Em aceno para os caminhoneiros, proposta do governo federal para reduzir tributo dos combustíveis tem entraves políticos e econômicos, e pode onerar governos estaduais.
por Juliana Causin em 07/02/21 14:48
A semana que começou com ameaça de nova greve de caminhoneiros terminou com anúncio de intenções do governo do presidente Jair Bolsonaro para mudar a tributação dos combustíveis e tentar baixar o preço do diesel — maior demanda da categoria.
A proposta do governo federal é, por um lado, enviar um projeto de lei que estabeleça um valor fixo do ICMS sobre os combustíveis ou que mude a incidência do imposto para cobrança nas refinarias — não nos postos, como acontece hoje. O objetivo seria “evitar a volatilidade” nos valores que são praticados para os combustíveis, segundo Bolsonaro.
Hoje, o ICMS, que é o principal meio de arrecadação dos governos estaduais, é calculado com base no preço médio cobrado ao consumidor final. Fica a cargo da legislação de cada estado a definição sobre as alíquotas do imposto.
O primeiro entrave para avanço dessa proposta é esse. “Nenhum governador vai abrir mão de tributação para subsidiar combustível. Essa é a primeira coisa”, disse ao Dinheiro na Conta o ex-diretor-geral da ANP e professor da PUC-RJ, David Zylbersztajn. “Seria uma perda muito grande para os estados que não têm condições de abrir mão de tributo para subsidiar combustível fóssil — que é poluente e que vai na contramão de tudo que está acontecendo no mundo”, acrescentou.
A reação à proposta de Bolsonaro não demorou a vir. Na sexta-feira (5), dia do anúncio, secretários estaduais de Fazenda responderam às declarações do presidente. “Os expressivos aumentos nos preços dos combustíveis ocorridos a partir de 2017 não apresentam qualquer relação com a tributação estadual”, afirmaram em nota divulgada apresentada pelo Consefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda).
Desafeto de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria, reclamou do que diz ser uma tentativa do governo em transferir a responsabilidade sobre o tema para os estados. “Não é cabível que o presidente queira vulnerabilizar o equilíbrio fiscal dos estados, transferindo a responsabilidade para os estados, pela eliminação ou redução do ICMS do combustível”, disse o governador em coletiva no Palácio dos Bandeirantes na última sexta-feira (4).
Para Ricardo Castagna, tributarista sócio da LacLaw Consultoria, se a proposta de um lado traz mais “previsibilidade” a cobrança, do outro, causa uma queda de arrecadação importante para o estados e dificilmente deve prosperar. “A julgar pelo nível de coordenação que o governo federal tem com os governos estaduais, a gente enxerga como muito baixa a probabilidade de um projeto como esse ser aprovado”, afirma.
Hoje, cada estado tem uma alíquota diferente para ICMS que incide sobre gasolina, diesel e etanol. Em relação à gasolina, o imposto em geral representa de 25% a 30% do preço do combustível. Para o etanol, o peso do produto no preço costuma variar entre 12% e 18%.
Segundo Castagna, além da dificuldade para articular apoio ao projeto, a proposta pode soar como uma tentativa de interferência em um tema que é de competência dos governos estaduais. “A depender de como a lei for realizada, pode ser uma interferência indevida na competência dos Estados”, diz.
Redução de impostos federais para combustíveis
Além da proposta que mexeria com o ICMS, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na sexta-feira (4) a intenção de reduzir o PIS/Cofins dos combustíveis. O objetivo é tentar baixar o preço do diesel nas bombas. No caso do tributo federal, a cobrança é fixa, com valor de R$0,35 por litro.
Durante coletiva de imprensa para anunciar o pacote, o ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou que a intenção de Bolsonaro seria zerar o imposto. Segundo o ministro, cada centavo de redução do PIS/Cofins representa uma perda de arrecadação de R$ 575 milhões. Isso significa que a cada 2 centavos de redução, o impacto na receita do governo é de R$1 bilhão.
Os detalhes sobre o tamanho da redução não foram anunciados. Para prosperar, a medida teria que vir com uma compensação para essa perda de arrecadação, conforme indica a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Pela lei, qualquer renúncia fiscal precisa ser acompanhada de uma compensação que reponha a perda — um novo tributo, por exemplo, ou um corte de despesas.
A justificativa de Guedes é que o alívio tributário ao setor de combustíveis seria compensado pela arrecadação do governo acima do projetado para este ano, em razão da recuperação da economia.
“Pela legislação, o presidente pode alterar o PIS e a Cofins sobre o óleo diesel sem precisar de um projeto no Congresso. A atribuição é do Presidente da República”, explica Castagna. O impacto fica também somente com os cofres da União. O grande desafio, para o advogado, vai ser que a proposta não fira a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Motivação política é a principal da proposta
As propostas que podem reduzir a arrecadação federal e estadual vem em um momento de restrição orçamentária, na maior crise econômica da história recente. Para Maurício Fronzaglia, cientista político, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as propostas fazem sentido do ponto de vista de cálculo político do presidente Jair Bolsonaro.
Se por um lado há uma tentativa de se evitar uma paralisação da categoria, como aconteceu em 2018 durante o governo do ex-presidente Michel Temer, do outro, há uma preocupação cara a Bolsonaro: a popularidade.
“O governo está fazendo de tudo para evitar uma parada como aconteceu no passado. Não só pelos danos ao país”, avalia o professor. “O governo Bolsonaro tem sido alvo de críticas na sua atuação na pandemia, por não ter sido mais ativo no combate à covid. Ele está em um momento delicado de popularidade e não quer arriscar perder mais esse grupo que faz parte de sua base de apoio”, explica.
Além de trazer um afago a uma base de apoio, a proposta de mudança do ICMS acaba por deixar o ônus político para os governadores. “Não só o ônus político fica com os governadores, mas também a queda da arrecadação”, diz Fronzaglia.
Sobre a viabilidade do projeto ser aprovado, o professor do Mackenzie avalia que “dificilmente” a proposta deve caminhar “se não fizer parte de outras propostas dentro de uma Reforma Tributária”.
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