Gestão municipal moveu ação contra a greve dos médicos do atendimento primário que aconteceria nesta quarta (19). Representante do sindicato relata condições indignas de trabalho e de atendimento aos pacientes
por Julia Melo em 18/01/22 21:12
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade de São Paulo não recebem novos profissionais para atuar na linha de frente da grave situação que a Covid-19 impôs ao município e ao país. É o que afirma a médica da Estratégia de Saúde da Família da capital paulista e representante do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Vanessa Araújo.
Com a sobrecarga nas horas de trabalho, redução das equipes por adoecimento – tanto pelos vírus quanto pelo estado de exaustão – e sem a perspectiva de contratação de trabalhadores para as unidades básicas, as médicas e médicos da Atenção Primária à Saúde (APS) e o Simesp decretaram um dia de greve na capital paulista. A previsão era de que ocorresse nesta quarta-feira (19) em conjunto com ato em frente à prefeitura, às 15h.
Segundo o sindicato da categoria dos médicos, atividades no Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto Socorro (PS) seriam mantidas.
No entanto, a gestão da cidade conseguiu uma liminar na terça (18) que ordenou a suspensão da greve. Segundo a nota da Secretaria de Saúde de São Paulo, a ação movida pelo município visa manter a assistência em saúde à população em um momento crucial de enfrentamento da pandemia de Covid-19”. A decisão foi assinada pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Guilherme Gonçalves Strenger, e impôs multa diária de R$ 600 mil em caso de paralisação das atividades.
Na noite da terça-feira, os médicos do atendimento da Atenção Primária se reuniram e decidiram suspender a paralisação, mas mantiveram o ato em frente à prefeitura. Eles afirmam que não foram notificados da liminar e que souberam através da imprensa. A não realização da greve aconteceu, segundo nota do Simesp, porque a liminar coloca que o Ministério Público pode mediar negociações entre a categoria e o município.
Antes da decisão da Justiça paulista e da assembleia que suspendeu a greve, o MyNews entrevistou Vanessa Araújo, que explicou as reivindicações dos médicos e profissionais de saúde. Segundo ela, a situação vivida pelos trabalhadores da área é de desespero.
Da consulta de rotina ao ritmo de pronto socorro
Após ver o controle da pandemia com a queda no número de casos de Covid-19, os trabalhadores das unidades básicas voltaram, desde o final de 2021, a sair do ritmo de consultas de rotina para o de atendimento de pronto socorro. Os profissionais equiparam o atual nível de cansaço diante da quantidade de atendimentos diários ao que viveram nos períodos mais difíceis da pandemia de Covid-19 em 2021.
É para as UBS que as pessoas vão com qualquer sinal de sintoma gripal, seguindo as recomendações das autoridades de saúde. No entanto, segundo relatos de médicos e de suas equipes, ficou difícil oferecer atendimento de qualidade com a falta de materiais básicos para a segurança dos profissionais e atendimento dos pacientes. Segundo Vanessa Araújo, faltam desde máscaras e luvas até dipirona dentro das unidades.
“A gente trabalha em unidades em que não conseguimos fazer a separação do fluxo de pacientes com sintomas respiratórios com suspeita de Covid-19, dos pacientes que vão às unidades para fazer as consultas de rotina, o acompanhamento de doenças crônicas. Como é o caso dos diabéticos e hipertensos que frequentam essas unidades básicas de forma rotineira e são obrigados a circular no mesmo ambiente em que há essa demanda de pacientes com sintomas respiratórios. Acaba aumentando o risco de uma contaminação cruzada”, relata a médica Vanessa Araújo.
Os médicos, segundo a representante do Simesp, se articularam para buscar diálogo com a prefeitura e encontrar uma saída para os problemas. Diante da ausência de respostas, foi decidido numa assembleia na quinta-feira (13) um dia de greve, acordado para o dia 19 de janeiro, quarta-feira. Após o anúncio, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de São Paulo se reuniu com os representantes da categoria nesta segunda (17), mas até o fim do encontro, a previsão era de que a greve seria mantida.
Segundo Vanessa, o secretário de Saúde, Edson Aparecido, teve uma postura rude durante a reunião. Na ocasião, a equipe de médicos da Atenção Primária à Saúde contou da ausência de materiais de trabalho e a sobrecarga dos profissionais para justificar o estado de greve, mas afirma que foi desacreditada por Edson Aparecido.
“O secretário anunciou, de forma muito midiática, a contratação de 700 profissionais [para atuar na saúde]. Mas esses 700 profissionais são todos destinados a outros tipos de estabelecimento, nenhum profissional destinado para as unidades básicas”, conta a representante do sindicato. Na reunião com os médicos, o secretário também enfatizou as contratações, apesar de, segundo o Simesp, não incluir trabalhadores para as UBSs.
