Há 55 anos, o Brasil entrava no Ato Institucional Nº 5, o golpe dentro do golpe da ditadura militar
Em 13/12/23 12:13
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Foto: Orlando Brito | O presidente João Baptista Figueiredo participa da homenagem ao Dia do Soldado, em 1979, ano em que tomou posse, ao lado de vários generais: ele encerraria o ciclo militar de 21 anos ao sair do Planalto em 15 de março de 1985
Há 55 anos, o Brasil entrava no Ato Institucional Nº 5, o golpe dentro do golpe da ditadura militar
“O BRASIL ENTRA NO 5º ATO”, assim mesmo, em caixa alta, foi a manchete da antológica edição do Jornal da Tarde, o vespertino do Grupo Estado, como se estivéssemos assistindo a uma ópera macabra. O matutino, hoje centenário, chamado de Estadão, era o maior jornal do país na época, e o que mais combateu e resistiu ao golpe do AI-5.
Iniciei lá minha carreira na grande imprensa, no início de 1967, com 18 anos. Eu estava lá naquela noite. Muita gente já esqueceu, inclusive o Estadão, que hoje não publica nenhum registro sobre a data.
Mais recentemente, o jornalão encolheu fisicamente, ficou mais mirrado e irrelevante na cena política do país. Em 1968, o diretor-responsável ainda era úlio de Mesquita Filho, o dr. Julinho, uma figura altiva, que era venerada por seus colaboradores, mesmo os que não comungavam do seu credo político. Os Mesquita hoje já não comandam a redação, dirigida por Eurípedes Alcântara. Seus nomes aparecem apenas no Conselho de Administração.
Eles podem ter esquecido, mas eu não esqueço o que foi aquela longa noite, que se prolongaria por muitos anos, com dezenas de cassações de mandato de adversários políticos, prisões, torturas e mortes nas masmorras do DOI-CODI, a sinistra sigla da repressão exercida pelos militares.
Para lembrar como tudo começou, recorro mais uma vez ao meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto – Uma Vida de Repórter”, da Companhia das Letras, 2006.
“Parem as máquinas!”
O pior ainda estava por acontecer. Na madrugada de 13 de dezembro, dia em que o general Costa e silva editou o Ato Institucional Nº 5, o principal editorial do jornal, na página 3, trazia o premonitório título “Instituições em frangalhos. Informado por algum dos vários colaboradores do regime infiltrados na redação, o delegado Silvio Correia de Andrade, da Polícia Federal, invadiu a oficina, que dava para a rua Martins Fontes, e gritou a ordem: “Parem as máquinas!”
Em seguida, determinou aos policiais que o acompanhavam a apreensão de todos os exemplares já prontos para a distribuição. Pela primeira vez, desde o golpe, o Estadão deixou de circular. Logo cedo, os irmãos Julio Mesquita Neto e Ruy Mesquita foram se queixar ao governador Abreu Sodré, um amigo da família nomeado para o cargo pelos militares. Comunicaram-lhe que o jornal não mudaria sua linha editorial, agora de oposição ao regime. No começo da noite, dois policiais à paisana da Divisão de Diversões Públicas da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo chegaram à redação para “examinar o noticiário político”. Era o início oficial da censura prévia. Enquanto eles se aboletavam em volta da mesa de Oliveiros Ferreira, o secretário de redação, nós nos reuníamos para ouvir o pronunciamento de Costa e Silva num rádio portátil posto sobre a mesa do chefe e editor de reportagem, Clóvis Rossi.
No silêncio do ambiente destacava-se a voz grave do general, que não deixava nenhuma dúvida nas suas palavras: meninos, a brincadeira acabou. O Brasil entrava no 5º ato. Era um golpe dentro do golpe _ a ditadura total, sem disfarces, com mais cassações de mandatos, fechamento do Congresso Nacional e fim das liberdades e dos direitos in individuais, começando pela censura prévia. Ao recordar este episódio, muitos anos depois, Oliveiros me contou que Carlão Mesquita, o nosso amigo diretor, só se zangou quando um contínuo serviu café aos censores. Voltei para a minha mesa e continuei a escrever, como se nada estivesse acontecendo. Sem alternativa, eu e meus colegas da reportagem terminaríamos outra noite num bar. Professor da USP, Oliveiros previu um longo e feroz período de ditadura.
E pensar que, até hoje, tem gente com saudades daquele tempo, sonhando com a volta dos militares ao poder. Bem que tentaram, no governo passado, de triste lembrança, mas como já ensinava Karl Marx, “a História se repete, a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa”. Ainda bem que, desta vez, foi uma farsa encenada por incompetentes, que acabou no 8 de Janeiro, outra data a ser lembrada para que nunca mais se repita.
Vida que segue.
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