O Estado brasileiro perdeu o controle sobre a Região Amazônica. As leis brasileiras - boas ou más, não importa - simplesmente não valem naquela vastidão territorial.
por Cândido Prunes em 15/06/22 09:21
A entrevista concedida por Sydney Possuelo ao “Roda Viva” em 13 de junho lançou algumas luzes importantes sobre como o Estado brasileiro perdeu o controle sobre a Região Amazônica. As leis brasileiras – boas ou más, não importa – simplesmente não valem naquela vastidão territorial. Possuelo, ex-presidente da Funai (1991 – 1993) e conhecedor profundo da região, relatou uma infinidade de atos ilegais cometidos por brasileiros e estrangeiros. A voracidade crescente com que as riquezas da Amazônia vem sendo dilapidadas, com emprego de violência contra indígenas e ribeirinhos, é assustadora. Está ocorrendo uma verdadeira rapina antiecológica contra aquele bioma em proporções nunca vistas.
Entre as muitas coisas que causam espanto é o fato de que nem sempre foi assim. Houve tempo em que o governo impunha suas regras na região. Temos, por exemplo, o caso do explorador alemão Alexander von Humbold. Ele liderou uma expedição científica à América Latina, que durou quatro anos, no final do século XVIII. A Corte Espanhola o autorizou a desbravar territórios que hoje pertencem à Venezuela, Colômbia, Equador e Peru, entre outros. Humboldt tentou incluir o Brasil em seu roteiro, mas Dom João VI, então príncipe regente, desconfiou sobre as reais intenções do alemão e proibiu o seu ingresso na Amazônia. Mandou ordens para os fortes que protegiam a região para prender Humboldt, se ele entrasse no Brasil. Resultado: Humboldt mapeou o canal do Cassiquiare (que liga as bacias do rio Orinoco com a do rio Negro), mas não adentrou na Amazônia brasileira. Do ponto de vista científico foi uma perda enorme, mas a Corte portuguesa demonstrou em 1800 que ela estava no controle da região.
Nas últimas décadas o estado brasileiro foi perdendo a sua soberania sobre a a Amazônia das mais diversas formas. Em 2003 uma expedição militar francesa, a bordo de um Hercules C-130, com 11 militares e diplomatas a bordo, pousou no aeroporto de Manaus sem maiores explicações. Aparentemente seria uma operação de resgate da senadora colombiana Ingrid Betancourt, que teria sido levada sequestrada pelas FARC para território brasileiro, onde seria entregue diretamente para as autoridades francesas. A missão não resultou em nada, houve pedido protocolar de explicações à França e o incidente logo caiu no esquecimento. Mas além do avião militar francês, sabe-se que diariamente o espaço aéreo da Amazônia é violado por aeronaves nacionais e estrangeiras. Desde narcotraficantes até contrabandistas de ouro e metais preciosos cruzam sem controle os céus da região. O trânsito de embarcações também ocorre sem controle. O crime organizado se infiltrou até nos confins da floresta, como demonstra o desparecimento do jornalista inglês e do indigenista brasileiros. O vale do rio Javari, onde eles desapareceram, fica numa das áreas mais remotas da Amazônia, distante de qualquer cidade. Mas agora sabe-se que barcos pesqueiros de grande porte estão chegando até lá, praticando uma pesca predatória em prejuízo das comunidades indígenas e ribeirinhas. Até mesmo extração de madeira em grandes proporções foram registradas naquela remota área.
Diante desse quadro é razoável indagar-se como a Coroa de Portugal conseguiu manter a sua soberania sobre a Amazônia, com apenas alguns fortes estrategicamente localizados, mas o atual Estado brasileiro não consegue inibir o narcotráfico, a prostituição infantil, o garimpo ilegal, a pesca e a caça predatórias, o desmatamento sem controle, a grilagem de terras, a violência contra silvícolas, etc. O que fazem as polícias militares desses estados, a Polícia Federal, a Marinha, o Exército, a Força Nacional de Segurança Pública, os ministérios da Justiça, da Pesca, das Minas e Energia, do Meio-Ambiente, a Funai, o IBAMA, o Ministério Público e o Judiciário? Há toda uma estrutura montada, mas que se demonstra completamente ineficaz para impor as leis brasileiras naquela região. Mas a situação é pior do que mera incapacidade ou inoperância do Estado brasileiro. Como comentou Possuelo, as autoridades brasileiras são muitas vezes ameaçadas pelos criminosos e não raramente executadas pelos bandidos que mandam na Amazônia.
Que o desaparecimento do jornalista britânico, com o clamor internacional que causou, sirva para que o Estado brasileiro retome aquela enorme área e proteja os cidadãos que lá vivem.
*Cândido Prunes é advogado, pós graduado em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo e no programa executivo de Darden – Universidade de Viriginia, é autor de “Hayek no Brasil”.
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