O tempo presente reserva um grande desafio para a diplomacia brasileira, a retomada de uma inserção internacional pragmática e descomprometida com interesses ideológicos de ocasião. Somente isto permitirá a retirada de vantagens comparativas do crescente embate entre os Estados Unidos e a China
por Creomar de Souza em 22/07/21 18:15
A disputa hegemônica no século XXI tem se acirrado e o seu principal campo de batalha é a tecnologia. O governo Biden já declarou a China como a adversária mais formidável pela liderança mundial, constituindo-se, na visão norte-americana, na principal ameaça à segurança e à prosperidade dos Estados Unidos. Os chineses estão sendo acusados de promover ataques cibernéticos, inclusive o que afetou a empresa Microsoft e usuários de seus produtos. O atual governo americano também proibiu investimentos em 59 empresas chinesas de alta tecnologia, tais como as maiores fabricantes de equipamentos de telecomunicações e de semicondutores.
Nesta semana, o embaixador da China no Brasil, em entrevista a um órgão de imprensa brasileiro, acusou os EUA de praticarem “bullying” tecnológico. No entender do diplomata chinês, o governo americano vem usando da desculpa da segurança nacional para pressionar pelos seus interesses econômicos na disputa tecnológica mundial. Astuto como é, o embaixador não perdeu a oportunidade de recordar episódios de espionagem praticadas pelas agências de inteligência dos EUA, em particular os que tiveram como alvos autoridades brasileiras e de outros países “aliados”.
O analista Gideon Rachman, do Financial Times, publicou artigo interessante em que pergunta se a China realmente quer se tornar uma superpotência. Ele nota que, para a administração Biden, não há dúvida de que os chineses querem esse status e pretendem deslocar os EUA, inclusive de maneira agressiva, da posição de líderes mundiais. Mas Rachman também observa que há custos imensos em assumir uma posição de superpotência e que a China tem sido relutante em assumir certos ônus relacionados a manter presença e bases militares mundo afora, intervir em assuntos que não afetam diretamente seus interesses, bancar o policial do mundo, entre outros quesitos.
De fato, a retórica oficial do Partido Comunista Chinês tem sido a ascensão pacífica da China. O embaixador, na citada entrevista, ressalta que seu país não pretende exportar seus sistema e ideologia, busca convivência harmônica com o Ocidente e respeita a soberania dos parceiros. Claro que isso tudo tem de ser tomado com grão de sal, mas o fato é que os chineses costumam reservar a demonstração de força para o seu entorno, em questões que tocam diretamente a questão territorial e atiçam o nacionalismo chinês, como Taiwan, Hong Kong e as disputas que mantêm no Mar do Sul da China, inclusive com o Japão, além da disputa na fronteira com a Índia.
A China já é a segunda economia mundial e em breve será a primeira. Apesar disso, os EUA seguem sendo a primeira potência, porém com a sensação de declínio relativo. Do padrão de interação e do grau de animosidade entre EUA e China dependerão, em grande medida, os contornos de ordem internacional nas próximas décadas. Em geral, grandes mudanças no sistema internacional derivam de redistribuição de poder na esteira de conflitos armados, mas talvez hoje a disputa, sem excluir a dimensão militar e estratégica, tenha adquirido facetas distintas, com o predomínio da alta tecnologia, em particular “big data”, inteligência artificial, pesquisa quântica, 5G e Internet das coisas. Em todas essas, a China tem capacidade de disputar liderança.
Interessa ao Brasil que a disputa entre titãs não saia do terreno administrável e nem gere rupturas que possam desestruturar cadeias de valor inteiras, produzir desorganização econômica e impactar negativamente o comércio e a economia mundial, já abalados pela epidemia da covid-19. Ainda que o conflito não degenere em algo mais grave, tampouco interessa ao país ser forçado a optar por um dos lados. Com o aumento da tensão, porém, a manutenção de boas relações com ambos os parceiros vai exigir boa dose de pragmatismo e habilidade negociadora. Nada mais urgente, portanto, do que recuperar a boa e velha tradição da diplomacia universalista, vilipendiada nos últimos dois anos pela política externa ideológica que vinha sendo implementada.
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