Brasil

Cresce pessimismo sobre encontrar Bruno e Dom vivos após localização de pertences

Buscas seguem após informação desmentida de localização dos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira; nesta segunda houve protesto de indígenas em Atalaia do Norte (AM).

por Ciro Barros da Agência Pública, Rubens Valente em 14/06/22 08:57

agência pública

Após informação não confirmada divulgada na manhã desta segunda-feira, 13 de junho, sobre a localização dos corpos de Dom Phillips e Bruno Pereira, as buscas foram retomadas por indígenas, bombeiros e militares no mesmo ponto do rio Ituí em que foram encontrados, neste final de semana, pertences de Bruno e Dom.

pertences de bruno e dom

Buscas no leito do rio Ituí. Fotos: Avener Prado

Os indígenas empenhados nas buscas no leito do rio Ituí, a cerca de 40 km, ou uma hora e meia de barco do porto de Atalaia, pertencem a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) – que acionou os órgãos responsáveis pelas buscas – e lançou uma pesada sombra de pessimismo sobre as chances de localizar vivos Pereira e Phillips.

Além de uma mochila, um notebook e uma lona azul que, segundo os indígenas, é semelhante à utilizada por integrantes da Univaja, os indígenas também disseram ter encontrado um documento de um plano de saúde, utilizado por servidores públicos da União, em nome de Bruno Pereira.

Em nota, a Polícia Federal confirmou as informações e disse que encontrou um par de chinelos, um par de botas e um cartão do plano de saúde do indigenista, além de um par de botas e uma mochila do jornalista britânico.

Na tarde do domingo (12), a Agência Pública acompanhou parte das buscas realizadas pelos indígenas da Univaja a cerca de metade do percurso que deveria ter sido cumprido por Pereira e Phillips na manhã de domingo (6). O ponto no rio informado pelos indígenas fica abaixo das comunidades de São Rafael, na qual testemunhas já disseram à polícia que o barco da dupla passou pouco antes de desaparecer.

Os indígenas informaram sobre a localização dos possíveis pertences ainda no sábado (11) e o local foi isolado pela Polícia Federal e por militares. O Corpo de Bombeiros utilizou mergulhadores para recuperar os itens, que foram trazidos ao porto de Atalaia pela Polícia Federal no início da noite do domingo.

Em entrevista concedida na margem do rio Ituí junto ao local das buscas, o integrante da Univaja e indigenista Orlando Possuelo, filho do sertanista Sydney Possuelo, considerado um dos principais defensores dos povos indígenas no país, respondeu que não tem mais esperanças de reencontrar Bruno Pereira com vida.

Perguntado sobre a possibilidade de achar a dupla de desaparecidos com vida, Possuelo demonstrou pessimismo. “Não, não acredito nessa possibilidade. Os indígenas já falam, a gente já fala isso desde o domingo, a gente já não imaginava… Um cara experiente, acostumado a andar aqui, é um cara que era corajoso também por executar esse tipo de trabalho. A gente imaginava que se o pessoal o abordasse de alguma forma, ele ia tentar reagir de alguma forma”, disse Orlando.

O indigenista disse acreditar na hipótese de que Bruno tenha sido alvejado pelas costas, sem chance de defesa. “Eu acredito que foi uma covardia, por trás, acho que ele nem viu.  Na minha cabeça, foi dessa forma que aconteceu.”

Beto Marubo, uma das principais lideranças indígenas do Vale do Javari e também integrante da Univaja, disse, numa fala emocionada a diversos indígenas reunidos na sede da entidade em Atalaia na noite de sábado, que “o Bruno era um de nós”. “Ele e o Dom, que era outro amigo nosso. Nós chamamos o Dom para mostrar isso que vocês estão mostrando [denúncias de invasões dentro da Terra Indígena Vale do Javari].”

Marubo disse que “toneladas de caça e pesca são retirados de dentro da nossa terra”. Os indígenas estão organizando uma manifestação na manhã desta segunda-feira (13) na cidade de Atalaia.

