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Alemanha e França reconhecem participação em genocídios na África

A ordem social nasce escorrendo sangue por todos os poros, da cabeça aos pés. Esse diagnóstico, contudo, pode demorar para chegar. A Alemanha reconheceu em maio de 2021 sua responsabilidade no genocídio de populações locais do que hoje é a Namíbia na primeira década do século XX. Já a França afirmou, também em maio de […]

por Thales Schmidt em 13/06/21 10:05

A ordem social nasce escorrendo sangue por todos os poros, da cabeça aos pés. Esse diagnóstico, contudo, pode demorar para chegar. A Alemanha reconheceu em maio de 2021 sua responsabilidade no genocídio de populações locais do que hoje é a Namíbia na primeira década do século XX. Já a França afirmou, também em maio de 2021, que ficou ao lado “regime genocida” de Ruanda e tem sua parcela de responsabilidade no genocídio tutsi ocorrido no país entre 1994 e 1995, episódio que deixou cerca de 800 mil mortos.

Historiadores ouvidos pelo MyNews afirmam que os dois eventos demonstram como os europeus resistem em reconhecer sua participação em crimes do período colonial que fundam a atual ordem socioeconômica.

Naiara Krachenski, professora da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), ressalta que os crimes coloniais são uma espécie de “pedra no sapato” dos países europeus, que experimentam uma tensão entre duas correntes em suas sociedades: enquanto alguns grupos alinhados com partidos de extrema-direita ainda acreditam que o colonialismo foi um “episódio glorioso”, existe outra parcela da população, influenciada por “teorias pós-coloniais ou decoloniais”, que reconhece os crimes do período.

“Temos que compreender que tais declarações são resultado de forças sociais que pressionam há décadas os governos europeus a reconhecer seu passado colonial. Por uma série de forças contextuais, essas pressões se tornam cada vez mais midiáticas hoje em dia e colocam quem está no poder em situações de rever os discursos acerca de seus passados como colonizadores”, diz Krachenski.

O professor do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPE) Fernando Pureza destaca que o genocídio dos grupos hereros e nama na atual Namíbia pode ser classificado como uma espécie de antessala da máquina de matar do nazismo. Ele cita o caso do governador geral do Sudoeste Africano, Heinrich Göring, pai do ministro da aviação do III Reich, Hermann Göring. Foi Heinrich quem determinou ao comandante militar Lothar von Trotha o início da matança, que também fez uso de campos de concentração. Lothar von Trotha, por sua vez, era uma figurada adorada pelo Partido Nazista, que batizou uma rua em Munique com seu nome.

População herero presa em correntes em 1904. Foto: Ullstein Bilderdienst, Berlin/Domínio Público
População herero presa em correntes em 1904. Foto: Ullstein Bilderdienst, Berlin/Domínio Público

“Se considerarmos a ação colonial de ingleses, franceses, belgas, holandeses, italianos, americanos, japoneses, ao longo dos séculos XIX e XX, percebemos que todos esses países cometeram massacres contra populações originárias movidos por perspectivas racialistas. Pode se alegar, contudo, que essas matanças não tiveram o mesmo aparelho burocrático e metódico que o nazismo implementaria depois. Mas ao mesmo tempo, a ideia da superioridade racial e do extermínio como prática de Estado estava ali. Foi Aimé Césaire que relembrou que os crimes do nazismo, por mais horríveis que sejam, estão diretamente vinculados ao colonialismo e que isso jamais poderia ser perdido de vista”, diz Pureza ao MyNews.

O atual ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, afirmou que é preciso reconhecer o que aconteceu na atual Namíbia sem “eufemismos” e que o episódio foi um “genocídio”. Além disso, as autoridades da Alemanha anunciaram uma indenização de US$ 1,3 bilhão que será paga em 30 anos em projetos de infraestrutura, saúde e educação. O anúncio ocorre após cerca de cinco anos de negociação entre as autoridades da Alemanha e da Namíbia.

O professor Fernando Pureza destaca que o reconhecimento de um genocídio passa por disputas políticas e a correlação de forças de cada época: “Estudiosos como Adam Hoschild afirmam que o Congo Belga, entre 1890 a 1920, foi massacrado pelos belgas, algo em torno de 10 milhões de mortos decorrentes do colonialismo na região. Mas o Estado belga ainda hoje não reconhece sua participação no Congo – e sequer o reconhece como genocídio. Essa é uma luta muito longa e muito trágica empreendida pelos sobreviventes que lutam para que a sua memória e a de seus descendentes não seja apagada.”

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