Filhos e netos de vítimas da ditadura cobram do Estado anistia coletiva O Coletivo Filhos e Netos de vítimas da ditadura se mobilizam em atos contra toda e qualquer lembrança que remeta aos anos de chumbo no Brasil | Foto: Arquivo pessoal HERANÇA DA REPRESSÃO

Filhos e netos de vítimas da ditadura cobram do Estado anistia coletiva

Descendentes de perseguidos e mortos pela ditadura argumentam no pedido que a violência estatal atravessa gerações, deixa marcas e querem medidas reparatórias

Filhos, netos, sobrinhos e enteados de vítimas e de perseguidos pela ditadura militar protocolam hoje, na Comissão de Anistia, um pedido inédito de anistia coletiva a esses descendentes de familiares atingidos pelas arbitrariedades do regime.

O requerimento será protocolado nesse colegiado, sendo vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. No pedido, o coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, com a Defensoria Pública da União, argumentam que a relevância de anistia a esses parentes das vítimas se fundamenta no reconhecimento jurídico e histórico de que os efeitos da violência estatal atravessaram gerações.

Famílias cobram Anistia coletiva

“O exílio, a clandestinidade, as prisões arbitrárias e as execuções não cessaram nos corpos das vítimas diretas: seus filhos e netos também carregam as marcas dessa repressão”, diz trecho do documento, que foi elaborado nos últimos meses a partir de relatos desses descendentes.

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No documento não consta apenas pedido do reconhecimento oficial da extensão da perseguição aos filhos e netos, mas inclui também pedido de medidas reparatórias, como acesso facilitado a serviços de saúde mental, revisão de registros e políticas de memória.

“Esses depoimentos evidenciam os impactos concretos dessa perseguição sobre os descendentes: separação forçada de familiares, trauma psicológico, perda de direitos civis, vigilância contínua e dificuldades de reinserção social e profissional”.

A possibilidade de pedido de anistia coletiva foi introduzida nesta gestão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, medida implementada pela professora Eneá Stutz, ex-presidente da Comissão de Anistia.

O documento será entregue por Bruno Arruda, defensor público federal e coordenador do Observatório Nacional sobre o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça de Transição da Defensoria Pública da União. O ato de protocolo será às 13h, na Sala de Reuniões Plenária da Comissão de Anistia, no Edifício Multibrasil, e reunirá membros do coletivo, especialistas em justiça de transição e autoridades envolvidas no processo.

Jana Sá, filha de um perseguido e torturado

Jana Sá é filha de Glênio Sá, que foi militante do PCdoB e um sobrevivente da Guerilha do Araguaia, após prisões e torturas. Glênio nunca deixou de ser um perseguido e documentos comprovam a perseguição até sua morte, em 1990, em circunstâncias não esclarecidas.

“A repressão não acabou com a redemocratização. Ela atravessou gerações atingindo filhos e netos de perseguidos políticos. Minha família viveu isso. Minha mãe perdeu o emprego, meus tios foram exilados, impedidos de estudar. Eu mesma desenvolvi uma diabetes tipo 1, agravado pelo trauma da morte de meu pai. Queremos que o Estado reconheça os impactos da repressão em nossas vidas e que avance na reparação histórica”, disse Jana ao Canal MyNews. 

Camilo Capiberibe nasceu durante exílio dos pais, no Chile

Filho de João e Janete Capiberibe, que foram militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), no Pará, Camilo Capiberibe, que como o pai foi governador do Amapá, nasceu no exílio dos pais. João e Janete foram presos e fugiram do Brasil, passando pela Bolívia, Peru e Chile, onde nasceram ele e a sua irmã gêmea, Camila. De lá, com a ditadura Pinochet, foram para o Canadá.

“Essa ação coletiva é muito importante para deixar muito claro para a sociedade que quem agiu de maneira arbitrária, com violência foi a ditadura militar, que perseguiu, prendeu, matou, desapareceu e torturou com brasileiros. A anistia foi além do que deveria ter ido. Eisso precisa ser anunciado para toda a sociedade para o povo brasileiro não confundir, como no passado recente confundiram, como se a ditadura fosse uma  coisa boa. Não é bom”, disse Camilo ao Canal MyNews.

Léo Alves, neto de um morto e desaparecido pela ditadura

Neto de Mário Alves, morto há 55 anos e desaparecido até hoje, Léo Alves associa o pedido de anistia coletiva de hoje com o momento em que o STF julga os réus acusados da tentativa de um golpe de Estada no país. Mário foi sequestrado, preso ilegalmente e torturado por agentes do Doi-Codi no Rio, em 1970. Nunca mais foi visto.

Sua mulher, Dilma Borges, empunhou uma luta para obter informações do marido e participou intensamente da luta dos familiares de mortos e desaparecidos.

“Nossa luta é para que os golpistas do passado sejam julgados e os de hoje também, porque essa violência perpetrada pela ditadura continua nas favelas, no campo e nos territórios indígenas. A gente fica feliz de representar não apenas o Coletivo de Filhos e Netos, mas é extensivo a todos filhos, filhas, netos e netas, sobrinhos e sobrinhas. Todos que sofreram danos naquela época, não só nossos ascendentes, mas os danos são continuados, permanecem”, disse Léo ao Canal MyNews.

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