Fachada do STF | Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Judiciário
Felipe Recondo conversa com a professora Marjorie Marona (UNIRIO) sobre como o poder da presidência do STF evoluiu ao longo das décadas.
A Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) é frequentemente vista como um cargo de imenso poder político, capaz de moldar o tribunal e mediar crises institucionais. Embora o cargo tenha, de fato, evoluído de uma posição quase cerimonial para uma liderança política institucional e estratégica, especialmente após 1988, essa aposta de “poder total” é relativizada por um conjunto complexo de fatores. Ser presidente do STF hoje não implica em assumir “superpoderes”. A ascensão da judicialização das eleições e o aumento da visibilidade trouxeram algum poder agregado à presidência, mas o cargo confronta-se com limites importantes que, em alguns aspectos, têm se ampliado. Nesta análise exclusiva, Felipe Recondo conversa com a professora Marjorie Marona (UNIRIO) sobre como o poder da presidência do STF evoluiu ao longo das décadas (veja vídeo).
O ponto de inflexão histórica para o ganho de peso político ocorreu com a Constituição de 1988, que mudou drasticamente a posição institucional do STF. Antes de 1988, o cargo era burocrático, o presidente nem sequer votava (salvo em empates) e o STF não possuía orçamento próprio, dependendo do Executivo para garantir recursos. Após 1988, o presidente passou a controlar a pauta de julgamentos e a representar o tribunal perante outros poderes. O maior poder adicional, contudo, veio com a Emenda 45 em 2004 e a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O CNJ, que supervisiona todo o Poder Judiciário, é considerado um “instrumento estratégico fundamental” e a “joia da coroa” do presidente, pois redefine a relação do Supremo com o sistema de justiça e permite posicionar aliados em cargos estratégicos.
A principal restrição ao poder presidencial é, contudo, de natureza interna: o Supremo é uma corte colegiada formada por 11 ministros com grande autonomia individual. Essa discricionariedade dos ministros impacta a capacidade do presidente de atuar e impõe dilemas. A dificuldade do presidente em articular consensos ou impor decisões contra resistências é uma expressão dessa fragmentação interna muito grande na Corte. Além disso, o poder da presidência depende da disposição pessoal do ministro em exercer essa liderança política e institucional. Enquanto alguns perfis buscam ser o porta-voz do tribunal, outros pares podem não deixar de ocupar esse mesmo espaço, esvaziando a voz do presidente.
O poder de condução processual e de agenda também sofreu um processo de esvaziamento recente devido a mudanças institucionais. Uma dessas mudanças é o Plenário Virtual, que mitigou profundamente o poder do presidente sobre a agenda. Enquanto no passado o presidente, a partir de Nelson Jobim, passou a controlar a pauta de julgamentos, com o Plenário Virtual, os ministros deixaram de precisar “entrar na fila do presidente”. Consequentemente, o presidente hoje só controla a pauta do plenário físico, que se tornou “irrisória em termos de quantidade de processos”. Paralelamente, em casos de grande publicidade e relevância política, os ministros relatores assumem o protagonismo, atuando “quase como se fosse um presidente daquele caso” e negociando inclusive com a política por conta da relatoria, o que rivaliza e esvazia o poder da presidência.
O fenômeno da midiatização ampliou essa fragmentação. Embora a TV Justiça (2002) tenha sido criada para ser o canal institucional de comunicação, o resultado foi a hiperexposição individualizada nas redes sociais por parte dos ministros. Essa dinâmica multiplicou a imagem do Supremo “pelo menos em 11”, trazendo problemas para quem tenta assumir a liderança. Se, nas décadas de 70 e 80, quem falava pelo tribunal era o presidente e “ponto final”, hoje “fala o presidente, mas fala quase todo mundo”, diluindo o poder do porta-voz oficial. Em negociações políticas, a fala do Presidente é, por vezes, “completamente abafada pela fala de um outro colega seu que tem uma inserção na mídia ou nas redes que seja mais consistente”.
Por fim, o perfil dos ministros politiza e descentraliza o poder. As indicações recentes têm valorizado ministros com perfis mais politizados e com ampla capacidade de negociar com o Executivo e o Legislativo. Essa capacidade de negociação individual com o Senado ou o Governo não está mais associada exclusivamente à função presidencial. Esse protagonismo individual induzido pelo perfil mais político dos ministros rivaliza diretamente com o Presidente, pois, em muitos casos, ele “nem sequer é chamado” para mesas de negociações de questões políticas fundamentais. Assim, a liderança do Presidente do STF é constantemente desafiada, e o exercício de seu poder depende de quão “protagonista” ele deseja ser e da cooperação (ou não) dos seus pares.