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Finalmente!

Sou uma estudiosa do período que acredita que, enquanto não julgarmos os militares por seus crimes não poderemos virar a página da Ditadura

por Maria Aparecida de Aquino em 21/08/23 18:50

Comecei a estudar, academicamente, a Ditadura Militar brasileira, há alguns anos, quando teve início o meu Mestrado. Ao longo deste período muitas questões me assombraram. Destaco duas delas como essenciais.

A primeira é a convicção de que a atitude dos militares sempre foi a de procurar agir de acordo com o provérbio popular: “uma no cravo, outra na ferradura”. Apesar de protagonizarem um regime ditatorial brutal, fizeram com que parecesse que atuavam sempre em nome da Democracia, buscando preservá-la. Segundo eles, foi em nome da Democracia que perpetraram o golpe de Estado de 1964, pois, na sua concepção, naquele momento, ela se encontrava em risco. Uma grande inverdade.

A segunda e a mais incômoda é a que, graças a diversas questões travadas no percurso dos 21 (vinte e um) anos de Ditadura, acabaram por deixar uma memória positiva do período. Isso explica as “viúvas” da Ditadura que pedem a “volta dos militares” sob o argumento de que: “aqueles é que eram bons tempos”.

Isso não acontece em países que vivenciaram realidades semelhantes como a Argentina, o Chile e o Uruguai, onde os governos militares são vistos com a sua real face, cruel e antidemocrática.
A Ditadura Militar brasileira se escudou em feitos teoricamente positivos para o país. Assim foi com o conhecido “milagre econômico” que, após a crise do Petróleo, desencadeada em 1973, demonstrou-se uma farsa. As estratégias econômicas dos ministros da época só serviram ao seu propósito real. Sob o pretexto de derrubar a inflação e “sanear” economicamente o país eliminaram empregos e baixaram salários.

Entretanto, apesar do desejo expresso nas ruas pela população brasileira de retorno democrático, a transição para a Democracia, acabou capitaneada pelos militares ainda no poder. Foram eles que conduziram a seu bel-prazer o processo do fim da censura aos meios de comunicação, a devolução das liberdades democráticas, incluindo o retorno ao pluripartidarismo e, o mais terrível, a Lei de Anistia de 1979, com a anistia a torturados e torturadores.

Nós que ingenuamente ostentávamos as faixas pedindo uma anistia ampla, geral e irrestrita, temendo que nem todos os condenados por crimes contra a Ditadura fossem anistiados, acabamos conseguindo uma anistia tão ampla que incluiu os torturadores que, desse modo, não foram julgados por seus crimes.

Sou uma estudiosa do período que acredita que, enquanto não julgarmos os militares por seus crimes não poderemos virar a página da Ditadura que, assim, continuará a nos atormentar. Surgem problemas como o desgoverno de Jair Bolsonaro, o capitão, eleito pela população, desejosa do retorno dos militares ao poder.

As revelações sobre a atuação dos militares durante o último maldito quadriênio que agora vem à tona parecem, entretanto, botar um fim nesse namoro do povo brasileiro com as Forças Armadas.
É um vício de origem. Afinal somos uma República da Espada, República que foi fruto de um golpe em 1889. E, de golpe em golpe, fomos prosseguindo: adiante, através de passos tortos.
Finalmente, chegou a hora de nos livrarmos desse passado obscuro que nos impede de alçarmos voo rumo à definitiva consolidação democrática.

Não há como disfarçar, esconder, tentar escamotear. A verdade gritante é que, durante o último governo, militares empoderados, foram venais e compactuaram com todos os crimes cometidos. Sua imagem está definitivamente marcada e, agora, creio que, finalmente, podemos virar a página e nos prepararmos para construir um país livre e justo sem sua presença onipotente.
Militares servem para proteger o país em caso de ameaças externas e devem amparar a população conforme consta na Constituição Brasileira. Qualquer outro papel que almejarem vivenciar deve ser contestado por todos nós que, temos sim, como assumir os rumos da Nação e como oferecer a melhor condição política para o nosso povo.


Maria Aparecida de Aquino é professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Possui Mestrado e Doutorado pela FFLCH/USP e Pós-doutorado pela UFSCar. Autora de, entre outros: Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978). Bauru, Edusc, 1999 e Bons Tempos, Hein? SP, Todas as Musas, 2022. Especialista em estudos sobre a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

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