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ENTENDA

Teto de gastos ajudou a reduzir a Selic

Taxa básica de juros mais baixa tende a reduzir o custo do crédito para empresas e famílias e pode levar à queda do endividamento público

por Daniel Couri em 04/11/24 18:26

Teto de gastos ajudou a reduzir a Selic | Foto: Pixabay

Eu sei, esse é um tema que pode parecer um tanto quanto empoeirado. Afinal, desde agosto de 2023, quando o governo aprovou o chamado “regime fiscal sustentável“, o antigo teto de gastos foi oficialmente revogado.

Como já discutimos neste espaço, o novo regime se propôs a romper com o anterior e, de fato, trouxe mudanças importantes. No entanto, ele ainda se apoia em duas regras principais para o controle das contas públicas: uma meta para o resultado primário e um limite específico para o crescimento das despesas primárias. O desenho desse novo limite para as despesas lembra o teto de gastos, com a diferença de que agora a despesa total pode crescer acima da inflação, respeitados alguns parâmetros.

Assim, é possível dizer que a essência do teto – limitar os gastos primários – foi preservado, ainda que sob outro epíteto.

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A decisão de manter um limite para o crescimento das despesas tem respaldo na experiência internacional. Em 2021, 55 países adotavam pelo menos uma regra para o controle direto da despesa. Esse número cresceu especialmente na última década, evidenciando uma certa predileção por esse tipo de regra fiscal. E não é por acaso: entre os grandes agregados fiscais, o gasto público é o que oferece maior margem de controle à política fiscal.

A experiência com regras de controle da despesa também tem encontrado respaldo acadêmico. No caso brasileiro, um estudo recente de Vinícius Ferreira e Geovana Bertussi mostrou que a implementação do teto de gastos, em 2016, contribuiu para a redução da Selic, a taxa de juros de curto prazo da economia.

Uma Selic mais baixa tende, por exemplo, a reduzir o custo do crédito para empresas e famílias. Além disso, pode levar à queda do endividamento público, já que uma parcela significativa dessa dívida está atrelada à Selic.

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Mas a dinâmica das taxas de juros reflete muitos fatores, não apenas a adoção de uma nova regra fiscal. Então como isolar o efeito do teto de gastos sobre a Selic? Para isso, Ferreira e Bertussi utilizam a metodologia dos “controles sintéticos”, que permite comparar a evolução do Brasil com a de um “país sintético” — uma média ponderada de países emergentes com características semelhantes e que não sofreram a mesma intervenção (ou seja, a adoção do teto). Esse contrafactual possibilita estimar como essas variáveis teriam evoluído na ausência da regra fiscal.

Para os autores, a redução da Selic frente ao contrafactual pode ser atribuída à melhora da confiança e das expectativas trazida pela regra, embora não se devam desconsiderar os efeitos da desinflação e do desaquecimento da economia brasileira no período.

Os achados dos autores para a taxa Selic se alinham a trabalhos anteriores que já haviam identificado uma queda nos juros de longo prazo e na taxa neutra em decorrência da implementação do teto de gastos.

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Os autores também olharam para o comportamento do investimento público com a chegada do teto de gastos. Mas, nesse caso, o estudo não foi capaz de isolar o efeito do teto devido aos impactos da recessão de 2015-2016, que antes mesmo da nova regra fiscal já havia provocado uma queda significativa nos investimentos.

Como sempre, nem tudo são flores. A literatura também aponta que regras como o teto de gastos podem levar a ajustes que comprometem o crescimento do país e agravam um cenário já existente de desigualdade.

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O teto de gastos despertou muitos sentimentos. Em geral, o debate acabou suscetível ao maniqueísmo de sempre: de um lado, era visto como uma tábua de salvação fiscal; de outro, como um freio aos gastos sociais.

Há uma certa beleza nesse embate. O teto movimentou paixões por ser uma regra transparente e de fácil compreensão, e essa clareza é valiosa.

Mas é essencial estar atento aos reais efeitos da regra. O estudo de Ferreira e Bertussi é mais uma contribuição para “colocar a bola no chão” e organizar o debate, ajudando a separar os impactos concretos dos mitos que cercam o tema. Deveria servir de lição ao se avaliar o novo – e já ameaçado – arcabouço fiscal.

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