importantes, muitas vezes o membro é esfacelado(…). Aí, a única solução para manter a pessoa viva é (…) a amputação”, disse ele.

A portaria do Exército estende a autorização para as compras a funcionários da Agência Brasileira de Informações (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). E — pasmem! — a estende também a bombeiros, que no País são 55 mil. Aqui, vale um registro: por incrível que pareça, no Brasil bombeiros têm porte de armas de fogo. Não me perguntem a razão disso, pois não vão combater incêndios com tiros.

A verdadeira explicação é outra: tendo porte de armas, bombeiros conseguem mais facilmente colocação como seguranças privados, um emprego que, no caso deles, é ilegal. E, por trás disso há coisa pior: um número expresso de bombeiros está vinculado às milícias.

Que essa portaria fosse assinada no governo Bolsonaro, se poderia compreender. Afinal o capitão defende armamento generalizado da população, mesmo que isso traga o risco de perder a arma para qualquer ladrãozinho pé-de-chinelo, como aconteceu com ele próprio.

 

Mas como justificar a medida no governo Lula?

 

Ora, sabe-se que alguns militares de alto coturno têm relações estreitas com fábricas de armas, tanto nacionais, como estrangeiras, e alguns são seus lobistas. Será que a portaria se deve a isso? Não é de se afastar a hipótese.

 

É verdade que o ministro da Defesa, Múcio Monteiro, mais do que integrante de um governo civil à frente das Forças Armadas, é preposto dos militares. Mas ouso pensar que, até mesmo, generais sensatos são refratários à medida estabelecida pela portaria, tão absurda ela é.

 

Por isso, o título deste artigo não exagera ao afirmar: multiplicar as armas é dar um tiro no pé.

 

O governo Lula está devendo uma explicação para a portaria. E não vale se esconder atrás dos militares. Afinal, eles são — ou deveriam ser — subordinados ao presidente da República.

 


Atualização 29/01/24: Em seguida à publicação do artigo acima, o Exército decidiu suspender a portaria que autorizava que policiais militares e bombeiros tivessem até cinco fuzis para uso particular, “para permitir tratativas junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Melhor assim…

O post Multiplicar as armas é dar tiro no pé apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Os conselhos da avó Silvana e o dilema de Lula https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/os-conselhos-da-avo-silvana-e-o-dilema-de-lula/ Wed, 24 Jan 2024 00:13:15 +0000 https://localhost:8000/?p=42135 “Quem muito se agacha acaba mostrando o fiofó”. Vale a advertência para as relações do presidente Lula com o Congresso

O post Os conselhos da avó Silvana e o dilema de Lula apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Minha falecida avó materna Silvana era de poucos estudos. Nunca soube que tivesse lido algum livro. Mas ela tinha aquela sabedoria popular que, muitas vezes, se mostra extremamente útil na vida das pessoas. E a velha Silvana gostava de lembrar ditados populares. Um dos que repetia, sempre que alguém cedia sempre, diante dos impasses que a vida frequentemente nos apresenta, era: “Quem muito se agacha acaba mostrando o fiofó”. Por isso vamos falar aqui os conselhos da avó Silvana e o dilema de Lula.
Fazendo um corte para a situação vivida por Lula na Presidência, me lembro da avó Silvana.
Ele é presidente da República num sistema presidencialista, mas num arcabouço legislativo em boa medida moldado para o parlamentarismo. Dá poderes exagerados ao Congresso, manietando o Executivo. Isso torna evidente a necessidade de uma reforma política. Mas as mudanças necessárias para que a casa seja reformada e que poderes indevidos sejam retirados do parlamento, dependem … do próprio parlamento. Ele, por sua vez, não vai legislar contra seus próprios interesses.
Ou alguém imagina que Rodrigo Pacheco e, ainda mais, Artur Lira vão pôr a conveniência pública acima de seus interesses particulares? E que vão ajudar a acabar com a farra que atende aos interesses quase exclusivo de deputados e senadores? Ou que aceitarão, de bom grado, pôr fim às emendas secretas (que continuam a existir, só que com outro nome) ou rever fundos partidários e eleitorais verdadeiramente obscenos, num país tão necessitado de recursos nas áreas sociais?
É mais do que nunca atual a conhecida frase de Ulysses Guimarães, proferida quando alguém reclamou da qualidade do Congresso existente — “Está achando ruim? Espera só o próximo!”.
Hoje o Congresso não é sequer conservador. É reacionário. E a grande maioria de seus integrantes pensa, antes de mais nada, nos seus interesses particulares. Não é exagero dizer-se que seus integrantes com espírito público são uma ínfima minoria.
Assim, o País assiste a um permanente emparedamento de Lula pelo parlamento.
Diante disso, o presidente está permanentemente às voltas com a chamada “governabilidade” — palavra que antes não existia no vocabulário político e que hoje não sai dos jornais. Há duas formas para buscar a tal “governabilidade”: (1) negociar, aceitando certas exigências do parlamento ou (2) levar as divergências para a opinião pública, inclusive usando mecanismos constitucionais de que dispõe, como requisição de cadeia de rádio e TV e, no limite, uma ou outra vez, chamar referendos populares, que, certamente seriam denunciados como populismo pela grande imprensa.
É evidente que, o bom senso recomendaria, em alguns casos, fazer concessões. Mas o compromisso com um programa de reformas — como prometido no programa de campanha e necessário para não praticar um estelionato eleitoral — não recomendaria também, vez por outra, tensionar as coisas, levando a polêmica para a sociedade?
Não permitir que as negociações se esgotem sempre entre as quatro paredes, levando-as para a sociedade, não deixaria Lula em melhores condições para a queda de braço com Lira e afins?
Os conselhos da avó Silvana e o dilema de Lula então são muito atuais. Com certeza, se consultada, minha velha avó Silvana diria que sim.

