“Anistia ampla, geral e irrestrita” não cabe na boca de bolsonarista Mobilização pela anistia, em ato no Rio de Janeiro, em agosto de 1979. Esse registro foi feito por agentes da ditadura ! Foto: SNI/Arquivo Nacional

“Anistia ampla, geral e irrestrita” não cabe na boca de bolsonarista

Expressão foi cunhada no combate à ditadura, em favor da volta dos exilados e pelo perdão dos acusados de crimes contra um Estado de exceção

A foto acima, que ilustra esse texto, é um registro feito por agentes do SNI (Serviço Nacional de Informações), em plena ditadura, em agosto de 1979. É de uma mobilização no centro do Rio de Janeiro em favor da anistia ampla, geral e irrestrita. E faz parte hoje do acervo do Arquivo Nacional, em Brasília.

Uma expressão – “anistia ampla, geral e irrestrita” – cunhada no final dos 1970,  na criação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), e que virou bandeira da luta pela volta dos exilados, da democracia e o perdão aos perseguidos políticos pelo regime militar em vigor. Mais que um slogan, era uma manifestação na defesa do estado democrático de direito, com início. Portanto, não cabe na boca de bolsonaristas. Os filhos do ex-presidente e aliados têm a empregado de forma bem inapropriada, para dizer o mínimo.

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A Lei de Anistia, que veio na sequência, duramente criticada e que tem sua revogação defendida, acabou beneficiando também torturadores, mas a expressão e seu contexto não cabem no vocabulário de bolsonaristas, que a utilizam hoje como pretexto para “anistiar” Jair Bolsonaro, seus generais e centenas de seus seguidores que tentaram dar um golpe de Estado nos estertores do governo passado.

Não é para quem elogia a ditadura

Ex-presidente da Comissão de Anistia, entre 2023 e 2024, a professora Eneá Stutz é catedrática no tema. É crítica ao uso da “anistia ampla, geral e irrestrita” pelos bolsonaristas. Eneá conduz, na UnB (Universidade de Brasília) um grupo de verdade, memória e justiça de transição.

“Infelizmente,  têm havido manifestações, atualmente, no sentido de uma nova Lei de Anistia para quem sempre enalteceu a ditadura ocorrida no Brasil a partir de 1964 e permanentemente ataca a democracia, inclusive com o uso da expressão ‘ampla, geral e irrestrita’. Essa postura, além de distorcer a Lei de Anistia de 1979, é uma desqualificação das lutas de tantas pessoas pela democracia, porque o ordenamento constitucional brasileiro não permite uma lei de anistia política para quem é contrário à democracia e elogia a ditadura”, afirmou Eneá Stutz.

Para a professora, a Lei de Anistia não foi ampla, nem geral, nem irrestrita, pois vários exilados permaneceram sem direito a passaporte e proibidos de retornar ao Brasil.

“Entretanto, sem dúvida foi a lei que anistiou quem lutava por democracia e contra a ditadura. A tentativa de um projeto que tramita no Congresso Nacional é de uma lei de anistia de esquecimento. Esse tipo é inconstitucional, porque a Constituição não permite anistiar quem defende a ditadura e ataca a democracia”, complementa.

O exílio do ex-senador

Perseguido pela ditadura e exilado naquele período, o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, um dos fundadores do PSDB, diz que os bolsonaristas querem se apropriar de uma “fórmula” usada por quem combateu o regime de exceção, que fez parte do movimento democrático.

“A expressão fez parte da luta pela anistia, que significou uma virada de página. Para sair de uma situação autoritária para a democracia. E não para ser empregada agora, para resolver a situação do pai do deputado que tem dito isso (Eduardo Bolsonaro). Ao contrário daquele período, hoje não tem ninguém sendo perseguido ilegalmente, preso, torturado, exilado. O que foi o meu caso. Fui condenado na ditadura, vivi como refugiado político na França e me beneficiei da anistia. E retomamos a nossa vida”, disse Aloysio Nunes ao MyNews.

“O regime autoritário foi substituído pela democracia e o preço, o pedágio foi anistiar todo mundo, inclusive os que cometeram crimes contra a oposição na época”, completou o ex-senador, hoje assessor especial da Apex em Bruxelas.

 

As alegações finais do procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre a tentativa de golpe de Estado recente no país, fulminaram de vez com qualquer possibilidade de não punição penal aos envolvidos naquela conspiração. Em 500 páginas, o PGR destruiu a ideia de que são dignos de anistia alguma, muito menos ampla, geral e irrestrita.

“A denúncia não pode ser analisada como narrativa de fatos isolados, mas, antes, há de ser contemplada como relato de uma sequência significativa de ações voltadas para finalidade malsã, aptas, na soma em que se integram, para provocar o resultado que a legislação penal pune”, escreveu Gonet.

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