O governo brasileiro ainda não se pronunciou sobre a anulação do primeiro turno das eleições na Guatemala, um grave avanço contra as instituições num importante país da América Central.
Em 06/07/23 12:40
por Coluna da Sylvia
Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam
Foto: Ricardo Stuckert/PR
O governo brasileiro ainda não se pronunciou sobre a anulação do primeiro turno das eleições na Guatemala, um grave avanço contra as instituições num importante país da América Central. Este pedaço do mundo que, aparentemente, está abandonado pela comunidade internacional, embora esteja no coração das relações entre norte e sul.
Não se trata apenas do Brasil, nenhuma outra economia importante da região, ao menos até o fechamento deste texto, havia se manifestado com relação à escalada do autoritarismo no país e em seus vizinhos, algo cada vez mais visível e palpável, embora apenas se transforme em assunto de interesse especial quando impacta na questão imigratória aos EUA.
Há meses se discute a legitimidade das eleições guatemaltecas, marcadas pela anulação de candidaturas discordantes com a linha do atual presidente, Alejandro Giammattei. O mandatário vem avançando nos últimos meses contra a Corte Suprema, o Congresso, a oposição e os jornalistas independentes deste país.
Quando foram anunciados os vencedores do primeiro turno, Sandra Torres (centro-direita) e Bernardo Arévalo (centro-esquerda), sentiu-se que o país centro-americano poderia afastar-se do autoritarismo de Giammattei, afinal, seria um resultado considerado “zebra” e que assustaria os empresários conservadores do país.
Em conversa com o My News, em Bogotá, José Zamora, filho do jornalista José Rubén Zamora, condenado a seis anos de prisão por conta das denúncias de corrupção divulgadas em “El Periodico” disse que “Não é possível que tudo na Guatemala possa mudar tão rápido. Estávamos trabalhando em recursos para tirar meu pai da cadeia antes, por conta das irregularidades no processo, e achávamos que com esse resultado do primeiro turno seria propício, mas agora, nada está certo.”
Segundo o Human Rights Watch: “Os latino-americanos sabem o que é perder o direito ao voto. Nossos governos não deveriam ficar em silêncio enquanto uma elite corrupta coloca em risco esse direito fundamental na Guatemala”, afirmou Juan Pappier, diretor para as Américas do organismo.
Para quem não acompanhou, as eleições do último dia 25, como se previa, terminaram com um resultado fragmentado e levando para um segundo turno pelo menos um candidato inesperado (Arévalo). Uma reeleição de Giammattei seria impossível, porque no país não há esse recurso. Porém, se esperava que outro candidato conservador chegasse à final. Arévalo, filho de um ex-presidente guatemalteco, abraçado à ideia de proteção do ambiente e a um certo progressismo, espantou os donos do poder no país.
Por conta da pressão de partidos de direita, a Corte Constitucional pediu a recontagem dos votos e terminou por anular os resultados do primeiro turno, colocando o país no limite de um governo autocrata ou de uma ditadura. A decisão recebeu críticas da União Europeia e da OEA (Organização dos Estados Americanos), porém, foi ignorada pontualmente por países como o México, a Argentina ou o Brasil.
É preciso ser míope para não entender que o que ocorre na Guatemala afeta o Brasil e a região diretamente. Trata-se de um país golpeado pela violência do narcotráfico, na rota das distintas imigrações aos EUA e na porta de entrada da América do Sul. “Se houver um cancelamento das eleições, será outro sinal de que a elite corrupta da região ainda tem o poder de se sobrepor à vontade do eleitorado”, disse Jeremy McDermott, do Inside Crime.
Reunidos em Puerto Iguazú, nesta semana, os mandatários de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, sequer puderam chegar a uma posição comum sobre a Venezuela, que acaba de cancelar a candidatura de María Corina Machado, uma opositora tradicional ao regime que vinha se projetando com força para as eleições de 2024. Quanto à Guatemala, então, nenhum gesto.
Enquanto posicionar-se quanto à democracia na Venezuela parece atender a uma lógica de apoios internos de cada país, dos pontos de vista ideológicos e eleitorais, o que se pode dizer sobre posicionar sobre a Guatemala, que nenhum crédito a ninguém parece trazer desde as urnas?
Uma lástima completa. Se a tal democracia regional fosse de fato de interesse desses líderes, teríamos uma posição de repúdio com relação ao que acontece no país centro-americano.
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