A história é simples. Imaginem um grupo de pessoas que vivem acorrentadas no fundo de uma caverna, de tal forma que só consigam olhar para dentro da caverna, nunca para fora.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 07/06/22 09:58
Platão, discípulo de Sócrates, é um dos filósofos mais importantes da Grécia Antiga.
Se você participar de um curso introdutório de filosofia, quase certamente a primeira aula falará do Mito da Caverna de Platão. Além de ser um dos textos filosóficos mais antigos e mais debatidos do mundo, também é uma metáfora acerca do papel da filosofia para o homem. Apesar disto é um texto que muitos analisam fora de seu contexto histórico, e acabam cometendo erros e simplificações.
A história é simples. Imaginem um grupo de pessoas que vivem acorrentadas no fundo de uma caverna, de tal forma que só consigam olhar para dentro da caverna, nunca para fora. Tudo o que eles conseguem ver do mundo são as sombras projetadas na parede do fundo da caverna pela luz vinda da entrada. Um teatro de sombras é tudo o que conhecem do mundo.
Então um destes aprisionados consegue se libertar das correntes, e sair da caverna para explorar o mundo. Lá descobre um mundo de luzes, cores, cheiros e sabores que nunca conheceu antes.
Este explorador volta para a caverna, e liberta os seus antigos companheiros. E conta sobre o mundo lá de fora. Os habitantes da caverna o tomam por louco, e o espancam até a morte, e voltam a observar as sombras na parede.
A metáfora é simples mas poderosa. É uma sugestão de buscarmos a verdade por detrás das aparências, de questionar o que acreditamos saber, e ver, e tentar ir além do que nos parece óbvio. A função do filósofo seria esta: explorar o mundo além da caverna, e tentar libertar os demais de suas correntes ideológicas. Mas temos também um alerta: aquele que traz a mensagem acerca do mundo exterior corre o risco de ser mal recebido, e tratado até com violência. Questionar pode ser um ato perigoso.
E normalmente a análise acaba aí. E com isto perdemos parte importante do que Platão propunha com esta história. Para Platão o mundo no interior da caverna seria o mundo sensível. Aquilo que percebemos por meio de nossos sentidos e por nossas experiências. Aquilo que tocamos, vemos, cheiramos. Já o mundo fora da caverna seria o mundo intelegível, o mundo que só conhecemos por meio da razão, da crítica, da filosofia. O que mais tarde Aristóteles iria definir como o conhecimento último, a metafísica. Ou seja, o que vai além do mundo físico.
Esta poderosa visão filosófica foi o modelo de entendimento do mundo mais aceito por milênios, pelo menos na Europa. Mas no fim da Idade Média o cenário começa a mudar. A revolução científica coloca o teste experimental como algo capaz de ruir os sistemas racionais e metafísicos. A metafísica aristotélica ruiu diante da física galileana. A experiência direta deixa de ser um instrumento ilusório e assume o centro do palco.
Mas ainda permanece o fato de que nossas experiências são limitadas, e podemos nos enganar ao confiar nelas cegamente. É necessário o constante questionamento para entendermos aquilo que estamos vendo.
O debate continua entre as duas forças de conhecer o mundo, razão e experiência. E este questionamento acaba levando ao relativismo moderno, onde questionamos até mesmo se existe alguma verdade a ser descoberta.
Mas Aniello, o que isto tem a ver com a nossa vida, o que este debate acadêmico tem a ver com o mundo real? Na fila do pão, quem é este filósofo? Podemos buscar várias formas de usar o mito da caverna em nossa vida, mas eu irei comentar um único ponto que me parece central hoje.
Atualmente temos vários “filósofos”, líderes e gurus que afirmam ter saído da caverna. E estes trazem mensagens contraditórias. Parece que cada um que saiu da caverna afirma um mundo exterior diferente. O que é obviamente sem sentido. Todos, ou quase todos, devem estar enganados, ou mentido.
Mas mesmo assim a mensagem de ter o conhecimento verdadeiro que ninguém sabe hoje se tornou mais atrativa que repulsiva. É verdade que ainda espancamos os profetas do mundo exterior, mas normalmente espancamos o segundo guru que nos conta as maravilhas do mundo exterior. O primeiro é recebido com pompa e circunstância.
Cada vez mais temos grupos de pessoas que acreditam ter acesso a verdadeiras verdades, sempre muito diferentes daquilo que podemos ver diretamente. Teorias de conspiração, fake news, verdades alternativas. E é uma sensação poderosa acreditar que você e seus pares conseguem entender o mundo melhor que todo o resto da humanidade.
De uma forma perversa partimos do questionamento contra as aparências e contra as ideias dominantes para construirmos fábulas, fantasias. E varremos para debaixo do tapete o que acreditamos saber ser falso. Partimos de uma ideia de questionar a verdade dos outros para chegarmos a mecanismos de nunca questionar nossas verdades. Achamos que o lado de lá esta analisando as sombras, mas nós sabemos como é o mundo real. É o ceticismo e o questionamento usado para não questionarmos nossas crenças.
Nesta hora minha proposta é nos ver como os que estão na caverna pois o mais provável é que não sejamos o homem que viu o mundo. Somos aqueles que estão na caverna ouvindo dezenas de pessoas contando que saíram.
O que temos que fazer é nos voltar para as sombras. Analisar cada detalhe dos fatos concretos, para tentar ver qual análise é mais compatível. Nenhum fato é a verdade completa. São sombras. Mas é o único instrumento que temos para separar o mundo exterior do sonho de liberdade.
Quando há tantas verdades contraditórias se digladiando por nossos corações e mentes, precisamos entrar novamente na caverna de Platão, e voltar a estudar as sombras. Antes que voltemos para as cavernas literalmente.
*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
Quem é Aniello Olinto Guimarães Greco Junior?
Servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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