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Indigenista Orlando Possuelo afirma que os desaparecimentos de Pereira e Dom têm relação com a pesca predatória na região. Fotos: Avener Prado

Nas buscas ao longo do rio Ituí, que começaram ainda na manhã do domingo, os indígenas organizados pela Univaja também apontaram aos órgãos responsáveis pelas buscas uma área de mato à beira do rio Ituí que teria sido amassada pela passagem de um barco nas mesmas dimensões da embarcação desaparecida. O Exército isolou esse primeiro local e a Polícia Federal realizou uma perícia.

Cerca de 20 indígenas participavam das buscas neste domingo. “O que estamos fazendo é vendo se tem alguma marca. Eles tinham encontrado lona, vestimentas. A gente acredita que vai encontrar, estamos em busca da embarcação, está nessa área, a gente está há vários dias aqui”, disse Orlando Possuelo.

O indígena Arlindo Kanamari estava na tarde deste domingo coordenando uma equipe de seis indígenas. Ele disse que seria necessário que o governo federal ampliasse as equipes de busca para ajudar o trabalho dos indígenas. Ao longo do rio Ituí, conforme a Agência Pública verificou neste domingo, barcos do governo, como da Marinha e do Exército, sobem e descem o leito do rio, mas não existe um trabalho coordenado de buscas do tipo pente-fino nas margens do rio.

“Era bom [mais gente do governo nas buscas]. A gente tem que ver se algum vestígio dele, ou da baleeira [um tipo de barco], que está perdida. Era bom, para ter mais apoio, fazer a busca a mais para a gente ter mais gente trabalhando.”

De acordo com o indigenista Orlando Possuelo, os desaparecimentos de Pereira e Dom têm relação com a pesca predatória na região. Muitos pescadores invadem os limites da Terra Indígena Vale do Javari para capturar e revender carne do peixe pirarucu, por exemplo.

“As ameaças incomodam a gente, mas a gente sabe que, trabalhando nessas áreas que envolvem algum tipo de ilícito, pesca ilegal, sempre esse pessoal fica incomodado quando você tenta organizar alguma coisa para inibir esse tipo de atividade e no caso do monitoramento feito pelos indígenas, a vigilância feita por eles dentro da terra deles. Isso acaba expondo a gente de alguma forma, apesar do trabalho ser executado pelos indígenas. Como a gente dá apoio, a gente vai sendo alvo. Na maioria das boas causas, a gente sempre acaba se expondo a algum risco. Eu tenho esperança com o que a gente já encontrou e que a gente espera que a gente encontre. E que os envolvidos sejam… paguem pelo que fizeram, que sejam condenados.”

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Em ato nesta segunda-feira, indígenas exigiram segurança e o fim das invasões. Foto: Avener Prado

No ato indígena, críticas ao governo Bolsonaro, ao abandono da Funai e aos governos locais

Já em ato nesta segunda-feira (13), indígenas do Vale do Javari exigiram segurança e o fim das invasões predatórias a seus territórios; as falas também registraram solidariedade às famílias de Dom Philips e Bruno Pereira.

A manifestação de hoje que homenageou os dois teve um forte tom político e cobrou segurança no território do Vale do Javari. Lideranças de todo o Vale criticaram o abandono da política de proteção ao território, o que os deixa à mercê dos invasores interessados nos recursos naturais e os expõe a situações de violência.

“Bruno foi um grande guerreiro, foi um homem que bateu no peito e falou: “eu vou defender vocês, eu vou permanecer”. Foi realmente o que aconteceu, ele lutou por nós. Nosso protesto é pra mostrar que nós não somos minoria e que nós vamos continuar essa luta protegendo o nosso território”, afirmou a liderança Koká Matis, chefe da Aldeia Paraíso, segundo a tradução feita da fala dela no idioma dos Matis por outra liderança em um palco no centro de Atalaia. Foi lá que a manifestação estacionou depois de sair da sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) nas primeiras horas da manhã.