O post Os conselhos da avó Silvana e o dilema de Lula apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Violência urbana: decifra-me ou te devoro https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/violencia-urbana-decifra-me-ou-te-devoro/ Fri, 12 Jan 2024 17:03:42 +0000 https://localhost:8000/?p=41937 Relatório do ano passado, publicado pela Human Rights Watch em parceria com a ONG Cristosal, afirma que de 58 mil detidos em oito meses, pelo menos 1.600 são crianças e adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos. São dados de El Salvador, onde o governo de extrema direita tem 90% de aprovação

O post Violência urbana: decifra-me ou te devoro apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Durante a ditadura militar argentina, um personagem do cartunista Quino (1932-2020) fez grande sucesso e até hoje é apreciado: Mafalda.
Inteligente e questionadora, a cada dia ela dava lições a todos sobre temas do dia a dia, apesar de ter apenas seis anos. As tiras em que eram publicadas pareciam trazer historinhas para crianças, mas apresentavam lições para os adultos.

Mafalda foi um sucesso mundial, tendo sido traduzida para mais de 30 países.

Num episódio, Manolito, um amiguinho de Mafalda filho de imigrantes galegos, lhe perguntou, reproduzindo a mediocridade de um certo senso comum:

“Por que no matamos las personas malas? Asi quedaríamos solamente las buenas.”

Mafalda respondeu, de bate-pronto:

“No, Manolito. Asi quedaríamos solamente los asesinos…”

Essa tirinha me veio à cabeça diante da onda de violência que assola cidades latino-americanas e das formas de enfrentá-la, como está acontecendo mais recentemente no Equador, quando notícias de rebeliões em presídios e a ocupação de uma emissora de TV por grupos de bandidos impressionaram o mundo.

Esse quadro faz com que supostas soluções, como a apresentada por Manolito a Mafalda, ganhem mais adeptos. Isso ocorre particularmente em El Salvador, onde está em curso a principal experiência de aplicação dessas propostas, sob a batuta do presidente da República, Nayib Bukele.

Matérias publicadas pelo jornal “O Globo”, citando relatórios de organizações independentes, informam que, neste último país, a autodenominada “guerra contra as gangues” prendeu cerca de 70 mil supostos bandidos sem ordem judicial ou sem flagrante desde que foi adotada, em março do ano passado — o que significa cerca de 1% da população do país. Muitos deles foram depois mortos na prisão, onde a tortura passou a ser coisa corriqueira. Leis de exceção foram renovadas por iniciativa do Poder Executivo 15 vezes consecutivas.

Relatório do ano passado, publicado pela Human Rights Watch em parceria com a ONG Cristosal, afirma que de 58 mil detidos em oito meses, pelo menos 1.600 são crianças e adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos. O próprio presidente Bukele fez questão de divulgar um vídeo mostrando as duras condições de confinamento dos presos. Foi um gesto pensado, para mostrar o rigor com que está tratando o problema. Nas imagens, os detentos aparecem amontoados em celas.

Em muitos casos, “as detenções parecem ser baseadas na aparência e origem social dos detidos”, afirma um relatório conjunto publicado nesta quarta-feira pela Human Rights Watch (HRW) e a ONG salvadorenha Cristosal, o que, para nós, brasileiros, não é novidade, basta ver o que propõem o governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes sobre a frequências às praias cariocas. O documento de 89 páginas relata violações de direitos humanos, como detenções arbitrárias em massa e tortura. O próprio presidente salvadorenho divulga pessoalmente os resultados dessa guerra. Segundo a imprensa, exige que os policiais prendam um número mínimo de pessoas diariamente, o que levou à cadeia muitas pessoas sem ligação com qualquer quadrilha.

