Ao MyNews, sociólogo e cientista político revela que teve o visto americano cancelado e, na sequência, foi mantido preso por três meses no órgão de repressão política
por Sofia Pilagallo em 04/12/24 08:52
Mara Luquet entrevista o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier | Foto: Reprodução YouTube/MyNews
A ditadura militar no Brasil (1964-1985) ficou marcada pela perseguição política de figuras das mais diversas — militantes, artistas, jornalistas e todos os que eram considerados opositores ao regime da época. Entre eles, estava o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, que conversou com o MyNews sobre seu mais recente livro, Antes que eu me esqueça, obra que reúne crônicas e contos.
Em entrevista à jornalista Mara Luquet, Lamounier revela uma das histórias que constam no livro: a vez em que foi parar no Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS-MG), em Belo Horizonte. Os DOPS eram órgãos tradicionais de repressão política legal, ligados aos governos estaduais desde os anos 1920. O de Minas Gerais começou a operar em 1927.
Leia mais: Série do MyNews mostra relatos de ex-presos políticos e líderes guerrilheiros da ditadura
Lamounier conta que, em 1966, cursava pós-graduação na Califórnia, nos Estados Unidos, quando decidiu voltar ao Brasil para passar algumas semanas. Na hora de voltar aos EUA, foi barrado por uma atendente do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, que o informou que seu visto americano havia sido cancelado.
Para tentar resolver a questão, Lamounier teve de viajar a Belo Horizonte, cidade onde o visto havia sido emitido. Chegando na capital mineira, procurou por Peter Bell, amigo dos tempos da faculdade que, depois, veio a ajudar a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que reuniu intelectuais no auge da ditadura. Ele o acompanhou na ida ao consulado.
Leia mais: ‘Sensação de impunidade por parte de agentes do Estado é legado da ditadura’, diz ex-preso político
“Chegando lá, o moço nos fez saber pela secretária dele que não iria nos receber juntos. Achei aquilo estranho. Eu entrei primeiro”, relembrou Lamounier. “Era um sujeito grandão. Foi logo me dizendo: ‘Não vou te dar um visto para os EUA em hipótese alguma porque te considero um perigoso comunista. Depois entrou Peter Bell. O moço falou as mesmas coisas para ele, que não me concederia o visto.”
Ao saírem do consulado, os amigos foram surpreendidos por três policiais. Lamounier foi levado em uma caminhonete. Bell foi poupado. De lá, foram para o DOPS-MG, que funcionava na Avenida Afonso Pena, uma das principais da cidade. Ele ficou por três meses no local, sem que os agentes o fizessem uma única pergunta. Sua soltura se deu em 2 de dezembro de 1966, por decisão unânime do Superior Tribunal Militar.
“Depois disso, fui ver meus amigos de faculdade, dar um abraço, tomar um chopp e começar a tentar viabilizar meu retorno à Califórnia”, recordou. “Certo dia, um jornalista foi até minha casa e disse: ‘Se eu fosse você, me mandava daqui o mais rápido possível. O pessoal do 11º Regimento, [onde estava o inquérito policial militar] não gostou nem um pouco da decisão do Supremo Tribunal Militar e está disposto a te prender de novo’. Aí eu caí na real. Mais do que depressa, fiz minha mala e me mandei para os Estados Unidos.”
Comentários ( 0 )
ComentarEntre no grupo e fique por dentro das noticias!
Grupo do WhatsApp
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.
ACEITAR