Brasil se recusa a se comparar com países vizinhos, ou com o mesmo padrão de desenvolvimento, e supervaloriza os próprios problemas
por Clara Marinho em 09/01/25 15:40
Moedas de R$ 1 e bandeira do Brasil | Foto: Freepik
Imaginem que uma mulher estrangeira veio passar suas férias no verão do Brasil, para conhecer a família e os amigos de seu namorado. Com eles, ela tem conhecido parques nacionais, museus e experimentado pratos típicos, além de aprender português “brasileiro”. Por isso, na estadia, criou o hábito de assistir aos jornais para se inteirar dos temas do país e conversar com os locais. Por curiosidade, acabou acompanhando o jornalismo econômico.
Leia mais: Análise: Resultado insatisfatório da COP29 põe pressão sobre o Brasil, país-sede da COP30
Em um jornal, viu que o Brasil terminava o ano de 2024 com alta no PIB e redução histórica no desemprego, surpreendendo analistas. E que o Natal teve alta de vendas, refletindo o crescimento econômico.
Em outro, viu que o governo estava no rumo certo. Restabeleceu os programas sociais, a valorização do salário-mínimo e realizou uma das maiores reformas econômicas com pleno funcionamento das instituições democráticas, a reforma tributária.
Depois, nossa ilustre visitante assistiu em um programa de debates que o governo estava em descontrole fiscal. Em 2024, a despesa seria maior que a receita, de modo que não haveria cumprimento da meta de déficit primário zero, mesmo com o ajuste fiscal anunciado. Se mantida a expansão fiscal, haveria aumento da inflação e dos juros, comprometendo o crescimento econômico futuro. O mercado mostrava sua desconfiança, provocando aumento impressionante da cotação do dólar em reais.
A gringa ficou intrigada. O país parece muito bem, mas vai mal? Como assim?
Lei mais: O PIX no olho do furacão: quem arrisca ser o algoz?
Com o namorado, entendeu que o Brasil pouco se compara com outros países – vizinhos ou com o mesmo padrão de desenvolvimento. Ilhado, supervaloriza os próprios problemas.
Com a família do namorado, aprendeu que os brasileiros valorizam muito as festas. Assim, se tem dinheiro sobrando, tem presente para todo mundo, ceia de Natal e Ano Novo fartas, mais picanha e cerveja boa no churrasco.
Papeando com os amigos do namorado, nossa visitante ouviu todo tipo de coisa. Primeiro, que o governo havia feito uma grande expansão fiscal e que era hora de puxar o freio. Depois, que o governo anterior jogou dinheiro pela janela e não foi criticado na mesma medida. Em seguida, escutou que o mau humor já tem mais de década no Brasil e mesmo quando tudo está bem, parece que vai mal.
Dos economistas, ouviu que a reforma tributária foi desidratada e dos advogados, que o governo cedeu de menos no assunto. Dos assistentes sociais, ouviu que o ajuste fiscal anunciado buscou punir justamente a população mais pobre, que recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Dos sindicalistas, recebeu queixas sobre a restrição de acesso ao abono salarial. Mas também elogios, pois o ajuste fiscal vem acompanhado da isenção do imposto sobre a renda para a classe média. Já os colegas do mercado falaram que faltou diálogo do governo com eles sobre o mesmo ajuste, que inclui a taxação da renda dos mais ricos.
De quem trabalha no governo, a estrangeira escutou relatos de que, sem a redução do ritmo de crescimento da despesa, o arcabouço fiscal não se sustenta. Por isso, várias pequenas reformas acontecerão nos próximos anos em variadas áreas de políticas públicas.
Leia mais: Pix é o único afetado pelas medidas da Receita, diz Everardo Maciel
Finalmente, ela ficou bastante impressionada com as discussões sobre resultado primário e endividamento. Notou que além do rigor exigido pelo mercado com o cumprimento de metas anuais – e não plurianuais –, o déficit primário e a dívida pública como percentual do PIB no Brasil estão razoáveis em relação aos números mais recentes da OCDE. Lá, poucos países têm feito superávit primário e, na média, têm dívida como proporção do PIB não muito diferentes do que ocorre no país.
No Brasil é céu de brigadeiro com tempestade tropical, concluía a gringa. Tudo muito bom e muito ruim ao mesmo tempo agora, com poucos inteiramente satisfeitos. E tal como nossa personagem, há muitos brasileiros pensando o quanto o país vai verdadeiramente bem, dados os contrastes entre os grandes números, os fatos e as narrativas que os acompanham, mais a vida cotidiana.
O que dá para afirmar é que presentes de Natal, picanha na mesa e cerveja gelada não têm sido suficientes para tirar certa confusão do ar e espalhar a sensação de que o futuro será melhor. E que, em escala mais ampla, embora haja dinamismo no mercado de trabalho e a economia esteja crescendo com melhora da situação fiscal, frações do mercado e da centro-esquerda têm amplificado a vocalização de suas insatisfações, pressionando por novas medidas – ora de arrocho, ora de aperfeiçoamento e expansão das políticas públicas.
A situação ilustra o grande desafio equilibrista do governo para 2025: combinar o ajuste da política econômica com o ajuste de desenho e efetividade das demais políticas públicas, imprimindo-lhes uma narrativa de sucesso popular. Ao fim do ano, a percepção do quanto a situação melhorou e para quem – ou não – será decisiva para a disputa eleitoral de 2026.
Comentários ( 0 )
ComentarEntre no grupo e fique por dentro das noticias!
Grupo do WhatsApp
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.
ACEITAR