As cifras são impressionantes: nos oito meses do estado de emergência decretado por Bukele, a população carcerária quase triplicou: passou de 39 mil, em março, para cerca de 95 mil em novembro, mais de três vezes a capacidade oficial, afirma o documento conjunto. Agora, uma informação também muito preocupante: os índices de aprovação dessa política ultrapassaram 80%. A última pesquisa realizada pela Unidade de Pesquisa da Universidade Francisco Gaviria mostrou que 71% das pessoas acham que o país está no caminho certo, 72% estão satisfeitos com o presidente, e 81% apontam que “com Bukele estamos melhor”.

É bom que, no Brasil, defensores da democracia e dos direitos humanos abram os olhos. A violência urbana é, ao lado das desigualdades sociais, o principal problema do País. A população tem razão ao desejar segurança pública. Ela é um direito básico que — lado de saúde e educação e outros mais — tem que ser garantido pelos que governam.

É bom, portanto, que seja dada à questão a atenção devida. E que se busquem caminhos para garanti-las de forma democrática e civilizada. Já aparecem candidatos a Bukele também no Equador. Mais um pouco eles vicejarão por aqui também, indo além das toscas caricaturas bolsonaristas desse personagem. E podem perfeitamente ter apoio popular. Mão de obra para esse trabalho sujo já existe, de sobra.

Nós temos mais de 400 mil policiais militares, número superior ao efetivo das Forças Armadas, uma gente cada vez mais acostumada a espancar, extorquir, violentar e matar pobres de Norte a Sul do País. Em boa medida fora de qualquer controle dos governadores que não aceitem rezar por essa cartilha, eles já são um baita problema para a consolidação da democracia e de uma convivência civilizada na sociedade.

É bom abrir o olho. O enigma de que a mitologia grega falava com a Esfinge de Tebas — monstro que devorava os viajantes que não os decifrasse e que dá título a este artigo — está posto. Em torno da segurança pública. Esse debate tem que ser transformado numa das prioridades nacionais.

Que o próximo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, esteja atento para isso.

O post Violência urbana: decifra-me ou te devoro apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Não é não, mas, quem sabe, talvez… Se envolver igrejas https://canalmynews.com.br/colunistas/cid-benjamin/nao-e-nao-mas-quem-sabe-talvez-se-envolver-igrejas/ Sat, 30 Dec 2023 13:25:38 +0000 https://localhost:8000/?p=41864 O presidente Lula sancionou um projeto com um conjunto de medidas para a prevenção e o combate à violência contra a mulher.
O protocolo recebeu o nome de “Não é não”, expressão para deixar claro que a mulher sempre tem a última palavra quando é abordada por um homem.
Mas o parágrafo do Artigo 2 diz:
“O disposto nesta Lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa.”

O post Não é não, mas, quem sabe, talvez… Se envolver igrejas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
A frase que entra no título deste artigo — “Não é não, mas, quem sabe, talvez” — foi inspirada num lema adotada pelas feministas e, adaptada, acabou sugerida por um amigo gozador para um desses cartazes que pululam em blocos de carnaval do Rio de Janeiro. Antes que alguém pense mal do meu amigo, devo dizer que ele é um profundo respeitador das mulheres e, com a frase, estava apenas provocando uma combativa feminista, também amiga.
As diferentes formas de assédio e violência, física, moral, sexual ou patrimonial às mulheres são um problema grave no Brasil. E crescem a cada dia, a despeito de iniciativas dos mais diferentes tipos para coibi-las.
Esta semana o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou um projeto com um conjunto de medidas para a prevenção e o combate à violência contra a mulher. É uma iniciativa positiva e necessária.
O protocolo recebeu o nome de “Não é não”, expressão adotada para deixar claro aos assediadores que a mulher sempre tem a última palavra quando é abordada por um homem. “A proposta envolve setor privado e setor público, criando uma cultura de prevenção à violência para que toda mulher, de qualquer idade, possa frequentar um lugar sabendo que todas as pessoas lhe devem respeito acima de tudo”, diz a autora do projeto, deputada Maria do Rosário (PT-RS).

