Bolsonaro tenta retirar o corpo fora descrevendo os seus discursos como “frases descontextualizadas”. Mas acontece que o assassinato de Marcelo Arruda não acontece em um vácuo.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 14/07/22 11:28
A resposta de Jair Bolsonaro ao assassinato político de Marcelo Arruda foi o seguinte tweet:
– Independente das apurações, republico essa mensagem de 2018:
Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) July 10, 2022
Vamos analisar a resposta e confrontar ela com os fatos. O primeiro ponto é que o presidente escolhe ressuscitar uma mensagem de 2018, ao invés de escrever algo sobre o assassinato ocorrido. Ele não apenas não manifesta pesar ou solidariedade com a vítima, como sequer cita o nome de Marcelo Arruda ou descreve o ocorrido. O assassinato de um petista não merece sequer um texto próprio.
Além disto ele não perde a oportunidade para acusar os seus adversários políticos. Em resposta a uma violência cometida por um bolsonarista, ele acusa que a esquerda é que prega a violência. E ainda aproveita para se vitimizar de supostas calúnias.
A coisa mais próxima de um repúdio a violência foi um “Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores.” Dispensamos o apoio, vá para esquerda, foi a crítica feita ao assassino. É um exemplo clássico da tática retórica da nova direita mundial, de nunca recuar, nunca assumir erros. E quando acuados, partir para o contra-ataque, atacando ainda mais os críticos.
Por fim, ele tenta retirar o corpo fora descrevendo os seus discursos como “frases descontextualizadas”. Mas acontece que o assassinato de Marcelo Arruda não acontece em um vácuo. É preciso contextualizar o crime e a sua motivação com o momento atual no Brasil.
Vamos relembrar um pouco. Na época em que a polarização era entre PSDB e PT, o ato de maior violência em campanhas eleitorais foi um arremesso de uma bola de papel contra José Serra. Já em 2018 tivemos o atentando a faca contra Jair Bolsonaro, e o menos comentado e ainda não resolvido atentado a tiros contra a comitiva de ônibus do PT. Também tivemos o caso do assassinato do Mestre Moa do Katende, capoerista morto a facadas por falar que votou no PT. Isto tudo antes de Bolsonaro assumir o cargo de presidente.
O que deveria servir de alerta para que todos no país se esforçassem para amenizar o debate e repudiar a confusão entre debate e combate foi usado como munição para mais discursos de apoio a violência. Não que antes de ser presidente Bolsonaro fosse conhecido pelo pacifismo. Pelo contrário. Entre outras delcarações, já elogiou grupos de extermínio e deu declarações de apoio a tortura e a golpe de estado. Seu filho Flávio homenageou o assassino Adriano da Nóbrega com a medalha Tiradentes. Para entregar a medalha, teve que ir ao presídio onde o miliciano cumpria pena. Posteriormente o presidente chamou seu assassino de estimação de herói.
Quando presidente Bolsonaro usou do atentado do qual foi vítima para criar um discurso messiânico que Deus o teria salvado para que ele fosse eleito. E repetidas vezes tentou associar Adélio com a esquerda e sugerir que haveria mandantes esquerdistas para o ato. Além da tese ser totalmente descartada pela polícia, Ministério Público e judiciário, ela é até um desafio ao bom senso. Porque alguém contraria um assassino e daria a ele uma faca de cozinha, ao invés de uma arma de fogo?
Mas o pior foi o repetido discurso armamentista que defende que um povo armado jamais será escravizado. E que um povo armado pode se rebelar contra governantes ditatoriais, fazendo uma referência aos governadores e prefeitos que impuseram medidas de distanciamento social durante a pandemia. Ou seja, o presidente incentivando a rebelião armada contra agentes públicos.
Combine isto com a facilitação cada vez maior ao acesso a armas e munições, sem o rastreamento e monitoramento por parte da polícia ou das forças armadas. Por um misto de incompetência e desinteresse, sequer as forças armadas brasileiras sabem quantas pessoas tem quais armas hoje no Brasil. Mas o pouco que sabemos já mostra que existem mais civis armados que as forças de segurança pública dispõe.
O resultado disto se manifesta claramente. Tivemos os exemplos recentes do assassinato de Marielle Franco, do atentado contra o Porta dos Fundos, do atentado contra o Consulado Chinês do Rio de Janeiro, entre outros. É o Brasil entrando no mapa do terrorismo.
No último mês tivemos o drone jogando veneno em uma manifestação política. Na última semana tivemos tiros contra a sede da Folha de São Paulo, o carro do juiz que prendeu o ex-ministro Milton Ribeiro atacado com dejetos, ovos e terra, uma bomba de fezes arremessada em uma manifestação petista em São Paulo, e um bolsonarista atirando fogos de artifício em direção ao palco de uma manifestação petista no Rio de Janeiro.
É neste contexto que devemos analisar a execução de Marcelo Arruda. Não adianta tentar levantar teorias negadas pela justiça de assassinatos políticos que teriam sido cometidos pelo PT. Mesmo que tenham sido crimes políticos (e não é o que as investigações indicam), seriam casos de queima de arquivo, e não violência espontânea por parte de simpatizantes.
O que estamos vendo hoje são vários “cidadãos de bem” por conta do ódio disseminado contra a esquerda se sentindo no direito de usar da violência como meio de expressão política. Isto é inédito na democracia brasileira. E sem nenhum correspondente em outras correntes ideológicas brasileiras além do bolsonarismo. Apenas o bolsonarismo esta cometendo crimes motivados por ódio político, sem outros contextos.
Qual a resposta de Bolsonaro? Não debater o ato em si, se colocar de vítima de calúnia. E de forma irresponsável voltar a atacar a esquerda. Em um momento no qual um esquerdista foi fuzilado por ódio político nosso presidente opta por fingir que não quer violência mas ao mesmo tempo reforça o mesmo discurso de ódio que alimenta estes crimes.
Se nada for feito, este pode ser apenas o começo. E se a violência espontânea e popular vir a sair do controle, Bolsonaro pode vir a usar o caos que ajuda a criar para adiar ou anular as eleições. Os sinais de que há um esforço nesta direção, da anulação do pleito, são nítidos. É o que nos mostra a postura do governo e das forças armadas na Comissão de Transparência criada pelo TSE.
Tudo poderá acontecer em outubro, inclusive nada. Mas que há sinais que há algo de podre no reino do Planalto, há.
*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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