Cidade assemelha-se ao palácio francês em muitos aspectos, principalmente no que diz respeito ao distanciamento do cidadão comum das decisões políticas
por Maria Antonia De'Carli em 16/12/24 10:01
Congresso Nacional, em Brasília, em noite de lua cheia | Foto: Wikipédia
Brasília, em sua essência, é um ícone do progresso arquitetônico e da concretização de uma idealização da “política do futuro”. A cidade traz um lembrete de que o poder precisa reencontrar o caminho para as ruas, para a vida cotidiana de quem sustenta a democracia brasileira. Como uma cidade de dimensões humanas e complexidades políticas, merece ser compreendida para além de seu simbolismo.
O Eixo de Brasília, o coração da política brasileira, assemelha-se ao Palácio de Versalhes em muitos aspectos, principalmente quando consideramos o quão afastado o cidadão comum brasileiro se encontra do centro de poder que a capital federal representa. Em Brasília, assim como em Versalhes, os protagonistas da política vivem num universo próprio, onde as decisões são tomadas a portas fechadas, longe do alcance e do entendimento da maioria.
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As eleições municipais de outubro de 2024, com seus mais de 150 milhões de eleitores, representaram a concretização direta da democracia nas cidades brasileiras. É nas ruas, nos bairros, na vida cotidiana, que se sente o impacto dessas escolhas. Porém, ao contrário desse cenário, as eleições para o Congresso Nacional, em fevereiro de 2025, representam um universo completamente distinto. Elas ocorrem a portas fechadas, e não nas ruas das cidades. Para o cidadão comum, as negociações e alianças políticas — como a união de PT e PL em torno de Hugo Motta — são difíceis de compreender, pois se desenrolam num teatro político com dinâmica própria.
Essa Brasília — versão de Versalhes Tropical — é uma idealização moderna de poder isolado, uma cidade planejada para ser o ápice da organização e do progresso, mas que falha em alcançar a população para quem teoricamente existe. Brasília e Versalhes têm o mesmo paradoxo: são, ao mesmo tempo, ícones de poder e símbolos de um distanciamento entre governantes e governados.
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Assim como em Versalhes, onde a nobreza se dedicava a intrigas e articulações de poder, em Brasília a política funciona com mobilizações que muitas vezes se distanciam dos anseios populares. O Palácio de Versalhes acabou isolando a nobreza em seu próprio universo, em Brasília os congressistas se isolam num ciclo de fisiologia e articulações políticas que o brasileiro médio não consegue acompanhar, e que impactam profundamente suas vidas cotidianas.
Como um retrato da monarquia francesa da época, o Congresso brasileiro em Brasília se torna um teatro, onde alianças e acordos surgem e desaparecem conforme o interesse do momento, perpetuando o distanciamento e a incompreensão popular.
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Essa comparação entre Brasília e Versalhes lança uma luz sobre a democracia no Brasil: ao mesmo tempo que permite alianças improváveis e equilibra o sistema político, também revela a fragilidade e o isolamento de um poder centralizado. Como em um grande House of cards tropical, Brasília é o palco final onde o poder se encerra em si mesmo – uma Versailles tropical onde os jogos de poder substituem a ideologia e a polarização e distanciam o governo de seu povo.
Ame-a ou odeie-a, Brasília é a mantenedora da democracia brasileira, é a garantidora do equilíbrio de um sistema aquém de qualquer ideologia inflamada que possa comprometer o funcionamento da alta política brasileira.
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