Conselheira da Comissão de Anistia aciona PF durante julgamento Reunião da Comissão de Anistia, na qual a relatora Marina Steinbruch (à esquerda) pediu apuração da Polícia Federal | Foto: Reprodução/MDHC SUSPEITA DE FRAUDE

Conselheira da Comissão de Anistia aciona PF durante julgamento

Marina Steinbruch, relatora do caso, entendeu haver indícios de falsidade na carteira de trabalho de um requerente e quer a PF no caso; advogada negou qualquer ilegalidade

Um fato raro, se não inédito, ocorreu na Comissão de Anistia, criada há 24 anos, e que julga pedidos de reparação e indenização a quem se sente perseguido e prejudicado por atos da ditadura militar, que durou 21 anos no Brasil. No julgamento de um caso na última sexta-feira, uma das conselheiras integrantes do colegiado, a advogada Marina Steinbruch, anunciou acionar a Polícia Federal para investigar as provas apresentadas em um dos processos.

No pedido de anistia do ex-militante Fábio José Cavalcante de Queiroz dados da carteira de trabalho chamaram a atenção de Steinbruch, relatora do processo. Ela não apenas negou provimento ao pedido, que era do recebimento de uma prestação mensal e continuada, como, no final, anunciou que pediria que a PF entre no caso e investigue. A relatora integra a comissão desde maio de 2007, há 18 anos.

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O requerente apresentou no processo ser ex-funcionário da Prefeitura de Juazeiro do Norte, no Ceará, na década de 1980. Como professor. Se tratava de um recurso, esse caso já havia sido negado e arquivado na comissão, no governo de Jair Bolsonaro. No colegiado, Cavalcante é representado pela advogada Ana Lúcia Marchiori, que atua em dezenas de processos na Comissão de Anistia.

O requerente informou que foi militante político e sindical e fez oposição ao regime militar. Chegou a ser candidato a deputado estadual pelo PT, em 1990. A relatora negou também o pedido de Cavalcante porque entendeu que a perseguição política não foi comprovada.

Na Carteira de Trabalho de Cavalcante, que foi professor na cidade, aparecem várias contradições, no entendimento de Steinbruch. No documento, aparece de forma sequencial e com a mesma letra, os registros dos cargos que ocupou no município como professor, em vários momentos: de 1984 a 1986 e de 1986 a 1989. E um terceiro posto, como calculista. Todos com mesmo tipo de caneta e letra.

A Carteira de Trabalho é datada de 16/03/88, e a anotação posterior, a alteração de seu sobrenome de Cavalcante para Cavacanti é de 2002, sem nenhum registro de trabalho. Os registros são a partir de 20/02/84, e as páginas são sequenciais.

Antes que seu voto contrário a concessão da anistia ao requerente fosse votado, o conselheiro Mário Albuquerque pediu “vistas”, que significa paralisar o andamento do caso e adiá-lo para outro momento. Ele argumentou ser um caso do Ceará, seu estado natal. Na sequência, mesmo com a suspensão do caso, a relatora anunciou que pediria que a Polícia Federal investigasse o caso, decisão que já estava tomada.

“Já estava rascunhado o que está acontecendo aqui e que os autos fossem levados a Polícia Federal para saber o que está ocorrendo nesse processo. É muito importante saber de onde vieram essas provas. As letras são as mesmíssimas e não há identificação de seu nome nos cargos que ocupou. Trazer provas para essa comissão é um processo muito importante, e fazemos isso há 17 anos”, disse Marina Steinbruch na sessão.

“Independente da vista do Mário, apresento requerimento para que a Polícia Federal investigue o que consta nesse processo”, completou.

Antes de suspender a tramitação do caso, o conselheiro José Carlos Moreira, que presidia a sessão, elogiou a atuação da relatora.

“A conselheira Marina sempre criteriosa nas suas análises. Criteriosa e cuidadosa”, afirmou José Carlos.

OUTRO LADO

A advogada Ana Lúcia Marchiori disse ao MyNews que não há fraude na Carteira de trabalho de seu cliente e afirmou que, como em outros casos, é comum a perda ou extravio desse documento. E, depois, é solicitado ao empregador fazer as antigas anotações numa nova Carteira.

“É mais comum do que parece acontecer esse tipo de coisa. Muita gente não tem mais a Carteira guardada”, disse Marchiori.

Antes da sessão, a advogada solicitou a relatora para retirar o processo da pauta de votação, e não foi atendida. Marchiori afirmou que a razão desse pedido é que constava indevidamente no processo o depoimento de uma pessoa a favor de outra, mas que não era Fábio Cavalcante.

“Algo que também acaba acontecendo dado o volume de documentos com os quais lidamos e acaba ocorrendo algo assim. Mas foi só isso”, contou.

Perguntada se não estava preocupada com possível investigação da Polícia federal, a advogada afirmou que não, porque confiava nas provas e disse ter confiança que o “novo relator”, que é o conselheiro Mário Albuquerque, terá outro entendimento do caso. O conselheiro que pede vistas de um processo geralmente apresenta novo voto e, se contrário ao do relator ou relatora, acaba confrontado e vai a voto no plenário.

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