Integrantes do partido relataram ao MyNews aspectos positivos e negativos da possível nomeação do deputado federal para a Secretaria-Geral da Presidência, ainda não confirmada
Nem o governo confirmou, mas o estrago já começou: a simples hipótese do deputado federal Guilherme Boulos ministro desencadeou um conflito no PSol e a fúria do Centrão. Nitroglicerina pura à esquerda e à direita.
Internamente, o PSol vive dias de tensão. As placas tectônicas do partido estão se movendo — e o nome no centro do abalo sísmico é Boulos. Sua possível nomeação para a Secretaria-Geral da Presidência, sem o devido afastamento do partido, acendeu o sinal de alerta entre aliados e opositores dentro da legenda.
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A situação é delicada: Boulos foi o principal beneficiado na última distribuição de recursos do partido, concentrando apoios e estrutura na sua candidatura à Prefeitura de São Paulo. Agora, uma eventual saída dele do cenário eleitoral municipal e sua ida para o Executivo federal é vista por muitos como uma traição ao projeto coletivo da legenda. Mais ainda: pode comprometer a construção da chapa proporcional do PSol para 2026, sobretudo em São Paulo, onde ele é o maior puxador de votos da esquerda.
O mal-estar não é mais restrito à ala crítica. Mesmo lideranças historicamente próximas a Boulos, como Valerio Arcari, dirigente de uma das maiores correntes internas do partido, têm reservas quanto à nomeação.
“Não é uma boa ideia. A maioria do PSol avalia que o Guilherme seria mais útil no parlamento e no movimento social. O governo Lula não fará um giro à esquerda, não teremos um momento Gustavo Petro ou Claudia Sheinbaum. O projeto do lulismo é outro: preservar a unidade com a dissidência da classe dominante após a pandemia. Alckmin está no governo, Simone Tebet está no governo. Não haverá ruptura”, disse Arcari ao MyNews.
Boulos ministro não é incompatível
Para o dirigente, no entanto, a ida de Boulos ao governo não viola formalmente as regras do partido.
“A resolução não é tão rígida como disseram. O PSol decidiu que não integraria o governo como partido, mas deixou margem para participações individuais. O convite é de natureza pessoal e, se acontecer, não exige afastamento da legenda. Guilherme estaria no governo como representante dos movimentos populares. Não é incompatível com o PSol”.
Ainda assim, ele reconhece que o momento político é delicado:
“O governo está com o freio de mão puxado. Sem investimento público, não há como destravar. Podemos ser mais úteis fora do governo, defendendo Lula até dele mesmo, se necessário”.
Centrão furioso
Arcari também aponta que a simples nomeação de Boulos pode acirrar a reação da direita:
“O Centrão entrou numa fúria. Os recados foram brutais. O Guilherme desperta uma hostilidade imensa dos neofascistas. Seu carisma genuíno, comparável ao de Olívio Dutra e do próprio Lula, o coloca como uma das figuras mais potentes da esquerda — e, por isso mesmo, um alvo preferencial”.
Para ele, o papel do PSol no momento é construir um campo político que dispute o pós-lulismo em diálogo com o lulismo.
“Não é contra o lulismo que surgirá a nova esquerda. É a hora de disputar projetos, inclusive com nomes como Manuela D’Ávila. Vem aí um rearranjo da esquerda brasileira”.
A divergência e a “crise política”
O contraponto vem de Roberto Robaina, vereador em Porto Alegre, fundador do PSol e liderança da ala oposicionista. Para ele, a participação de Boulos fere diretamente uma decisão partidária:
“O PSol votou, com 80% de apoio no Diretório Nacional, que pessoas com cargo na direção não poderiam assumir cargos no governo. A exceção foi Sônia Guajajara, indicada pelos povos indígenas. O argumento de que Boulos não está na direção formal é frágil. Se ele aceitar o ministério, teremos uma crise política. É um desacato à decisão do partido.”
Se ministro, “Boulos sai enfraquecido”
Robaina também aponta o enfraquecimento político de Boulos no partido e no Congresso:
“Ele não tem força para disciplinar a bancada do PSol, que já votou contra o governo em pautas centrais, como o pacote fiscal. Se Lula quiser nomeá-lo, terá um ministro que não centraliza nada. Por mais que a presidente do PSol diga que é uma decisão pessoal, todos sabem que Boulos é a principal liderança do partido. Isso o torna incompatível com a ideia de que a participação seria neutra”.
No fundo, o que está em jogo é a identidade e o futuro do PSol. A legenda enfrenta o desafio de ultrapassar a cláusula de barreira nas próximas eleições.
“Se o Guilherme concorrer à Câmara, se elege e ainda carrega mais dois deputados com ele. Em estados como Minas e Santa Catarina, será difícil. Temos que arrancar leite de pedra”, reconhece Arcari.
Enquanto isso, o cenário é de incerteza. O convite ainda não foi formalizado por Lula, que sequer teria tratado do assunto diretamente com o ministro Márcio Macêdo, atual titular da pasta. Mas a simples possibilidade já fez o Centrão reagir — e o PSol entrar em ebulição. A crise é mais que conjuntural: é um sintoma de que a esquerda brasileira está, mais uma vez, diante de um ponto de inflexão.