O deputado federal e pastor evangélico Otoni de Paula (MDB-RJ) comprou uma briga no seu próprio segmento quando esteve no Palácio do Planalto, em outubro do ano passado, e fez uma oração com a imposição de mãos sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até hoje, quatro meses depois, Otoni é´cobrado por essa visita a Lula. Candidato a presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que ocorre essa semana, o parlamentar tem sido apontado e chamado de “novo comunista gospel do Brasil”, como ele conta ao MyNews.
Otoni de Paula rechaça as críticas de seus pares, diz que o evangelho prega que se ore por todos, sem distinção. Sua ida ao Planalto tem sido usada contra ele nessa disputa pelo comando da bancada evangélica. Na ocasião, ele participou da cerimônia de sanção do Dia Nacional da Música Gospel.
“Não vou me submeter a uma caixinha política, que me tutela e me impede como cristão de orar pelo presidente da República. Só posso orar pelo Bolsonaro? Só pedir a Deus por Bolsonaro? O Lula é o quê? O capeta? O satanás? Somente o Bolsonaro é homem de Deus? O que é isso? Estão reduzindo a nossa Igreja. Nosso papel é orar pelas autoridades”, disse Otoni nessa entrevista.
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Para o parlamentar fluminense, condenar sua ida até o presidente é uma espécie de idolatria política que está se vivendo hoje nas igrejas. E ouve que, caso vença a disputa para liderar a bancada, haverá uma debandada de bolsonaristas na frente.
“Tenho divergências incuráveis com o PT, tenho divergências com o Lula, muitas, mas preciso orar pelas autoridades. Os que me condenam porque estive no Palácio do Planalto orando por uma autoridade precisa rever o cristianismo que ele prega, a Bíblia que ela lê. Ela manda orarmos pelas autoridades. E os colegas que não têm interesse na minha vitória, na frente, estão até ameaçando, se o Otoni ganhar, que vai ter uma debandada de bolsonaristas. Coisa feia. Se eu perder, vou continuar no grupo. Sou um evangélico. Questiúnculas de Bolsonaro e Lula e PL e PT são maiores que nossas causas de fé, nossos princípios e valores?”
Todavia, ainda por conta dessa sua ida ao Planalto, Otoni foi batizado de “novo comunista gospel” do Brasil. O deputado e pastor dispensa essa alcunha, mas deixa registrado que ora também pelos comunistas. Aproveitou para dizer que pede nas suas orações também pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou busca e apreensão na sua casa.
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“Querem colar em mim a imagem de que sou o novo comunista gospel do Brasil. Não tenho tendência a ser comunista, mas oro pelos comunistas também. Assim como oro pelo Alexandre de Moraes, que mandou a Polícia Federal na minha casa e suspendeu minhas redes sociais por dois anos”.
Mas, garante Otoni, que se eleito for para presidir a bancada evangélica, essa frente não será “nem um puxadinho do bolsonarismo nem subserviente ao atual governo do presidente Lula”. Entende, porém, que a pauta dos evangélicos não pode se restringir a diretriz conservadora. Que precisa ser ampliada.
“Não pode ser apenas restrita há um movimento do conservadorismo, as pautas morais que são muito importantes para a gente. Mas, e as pautas sociais? São caras para nós, somos cristãos. Quando falta o pão, o alimento do órfão, da viúva, do necessitado, tudo isso, implica na nossa causa como membro da frente. Estamos discutindo pouco essas questões e nos prendendo muito apenas nas pautas morais e conservadoras, que são importantes, mas temos mais que contribuir para a nação”.
Nesse universo no qual política e religião são práticas juntas e misturadas, há décadas, Otoni de Paula diz que os antigos pastores, profeticamente, projetaram o que ocorreria quando esse encontro – entre política e religião – se desse. Para o deputado, de 2018 para cá, porém, surgiu o que chama de novo fenômeno, que é o ódio político que dividiu a Igreja.
O pastor-deputado puxou o raciocínio que, desde Lula, o PT sempre teve candidatos em todas eleições presidenciais e que, até 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito, nunca um evangélico que votou no Lula, na Dilma Rousseff ou no PT foi expulso ou chamado de falso irmão.
“É um fenômeno de 2018 para cá. Antes, todo mundo se respeitava. ‘Você votou no Lula, meu irmão? Aquele sapo barbudo. Votou no PT? Pelo amor do senhor Jesus’, dizia um ao outro, mas tinha cordialidade. Esse ódio, essa negação do direito do outro votar em quem ele quiser começou agora. E isso dividu muito a igreja”, declarou Otoni de Paula, que complementou com o raciocíonio de que o conservadorismo não é o evangelho. E que o evangelho não pode ser substituído pelo conservadorismo.
“O evangelho do senhor Jesus Cristo exige mudança de vida, transformação de comportamento a partir do arrependimeto. O conservador se acha uma pessoa tão pura, tão pura que ele não necessita do evangelho. Então, o que tá acontecendo e esse é um fenômeno. Muitos, em nome do conservadorismo, estão entrando na nossas igrejas e pegando os votos desses deputados genuinamente evangélicos. O cara chega lá e se diz bolsonarista e basta dizer assim: ‘sou a favor da vida desde a concepção’, mas já mandou a namorada abortar três. ‘Sou contra as drogas’, mas é um cheirador de cocaína”.
E encerra sua estrutura de pensamento com uma declaração que reconhece e admite ser um pouco polêmica. Otoni diz que é conservador, mas que, antes, vive o evangelho de Cristo, que não permite que veja a vida sob o prisma da ideologia. E que onde percebe o Cristo ali estará, seja ideia da direita ou da esquerda.
“Mas não se espante porque o Anticristo, de acordo com a Bíblia, não será alguém vindo do progressismo. Esquece, esquece. O Anticristo, de acordo com os detalhes que a Bíblia dá, ele virá do conservadorismo, possivelmente virá da própria direita. Porque a Bíblia diz que ele será uma figura tão convincente que se possível for vai engana até os salvos, os escolhidos. Ora, diz que vai enganar Israel. Portanto, o Anticristo é alguém pró-família, pró-Israel, alguém pró-valores alguém e que defende nossos princípios. E, lá na frente, diz a Bíblia, vai se revelar o Anticristo. Então, o Anticristo não pode vir da esquerda, porque senão vai me enganar, não dos ares progressistas. Mas se virá com capa protetora de Deus, Pátria e Família, aí posso me enganar porque veio com uma capa que me agrada”.