O PSOL começou 2025 em crise, e tudo iniciou com a demissão de David Deccache, economista do partido. Ele foi dispensado após apresentar um estudo interno que indicava que, em 2028, pode não haver dinheiro nem para pagar a conta de luz. O levantamento, baseado em dados da Secretaria do Tesouro Nacional, expõe uma incompatibilidade matemática no arcabouço fiscal e gerou um racha entre os psolistas, aliados do governo.
Desse modo, diante da repercussão, o MyNews conversou com Deccache, que se defendeu. A entrevista, portanto, foi conduzida por Mara Luquet.
— Faço parte de um grupo minoritário no PSOL, que representa mais de 30% do partido. Historicamente, nosso grupo já esteve próximo da maioria e já teve mais influência. A democracia funciona com equilíbrio, e um dos princípios fundamentais é a proporcionalidade. Isso significa que, ao ocuparmos cerca de 30% da bancada, deveríamos ter direito a 30% dos cargos, incluindo assessorias e equipes técnicas. No entanto, ao decidirem pela minha demissão e ao nos negarem o direito a um ano de liderança, romperam com esse princípio — afirmou.
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Guilherme Boulos, aliás, foi um dos que votaram pela demissão de Deccache. Além dele, também se posicionaram contra o economista: Luciene Cavalcante (SP), Henrique Vieira (RJ), Talíria Petrone (RJ), Erika Hilton (SP), Célia Xakriabá (MG), Tarcísio Motta (RJ) e Ivan Valente (SP).
Contudo, por outro lado, defenderam sua permanência: Chico Alencar (RJ), Fernanda Melchionna (RS), Glauber Braga (RJ), Luiza Erundina (SP) e Sâmia Bomfim (SP), mas seus votos foram vencidos.
— Se eu fosse assessor direto de Guilherme Boulos, ele teria o direito de me demitir. Mas, dentro do PSOL, respeitamos a divisão proporcional dos cargos conforme o tamanho de cada grupo político. Ao romperem com isso, criaram um precedente perigoso. Essa regra existe desde 2005, e sua quebra gera uma crise interna — concluiu.
Todavia, nas últimas eleições, o PSOL decidiu, por ampla maioria de sua militância, apoiar Lula, entendendo o risco que o bolsonarismo representa para o país. Um grupo minoritário defendia uma candidatura própria para marcar a posição do partido.
Assim, passadas as eleições, nossa Bancada decidiu compor a base do Governo, representando a posição de 67% do Congresso partidário, para contribuir com o processo de reconstrução e derrota da extrema-direita. Novamente, um grupo minoritário defendia ir para a oposição e teve sua posição derrotada democraticamente no voto da bancada.
A liberdade de divergência é um valor essencial na política e amplamente garantida no PSOL e em nossa Bancada. Tanto é que parlamentares que representam a posição minoritária — de oposição ao Governo Lula — foram indicados pela Bancada para espaços estratégicos, como a CCJ, CPIs e presidência de Comissão.
Além disso, o apoio ao Governo está longe de ser acrítico: a Bancada votou por unanimidade contra projetos do governo que entendemos ser equivocados, como o Arcabouço Fiscal e o Pacote de Ajuste.
O desligamento do economista David Deccache da assessoria da Bancada não se deu, como alguns alegam falsamente, por divergências políticas, mas por ataques públicos do assessor a parlamentares e à presidente do PSOL.
É inadmissível que alguém que trabalhe para a Bancada ofenda deputados, deputadas e a direção do partido nas redes sociais, com caracterizações como “oportunistas”, “covardes” e “mentirosos”.
É mentira, ainda, que o assessor não tenha sido ouvido antes do desligamento. Em dezembro, dois parlamentares, de maior relação e trânsito com o assessor, foram designados pela Líder da Bancada para dialogar com ele, e os ataques públicos persistiram.
A natureza jurídica do cargo no qual David está nomeado é de indicação política, o que significa que ele exerce função de confiança. A partir do momento em que um assessor neste cargo ataca a representação política que o indicou, se cria um conflito ético-profissional, inviabilizando sua continuidade nesse papel.
Na verdade, a questão de fundo da polêmica que um grupo do partido quer criar, fazendo debate interno de maneira pública e desrespeitosa, é a tentativa de jogar o PSOL na oposição ao Governo Lula.
A leitura deste grupo é que o foco do partido deve ser enfrentar contradições e limites do Governo. A nossa é de que o foco deve ser o enfrentamento ao bolsonarismo, mantendo a independência e o compromisso com os trabalhadores.
É um erro grave que parte da esquerda não compreenda os riscos do avanço da extrema-direita aqui e no mundo e tenha seu horizonte limitado a disputas internas. Essa não é e não será a posição do PSOL.