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Um Domingão com o Faustão que poucos conhecem: ele merece um novo coração

Bem que os velhos amigos, que ele nunca abandonou, poderiam agora fazer uma corrente de oração para o velho Faustão.

Em 22/08/23 14:28
por Balaio do Kotscho

Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano

Reprodução Redes

Na volta do Balaio ao ar, na semana passada, agora aqui no MyNews, pedi aos leitores sugestões de pauta para tratar aqui. Não aguentava mais escrever sobre os mesmos assuntos todos os dias.Uma das ideias que me deram é falar de velhas reportagens produzidas ao longo das últimas seis décadas. Ao ver o amigo Faustão no vídeo em que ele pede orações para conseguir um novo coração, agora ainda mais magro, abatido, quase suplicando uma segunda chance, me lembrei de um domingo que passei com ele, em 2001, durante a gravação do seu programa na Globo, que lá ficou mais de 30 anos no ar.

Fazia parte de uma série intermitente de reportagens que escrevi na Folha sobre “Um dia na vida de…”, que podiam ser pessoas famosas ou anônimas, do presidente da República a um professor, artista ou médico, mostrando o cotidiano delas em suas atividades.

Mais longevo apresentador da TV brasileira, depois de Silvio Santos, é claro, Faustão vivia uma crise de audiência e relutou em me dar uma entrevista, algo que detestava (ele sempre preservou muito sua vida pessoal), mas aceitou que o acompanhasse na viagem ao Projac, o centro de produções da Globo em Jacarepaguá, de onde transmitia seu programa. Até me deu carona no jatinho fretado e no helicóptero.

Faustão tem a mesma idade que eu (75 anos), o mesmo tempo de carreira (quase 60) e começamos juntos na grande imprensa no velho Estadão da rua Major Quedinho, no centro de São Paulo, quando ele fazia graça de graça para os colegas de redação.

Nunca fomos amigos próximos, mas nos cruzamos muitas vezes em empregos, eventos, na famosa pizza que oferecia na sua casa no Morumbi e em viagens, e temos muitos amigos em comum. Foram eles que me contaram, já faz tempo, um lado da vida do Faustão que poucos conhecem: o cara que ajuda muitos amigos (geralmente, do futebol, dos tempos em que era repórter esportivo, e da televisão) que enfrentam dificuldades financeiras.

Sei que muita gente com recursos também faz isso, mas no caso dele tem um detalhe que mostra bem seu caráter: muitas vezes, nem o próprio beneficiado deve saber quem lhe prestou ajuda, para que não se sinta humilhado. Para fazer isso anonimamente, ele conta com assessores e, ao ficar sabendo de alguém necessitado, os mobiliza e manda entregar os recursos necessários.

Não contei isso na reportagem “A liturgia de Fausto Silva”, publicada na Ilustrada da Folha do dia 19 de junho de 2001, quando muitos de vocês leitores ainda não haviam nascido, porque ele me pediu. Ameaçava até romper relações.

Mas hoje, que esse grande coração do Faustão está doente, onde sempre cabe mais um, precisando de um transplante urgente, achei que devia contar esse segredo. Vamos rezar por ele, para que o amigo possa continuar ajudando os outros, mas ninguém deve saber disso…

“Vocês só veem as pingas que eu tomo, mas não os tombos que eu levo”, costumava brincar Faustão nos áureos tempos, quando tinha o maior faturamento da TV brasileira, com um detalhe: Faustão é um jornalista/artista que nunca bebeu e não comia a pizza que oferecia na sua casa para não engordar.

(*)

Abaixo, alguns trechos da reportagem da Folha, que pode ser encontrada, na integra, no arquivo digital do jornal no Google:

“Domingo, seis e meia da tarde. Está terminando o programa da Xuxa. A 25 quilômetros do centro do Rio de Janeiro, em Jacarepaguá, 300 homens estão mobilizados no front do Projac, a central de produção da Rede Globo, para mais uma batalha da guerra dos domingos na TV.

Vai entrar no ar o programa número 639 do “Domingão” do Faustão, que estreou em março de 1989 com a missão de ganhar do até então imbatível Silvio Santos e ultimamente vem sendo batido pelo programa do Gugu em São Paulo, embora continue liderando no resto do país.

O mais tranquilo é o próprio Fausto Corrêa Silva, 51, que não se abala com o corre-corre de diretores, produtores e técnicos, nem com os boatos que nas últimas semanas colocaram o seu programa no centro de uma inédita crise de audiência enfrentada pela maior rede de TV do país.

Aconteça o que acontecer, Faustão está decidido a cumprir até o fim seu contrato com a Globo, que só termina em março de 2003. “Sou profissional e cumpro meus compromissos. Não estou brincando de trabalhar. Tenho filha pequena para criar (Lara, 3 anos) e uma pilha de carnês para pagar”.

Na pracinha da cidade cenográfica de “A Padroeira”, a nova novela das seis que estreou ontem, ele passeia entre vacas e cavalos, conversa com figurantes e só pergunta quanto tempo falta para o programa começar. O resto ele improvisa.

Domingo é dia de alegria”, resume, lembrando mais um velho pároco do interior, preparando-se para a missa semanal, do que um general em dificuldades no campo de batalha.

Podem variar o sermão e a freguesia de fiéis, mas a liturgia é a mesma há mais de 12 anos, e ele não pretende muda-la. Quando a direção tentou fazê-lo, não deu certo. Até hoje, Faustão está traumatizado com as duas derrapadas seguidas do programa, quando tentaram enfrentar Gugu no campo dele, no início dessa guerra (os célebres episódios do “sushi erótico” e do Latininho).

Nos últimos quatro anos, o programa já trocou de diretor cinco vezes, mas o apresentador resiste ao processo de popularização a qualquer preço da televisão brasileira.

“Dramalhão e baixaria eu não faço”, diz ele, indiferente ao estresse da equipe na sala do “switcher”, que coloca o programa no ar com um olho nos monitores e outro nos números do Ibope. Faustão faz questão de não ser informado sobre as oscilações do eletrocardiograma da audiência durante o programa. “Se eu não me divirto, como é que posso divertir os outros?”, justifica.

(*)

Nos últimos tempos, Faustão já não vinha se divertindo no programa diário, depois de trocar a Globo e o Domingão pela Bandeirantes, que só ficou um ano no ar. Nem a audiência se divertia. Foi uma ousadia que não deu certo. Para mim, esse pode ter sido um dos problemas do coração dele. “Mais do que o trabalho, o que mata a pessoa é a tristeza, é não fazer o que você gosta e ser obrigado a fazer o que você não gosta”, já ensinava o grande cardiologista Adib Jatene, que morreu do coração, trabalhando.

Bem que os velhos amigos, que ele nunca abandonou, poderiam agora fazer uma corrente de oração para o velho Faustão conseguir logo um coração novo. Rezar não custa nada.

Vida que segue.

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