Patriotas que odeiam seu país: genealogia do entreguismo brasileiro Atos de terrorismo na Esplanada marcam negativamente a história do país (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Patriotas que odeiam seu país: genealogia do entreguismo brasileiro

Coluna do Daniel Carvalho de Paula no MyNews

Ao longo da história do Brasil, consolidou-se uma ideologia de auto desvalorização que perpassa diversas camadas da sociedade e assume formas variadas conforme o tempo. Essa ideologia, que podemos denominar de “entreguismo”, atua como estrutura de pensamento que nega o valor intrínseco do país e do seu povo. Trata-se de uma ideologia entranhada, que opera como uma repulsa sistemática à ideia de pertencimento nacional. Em sua raiz, há um ethos que legitima a exploração do território e das pessoas em nome de interesses externos, a visão do Brasil enquanto feitoria — espaço produtivo voltado para fora, desprovido de projeto interno de emancipação.

Patriotas que odeiam seu país

No final do século XIX e início do século XX, essa lógica manifestou-se por meio da eugenia. A narrativa da inferioridade brasileira apoiava-se em pressupostos racistas e pseudocientíficos: o país estaria condenado ao fracasso por ser mestiço, por conter “demasiado sangue negro e indígena”, por ser tropical, e, portanto, degenerado aos olhos das elites que ansiavam por uma branquitude europeia. Essa negativação do corpo nacional criava um diagnóstico fatalista: o Brasil não poderia “dar certo” por conta de sua constituição racial e geográfica. O colonialismo mental se convertia em projeto civilizacional excludente — importava-se a cultura europeia ao mesmo tempo em que se negava o que era nativo, popular ou mestiço.

A partir da metade do século XX, especialmente nos anos 1950, essa ideologia transformou-se, mas não perdeu seu viés negativo. Substituiu-se o racismo eugenista por uma crítica ao suposto atraso institucional herdado de Portugal. A ideia do patrimonialismo — originalmente uma categoria da sociologia weberiana — foi instrumentalizada para compor o novo diagnóstico nacional: o problema do Brasil estaria no “jeitinho brasileiro”, na confusão entre o público e o privado, na preguiça do povo, na incapacidade de distinguir dever e interesse pessoal. Essa forma de negativação cultural reforçava a crença de que os males do país são internos, intransponíveis, quase naturais. Novamente, o país aparecia como inviável, como um “erro histórico”.

Essa ideologia se torna ainda mais funcional quando a vinculamos à estrutura de acumulação capitalista brasileira, historicamente baseada na exportação de produtos primários. Para que esse modelo se mantenha, é necessário construir uma visão de mundo em que o território seja visto como recurso a ser explorado — e não como espaço de vida e construção coletiva. A mineração, o agronegócio monocultor, o desmatamento, tudo isso depende de uma subjetividade nacional que aceite passivamente a degradação ambiental e social. Isso só é possível por meio da negação da identidade nacional, por meio da negativação do território.

Assim, o entreguismo não é apenas um discurso; ele é um dispositivo ideológico. Ele age ao criar o sentimento de que o Brasil é inviável, que “isso aqui não vai pra frente”, que o futuro está em outro lugar, em mãos e capitais estrangeiros — na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá. A ideia de “dar certo” se torna, portanto, sinônimo de emigrar e entregar a operação dos nossos potenciais a outrem. O desejo de pertencimento é substituído pelo desejo de fuga. E assim, consolida-se uma utopia invertida: não se trata mais da construção de projeto de país soberano, mas de abandoná-lo o quanto antes.

 

*Daniel Carvalho de Paula é Doutor em História e professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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