Crônica: A Revolta dos BlackSig Foto Lisboa: Mara Luquet

Crônica: A Revolta dos BlackSig

Nem o Olimpo dos cartões de milhagem escapou da invasão lisboeta: esta semana, até os raríssimos Black Signature enfrentaram fila, dividiram van e, acredite, aterrissaram na classe econômica.

Dizem que o Olimpo é um lugar de poucos. E que os deuses não fazem fila. Mas esta semana, em Lisboa, o improvável aconteceu: formou-se a primeira fila visível e visivelmente contrariada de passageiros Black Signature da Latam, ou, para os íntimos e aspirantes, os reverenciados BlackSig.

Para quem não está familiarizado com essa elite aérea, explico: ser um BlackSig não é só ter dinheiro. É ter muitas milhas. Daquelas que você só acumula se passar mais tempo no ar do que no chão, com uma fidelidade canina à companhia. Em troca, ganha-se o que há de mais próximo do paraíso em terra firme: check-in separado, embarque exclusivo, carrinho particular até o avião (nem ônibus, nem fila, nem contato com mortais) e, claro, o direito de olhar com condescendência para quem ainda viaja com mala de mão de rodinha barulhenta.

Pois bem. O Fórum de Lisboa derrubou essa muralha aérea. Pela primeira vez, vi BlackSigs em bando, disputando lugar no embarque como quem entra em fila de pão. O motorista do ônibus (sim, eles andaram de ônibus no desembarque remoto de Lisboa) não sabia mais quem chamar pelo sobrenome. E o mais espantoso é que alguns deles foram vistos na classe econômica.

Sim, na econômica, em cadeiras com encosto limitado e travesseiros simbólicos, misturados a nós, o povo do corredor e da marmitinha.

A explicação é simples: Lisboa se tornou o centro do mundo esta semana. O desejo de estar aqui é maior do que o medo de perder status. Até os mais fiéis à cabine executiva estão se sujeitando ao aperto, mas sempre, claro, com a esperança de um upgrade redentor.

É curioso ver o que acontece quando o privilégio perde a exclusividade. O BlackSig, acostumado a ser chamado pelo nome antes mesmo de mostrar o bilhete, agora aguarda ao lado de outros BlackSigs igualmente ilustres e impacientes.

A Latam, coitada, tentou manter a liturgia, manteve o embarque prioritário, os sorrisos extras, o tom de voz que sussurra “senhor Fulano, é uma honra”. Mas não havia van que desse conta. A nobreza aérea virou multidão. E a multidão, como sabemos, perde um pouco da graça quando tem que esperar.

No fim, a crônica é esta: o paraíso das milhas também tem suas crises de superlotação. E o BlackSig, esse ser quase mítico, também sua dose de humanidade. Em Lisboa, até os deuses pegam fila.

Ah, e só pra lembrar: quem entende mesmo de paraíso garante que o mais próximo dele é conseguir tocar e cantar “Choro Bandido”, de Chico Buarque e Edu Lobo.

Por Mara Luquet, de Lisboa (Portugal), especial para o Canal MyNews.

Clique neste link e seja membro do MyNews — ser inscrito é bom, mas ser membro é exclusivo!

Compartilhar:

Relacionados