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A Democracia, os Afetos e o Bem Comum

Não há dúvida que em três décadas avançamos, para todos, mesmo que tenhamos ainda desafios diversos.

por René Dentz em 26/09/22 09:33

A Democracia, apesar de todos os seus desafios, permite a construção de um horizonte de sociedade mais plural, que atesta as singularidades, as vulnerabilidades e propõe um caminho de construção social em direção aos valores humanos mais fundamentais, pois são os mais coletivos e, portanto, humanistas: a liberdade e a igualdade.

Devido ao fato de as sociedades serem obrigadas a lidar com complexidades do mundo contemporâneo, a sensação de muitos é de que a democracia se mostra esgotada ou insuficiente. Nesses momentos, é urgente a tarefa de lembrarmos da História. O século XX se mostrou sangrento, com feridas éticas profundas, sobretudo propiciadas pelos seus maiores totalitarismos: o nazismo e o fascismo. A solução para os problemas sociais não está em uma atitude ideológica que se sustenta em um pensamento que propõe verdades absolutas. A História mostrou que verdades absolutas produzem sangue, mortes e exclusão. É por isso que em todo discurso totalitário existe a imputação de culpa pelas mazelas sociais em algum grupo, por exemplo, nos imigrantes (como acontece agora na Itália, lamentavelmente, pois mostra que parte daquele povo não realizou bem o exercício da memória). Comumente também o ódio gera homofobia, machismo, racismo, aporofobia (aversão aos pobres). Ou seja, o real sentido da Política (prática que significa, em sua concepção mais genuína, a busca pelo Bem Comum) fica esvaziado em qualquer postura totalitária e antidemocrática. Em um mundo cada vez mais complexo, seja devido aos desafios das novas tecnologias, seja pela urgência ecológica, é ingênuo (mas também perverso) imaginar que todos os problemas poderão ser solucionados seguindo um rito pré-estabelecido. Na Democracia é possível encontrarmos caminhos de revisão, de novas narrativas e novos rumos, atestando os erros. Por isso mesmo, em um sistema totalitário não está muito presente a dimensão humana do perdão, mas do ódio e da vingança. Por isso, os afetos mais associados à democracia são a esperança e a reconciliação. Já aqueles associados aos totalitarismos são do medo e do ressentimento. O medo é o que leva as pessoas a aceitarem soluções (aparentemente) rápidas e fáceis, mesmo que represente exclusão daqueles que são diferentes de nosso horizonte de existência. Comum em nossa época, como num livro de autoajuda, mitologicamente. O afeto mais ressaltado é o individualismo, egoísmo e, assim, o bem comum não interessa mais, pois o narcisismo impera. Por isso tais tendências buscam tantos mitos, ídolos. Imaginam que todos os problemas estarão resolvidos, a violência diminuirá, os que incomodam estarão distantes e a paz reinará.

É comum também que esses discursos conservadores (de valores que mantem sua posição de privilégio) afirmem que o passado era melhor (pois algum grupo está contribuindo para a desconstrução daquela sociedade) ou se fundamentem em discursos de uma ordem metafísica ou natural. No primeiro, é comum dizerem, por exemplo, que décadas atrás eram melhores no Brasil, pois havia menos violência, mais respeito aos pais e a educação era melhor. Ora, a violência era comum nas famílias (pais que usavam a violência contra filhos, deixando diversos traumas), o “respeito” existia pelo medo e a educação era apenas para uma elite. Apenas a partir da nossa constituição democrática é alcançamos a universalidade educacional nesse país. Não há dúvida que em três décadas avançamos, para todos, mesmo que tenhamos ainda desafios diversos. O segundo discurso é de natureza mais perversa ainda, é aquele que afirma, por exemplo, que a mulher deve permanecer fiel à sua “missão” necessária de mãe, do lar, sem lutar pelos seus objetivos, pela sua vida, livre. Ambos os discursos são cínicos, ignorantes e perversos. Há consequência em suas afirmações. Assim, os discursos totalitários criam mundos paranoicos, irreais e que buscam manutenção de lugares privilegiados. Na Democracia, podemos buscar entender o real, encontrarmos soluções para o bem comum. Não é possível pensarmos democraticamente sem diversidade, pluralismo e buscando, incessantemente, o bem comum, não apenas o bem de seus negócios, de sua vida privada ou de sua família. A Democracia real pode estar próxima aos ideais sinceramente cristãos, pois entende que Deus está entre nós.

“Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar. Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. Mateus, 25, 31-46

*René Dentz é psicanalista e professor da PUC-MG.

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