As críticas ao governo Bolsonaro e ao abandono da política indigenista foi frequente na fala das lideranças que discursaram após a manifestação estacionar. “Aqui está o verdadeiro dono do Brasil, não as pessoas que invadiram as nossas terras pra depois nos violentar. Nós queremos é paz, não queremos violência. Chega de violência. Esse governo Bolsonaro é covarde. São pessoas que mandam matar. Nós não andamos invadindo a terra de ninguém. Chega de invadir a nossa terra! Chega de invadir a nossa terra! Isso é garantido na Constituição Federal. O Bruno se foi pela omissão do governo federal de não garantir a proteção e a fiscalização das terras indígenas. Esse é o governo homicida que mata todo dia brasileiro, índio, preto. Esse é o governo”, afirmou Dyanei da Aldeia Massapê, também segundo a tradução feita por outra liderança.

As notícias já desmentidas sobre a localização dos corpos de Dom Philips e Bruno Pereira eram refletidas no tom pessimista de algumas falas. Depois de se solidarizar com as famílias de Philips e Pereira, o cacique Américo Marubo falou na hipótese de que ambos tenham sido assassinados. “Eram pessoas que não vinham aqui pra fazer maldade com ninguém, mas infelizmente talvez alguém tenha assassinado essas pessoas”, disse. “Nós não estamos aqui para gerar conflitos. O Deus do povo Marubo não fez essa terra pra estar brigando, comercializando. Ele tá pedindo a paz para que a sociedade indígena que mora no território e dos que estão aqui, que não gerem conflito em função dessas circunstâncias, desse problema da invasão. Ele não gosta do governo porque é um governo que não pensa e não tem a mínima solidariedade com ninguém”, disse, também segundo a tradução realizada.

Ataques ao governo Bolsonaro, à Funai e seu presidente somaram-se a também a críticas aos governos locais pela falta de oportunidades de emprego à população não indígena local e pela falta de fiscalização e projetos voltados à pesca sustentável pelos ribeirinhos da região do Vale. Uma das hipóteses com que as autoridades trabalham é que o desaparecimento de Philips e Pereira esteja relacionado à pesca e caça ilegal na região.

Uma das falas mais duras foi feita pela liderança Silvana Marubo, líder das mulheres artesãs do povo Marubo, feita durante a coletiva de imprensa realizada na sede da Univaja. “Nós queremos falar às famílias do Bruno e do Dom que nós estamos sentindo a dor que eles estão sentindo. O Bruno foi nosso filho, foi nosso irmão. Eu sei o quanto elas estão sofrendo, o quanto estão desesperadas querendo notícia. Não foi uma, nem duas, nem três. Foi várias vezes que o Bruno recebeu ameaças, recebeu cartas com ameaças. Nós tivemos reuniões aqui nessa casa, chamamos o Ministério Público e ninguém fez nada! Nada!”, disse Silvana. “Agora o próprio presidente da Funai quer tirar o deles da reta dizendo que a CR [Coordenação Regional] do Vale do Javari está sendo protegida. Não está sendo protegida. A CR do Vale do Javari não é protegida pela Funai! É uma grande mentira! Eles nunca nem vieram aqui e não sabem o que os funcionários da Funai passam. Eles não tem armas, não tem como proteger quem tá lá dentro. Quem deveria proteger era a Polícia Federal, e ninguém fez nada! Hoje a mãe deles está chorando”, afirmou.

“Esse governo desde que entrou falou que não ia dar nem um centímetro de terra aos povos indígenas. Ele não foi um mentiroso. Ele falou a verdade. Ele é um covarde. Ele sabe que o índio depende da terra e hoje ele quer junto com um bando de fazendeiros, agronegócio, invadir terras e entrar onde tem a terra. Nós estamos aqui junto com nossos homens, no Brasil todo tem mulheres andando lado a lado com os homens. Enquanto vão matar um, vai nascer porque nós vamos dar fruto! Somos mulheres que geramos frutos. Vão querer matar e nós vamos estar parindo. Bolsonaro nós estamos lado a lado dos nossos parentes! Eu quero dizer pra mulher do Bruno e do Dom: nós estamos aqui, mulher, com vocês. Nós estamos chorando com vocês!”, concluiu Silvana Marubo.

*Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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