A aplicação das regras ocorrerá em casas noturnas, boates, espetáculos musicais em locais fechados, shows com venda de bebida alcoólica e competições esportivas. Elas impõem uma série de responsabilidades a esses estabelecimentos.
Tudo muito bem, tudo muito bom, mas resta uma pergunta.
Ela é sobre o Parágrafo do Artigo 2. Diz ele:
“O disposto nesta Lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa.”
É isso mesmo. O leitor não se enganou. Em igrejas ou templos — locais recordistas em casos de assédio contra mulheres — a lei não se aplica. Em seus locais de atuação, padres e pastores, frequentemente acusados de assédio contra mulheres, poderão assediar fiéis sem correr o risco de serem enquadrados na lei. Como justificar isso?
Francamente, é escandaloso.
O fato é que temos um Estado laico, “ma non tropo”.
Instituições religiosas têm concessões de rádio e de TV e as usam em sua pregação, o que deveria ser proibido.
Além disso, não pagam qualquer tipo de imposto, sem explicação razoável para isso.
Pastores não pagam imposto sobre a sua renda e nem sobre suas propriedades. Seus imóveis ou carros são registrados como se fossem de igrejas. Não pagam IPTU ou IPVA.
Agora, terão esse outro privilégio.
Igrejas e templos religiosos serão territórios liberados para crimes de assédio contra mulheres.
Tudo para agradar as igrejas evangélicas.
Aonde vamos?

O post Não é não, mas, quem sabe, talvez… Se envolver igrejas apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
Apartheid e hipocrisia no Rio https://canalmynews.com.br/cidades/apartheid-e-hipocrisia-no-rio/ Sun, 17 Dec 2023 19:11:32 +0000 https://localhost:8000/?p=41804 Governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes protestaram contra a decisão da juíza que proibiu detenção de adolescentes se flagrante

O post Apartheid e hipocrisia no Rio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>
É verdade que, nos últimos tempos, o mundo parece estar ficando de ponta cabeça. E no Rio de Janeiro, as coisas ficam também cada vez mais estranhas. Há o ensaio de um verdadeiro apartheid, em meio a um festival de hipocrisia, no qual despontam o governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes.

No Oriente Médio, Israel imita métodos dos nazistas numa prática genocida de extermínio dos palestinos, transformando Gaza numa nova Guernica. E diz que chacina de crianças e bombardeio de hospitais são autodefesa…

Mais perto de nós, a Argentina, que tem um povo politizado e admirável, elege um presidente que promete se consultar por telepatia com seu cachorro morto, para buscar orientações no comando do país.

É de lascar. Mesmo para nós, brasileiros, que estamos vindo de quatro anos de um mandato de Bolsonaro e seus amigos milicianos…

Enquanto isso, o Rio começa a conhecer dias dignos da África do Sul do apartheid, onde os negros não tinham direitos de cidadania e sequer podiam frequentar as mesmas praias dos brancos.

Diante de ações da polícia, que, nos dias 25 e 26 de novembro, retirou de ônibus 47 adolescentes que se dirigiam a praias da Zona Sul, conduzindo-os a delegacias, a juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância, agiu de forma correta. Proibiu detenção de adolescentes sem flagrante delito e sem acusação específica. Afinal, não pesava nada contra os jovens alvos da ação policial, salvo, talvez, o fato de serem pobres e, em sua maioria, negros.

A doutora não fez mais do que garantir o direito constitucional de ir e vir dessas pessoas. Algo elementar.

Incrivelmente, porém, tanto o governador Cláudio Castro, como o prefeito Eduardo Paes, protestaram contra a decisão da juíza. Defenderam a discriminação.

O primeiro é um bolsonarista convicto, com pouco mais de duas moléculas de cérebro. Mas o segundo é integrante da “direita que toma banho”, para usar uma expressão cara aos franceses. Os dois usaram argumentos parecidos: a decisão tinha o objetivo de prevenir delitos. Como se pobres fossem, por antecipação, criminosos…

Paes disse: “Se eles (os jovens) estiverem acompanhados dos pais e com documentos, não serão incomodados”. Castro vai na mesma linha: “Quem quiser ir à praia, leve seu documento e vá com seu responsável”.
Maior hipocrisia, impossível.

Os filhos das duas autoridades e seus amigos adolescentes cumprem esses requisitos? Estão sempre acompanhados dos pais e levam documentos de identidade quando vão à praia? As exigências se aplicam a eles?

Qual o critério para a seleção dos jovens que serão recolhidos? A cor da pele?

É preciso que a parcela sadia da sociedade proteste contra essa discriminação inaceitável.

O Rio não pode ser palco de um apartheid.

Com a palavra o Ministério Público e as instâncias do Judiciário.

O post Apartheid e hipocrisia no Rio apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

]]>