Até 13 de janeiro, segundo dados mais recentes da Secretaria de Saúde do município, 3.193 profissionais de saúde estavam afastados do trabalho. Desse total, 1.403 estavam com Covid-19 e 1.683 com outros problemas respiratórios.
Médicos compram insumos para conseguir atender pacientes
São 469 unidades básicas de saúde na cidade de São Paulo. Em meio à explosão de casos de Covid-19 e de Influenza, o Simesp ouve relatos de médicos que precisaram comprar insumos para conseguir trabalhar: “Visitamos uma unidade na semana passada em que a colega relatava que ela mesma comprou luvas para fazer os atendimentos. Esse é um relato, mas esconde outras situações semelhantes que acontecem na cidade inteira. Os profissionais estão ficando desesperados”.
Especialmente no caso da Covid-19, o G1 e a Folha de S.Paulo noticiaram uma enorme discrepância entre os dados da prefeitura e do estado. Enquanto o governo municipal notifica milhares de casos num dia, o estado afirma que não passaram de centenas. Mas os profissionais têm sentido na pele a elevação da transmissão das doenças e a necessidade de mais profissionais para as equipes.
Vanessa Araújo reforça que a exaustão atinge todos os profissionais das unidades, não somente os médicos. Outras categorias que estão na linha de frente como a dos enfermeiros, que também reivindicam direitos e discutem a possibilidade de paralisação.
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Prefeitura afirma que está regularizando banco de horas
O MyNews entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo sobre as denúncias feitas pelo Simesp. Recebemos como resposta a nota que anuncia a liminar que suspende a greve. No texto, é ressaltado a regularização do banco de horas e a contratação dos 700 funcionários para a saúde.
Leia a nota na íntegra:
“São Paulo, 18 de janeiro de 2022 – A gestão municipal obteve na tarde desta terça-feira (18) liminar que suspende a paralisação que o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) havia convocado para esta quarta-feira (19). A ação movida pelo município visa manter a assistência em saúde à população em um momento crucial de enfrentamento da pandemia de Covid-19.
Segundo a decisão assinada pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Guilherme Gonçalves Strenger, diante dos graves prejuízos que podem ser causados à população pela paralisação e considerando a proximidade da data da audiência de conciliação que será designada, a integralidade dos servidores municipais da categoria profissional de médicos deve permanecer em atividade, sob pena de multa diária de R$ 600 mil em caso de descumprimento.
Cabe salientar que na tarde de ontem (17), após reunião do secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido, com representantes da categoria, o prefeito Ricardo Nunes autorizou que o pagamento de 100% do banco de horas acumuladas até 31 de dezembro do ano passado seja efetuado ainda neste mês, com os salários de janeiro. Além disso, a partir de agora, todas as horas extras e plantões extras serão pagos dentro da folha de pagamento do respectivo mês, inclusive para os servidores.
No encontro o secretário Edson Aparecido destacou que todas as organizações parceiras já receberam autorização para contratação de 700 profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem para atender ao aumento de demanda nas unidades de Atenção Básica, a critério das Coordenadorias Regionais de Saúde (CRSs). As OSSs também estão autorizadas a comprar medicamentos e insumos de forma emergencial, caso a secretaria tenha alguma dificuldade pontual com seus processos de compras.
Foi pontuado ainda que a partir do próximo sábado (22) as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) abrirão em sistema de polos. Isso é, serão abertas por região as unidades que têm alta demanda nas quais serão concentrados um maior número de profissionais a fim de otimizar o atendimento à população. Inicialmente serão 165 unidades-polo. Se houver nas próximas duas semanas uma estabilização ou redução do número de casos de Covid-19, a abertura das UBSs aos fins de semana será suspensa.
O secretário ressaltou também que a fim de ampliar a capacidade de atendimento da rede básica, 33 Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs), Unidades Básicas de Saúde (UBSs), e AMAs/UBSs Integradas tiveram o de funcionamento ampliado das 19h para as 22h, a partir de hoje. Outras seis unidades que abriam 12 horas passam a funcionar 24 horas. Com as outras 14 que já funcionavam 24h, serão ao todo agora 20 AMAs atendendo em tempo integral. Também foram montadas 23 tendas para acolher a população nas unidades do município.
Ainda como parte do Plano de Contingência Hospitalar, anunciado na última semana, foram reservados 1.110 leitos exclusivamente para o tratamento de pacientes com Covid-19. Os leitos serão disponibilizados nos hospitais municipais Tide Setúbal, Waldomiro de Paula, Brasilândia, Guarapiranga, Parelheiros, Cachoeirinha, Menino Jesus e no hospital Professora Lydia Storópoli.”
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