Futebol e Política juntos: Tricolores de Esquerda e a luta por um jogo mais inclusivo Tricolores de esquerda / Foto: Arquivo Pessoal

Futebol e Política juntos: Tricolores de Esquerda e a luta por um jogo mais inclusivo

Na última série do MyNews, o site teve a oportunidade de conversar com o movimento da torcida do Fluminense

No último texto da série sobre como Futebol e Política caminham juntos, o MyNews teve a oportunidade de conversar com o movimento Tricolores de Esquerda. Criado em 2014, o grupo foi descrito pelo produtor cultural e curador de cinema, Bernard Brito.

Criação do Tricolores de Esquerda

R: “Os Tricolores de Esquerda têm 11 anos. No início, não existiam com esse nome, mas como Tricolores com Dilma, no segundo turno de 2014. Éramos e somos torcedores de esquerda, torcedores do Fluminense, que queriam a manutenção do projeto representado pela Dilma como presidente. Como ela disputava a reeleição, criamos um grupo de WhatsApp chamado Tricolores com Dilma, já nos últimos 20 dias de campanha. Começamos a procurar torcedores que se manifestavam a favor da Dilma. Naquele momento, o Brasil já vivia uma polarização política.

Com a vitória da Dilma, continuamos em contato, mas sem uma organização definida. Três meses depois, começaram os pedidos de recontagem de votos, e ficamos em alerta. Com as manifestações pelo impeachment, que chamamos de golpe, criamos um grupo mais organizado chamado Tricolores pela Democracia. Entendíamos que a saída da Dilma era um ataque à democracia, pois não havia motivo para retirá-la. Fomos às ruas, fizemos faixas, materiais, criamos nossa página no Facebook e passamos a nos organizar.

VEJA: Futebol e Política juntos: Flamengo Antifascista debate arquibancadas e luta contra a exclusão nos estádios

Quando Dilma foi retirada do cargo, decidimos que não bastava falar apenas de democracia. Era preciso nos posicionar como Tricolores de Esquerda. Reorganizamos o grupo, criamos uma coordenação, organizamos eventos e produzimos materiais. Durante a prisão do Lula, realizamos muitas atividades no Maracanã e participamos de passeatas pelo movimento Lula Livre. Com a eleição do Bolsonaro, atuamos intensamente, assim como durante a pandemia. Fizemos lives para arrecadação e doamos um valor ao Sindicato das Domésticas do Rio de Janeiro. Criamos um canal no YouTube, uma página no Instagram e ampliamos nossas ações. Desde o início, passei por todas essas fases e hoje faço parte da coordenação.”

Lutas dos tricolores

Nos últimos anos, o Fluminense se destacou por defender diversas causas, entre elas a luta contra o racismo. O movimento explica a importância desse debate:

R: “Vemos com bons olhos as campanhas do clube contra o racismo, a homofobia e o machismo. São pautas importantes. Mas o futebol reflete a sociedade, e nos deparamos com comentários negativos nas redes sociais. Impressiona como muitos querem separar o futebol da vida cotidiana, das guerras, da fome e da luta contra o racismo. O torcedor se revolta quando há um ato racista contra um atleta do seu time, mas ignora quando acontece com um adversário. Isso revela falta de educação. Não educação formal, mas educação para a diversidade e os direitos humanos. Os clubes trabalham pouco essa conscientização com os torcedores, inclusive o Fluminense. Apesar das postagens que admiramos, há pouca ação concreta para trazer esses temas às arquibancadas. O futebol tem um enorme poder de mensagem. Pode haver rivalidade, mas é preciso respeito. Todas as torcidas são diversas: há mulheres, homens héteros, pessoas trans, negras, com deficiência. O desafio é transformar essa diversidade em inclusão, não em divisão.

Os clubes deveriam ir além das campanhas, promovendo atividades educativas. Poderiam criar algo como uma ‘escolinha de torcedor’, organizar eventos no Maracanã com jogadores engajados e reforçar a importância do respeito entre torcidas. Hoje, destinam pouco a essas ações e focam apenas no consumo imediato do torcedor.”

Sobre cultura e educação dentro e fora de campo, o movimento afirma

R: “Mudar a cultura passa pela educação do torcedor, uma educação voltada aos direitos humanos. É fundamental compreender que o Brasil e o futebol são diversos, que adversários não são inimigos que as torcidas refletem essa diversidade. O estádio é um espaço de paixão, mas também tem regras. Precisamos trabalhar melhor essa conscientização. O torcedor brasileiro, no entanto, quer títulos imediatos. Não tem paciência para esperar três anos por um troféu. Os programas de sócio-torcedor são extremamente limitados, ao criarem somente consumidores, não cidadãos engajados. Poderiam incluir conteúdos sobre a história dos clubes, personagens importantes, figuras negras e femininas que marcaram suas trajetórias. Mas isso continua longe de acontecer.”

Tricolores de Esquerdo reunidos – Foto: Arquivo pessoal

O Tricolores de Esquerda também comentam os debates sobre futebol em geral e o Fluminense, principalmente sobre SAF

R: “Muitos acreditam que futebol e vida estão separados, mas não estão. O futebol elege políticos e influencia a sociedade, mas rejeita regulação. Basta ver a FIFA, que exige leis próprias em países onde realiza a Copa do Mundo. No Brasil, criou-se um modelo de gestão que evita controle externo. Com as SAFs, vemos torcedores do Fluminense defendendo essa mudança apenas para ter um time competitivo. Poucos se preocupam se o investidor tem um histórico duvidoso, se a SAF manterá o clube sustentável ou se é apenas um esquema de curto prazo. A prioridade se tornou o dinheiro e o desempenho imediato, não a identidade do clube.”

Dificuldade de acesso ao Maracanã

Por fim, o movimento fala sobre a elitização do Maracanã e as dificuldades para ir e voltar dos jogos:

R: “O preço dos ingressos impacta diretamente a presença da classe C e D nos estádios. Os clubes podem lucrar com camarotes, mas precisam criar políticas para torcedores de menor poder aquisitivo. Além disso, as gratuidades e meias-entradas são burocratizadas. Para retirar um ingresso gratuito, é preciso ir ao estádio um dia antes. Quem mora longe gasta com transporte e, muitas vezes, desiste. Os clubes poderiam criar pontos de distribuição em outras regiões da cidade.

Outro problema é o horário dos jogos. Partidas tarde da noite dificultam o retorno para casa, principalmente para torcedores que dependem de transporte público. O Fluminense, por exemplo, já teve jogos às 21h de um domingo, o que complica a locomoção. O horário impacta tanto quanto o preço do ingresso. Muitas vezes, o torcedor precisa ir de carro ou em caravanas para garantir que conseguirá voltar. O Fluminense criou uma categoria popular de ingressos, mas os preços ainda são altos. Hoje, comprar um ingresso é mais difícil do que ir ao cinema. Claro, não defendo um retorno ao passado, quando a compra era feita na bilheteria e havia cambistas, mas o processo atual é excessivamente complicado. Os clubes focam em transformar torcedores em consumidores, dificultando o acesso ao estádio.”

Com isso, o Tricolores de Esquerda reforça a importância de políticas que tornem o futebol mais acessível e inclusivo para todos.

Mais sobre os Tricolores de Esquerda

https://www.instagram.com/tricoloresdeesquerda_oficial/

https://x.com/TdEOficial

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