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Política

ANÁLISE

O Brasil virou um país de direita?

Resposta para essa pergunta nos convida a refletir sobre o que está acontecendo com o cenário político brasileiro e nossa noção de extremos e centros

por Maria Antonia De Carli em 24/10/24 14:16

Eleições municipais foram realizadas nos dias 6 e 27 de outubro | Foto: Nelson Jr./Ascom/TSE

O Brasil virou um país de direita? A resposta curta para essa pergunta é sim. A resposta longa e aprofundada convida a uma reflexão maior para entendermos o que de fato está acontecendo com o cenário político brasileiro e toda a nossa noção de esquerda, direita, extremos e centros.

As eleições municipais de 2024 trouxeram à tona a confirmação de que a direita ideológica no Brasil, que aqui chamarei de “nova” direita, cresceu bastante e vem acumulando triunfos nas urnas nos últimos dez anos.

Na lógica da resposta curta podemos afirmar que, nessas eleições, a direita e a centro-direita foram as grandes vencedoras da disputa. Historicamente, essa tendência é repetitiva em eleições municipais, pois a direita fisiológica possui, em sua sigla, uma maior variedade de partidos em comparação à esquerda.

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Uma das principais alavancas responsáveis pelo sucesso eleitoral da “nova” direita ideológica foi ser flexível o suficiente para jogar o jogo político, se juntando a partidos mais fisiológicos e de centro, como MDB e PSD. O PL é o partido que concretiza essa tendência, com candidatos ideológicos e fisiológicos, resultando num crescimento de mais de 50% nas prefeituras.

Por último, ao contrário do que foi previsto anteriormente, com exceção da cidade de São Paulo, as eleições municipais não foram uma repetição fiel das eleições de 2022 e seu respectivo fla-flu, caracterizado pela disputa entre Lula e Bolsonaro. Isso porque o foco no sucesso de eleições municipais está na resolução dos problemas locais. Quem passar uma maior credibilidade consegue a vitória nas urnas.

O apresentado acima é uma curta resposta para explicar a “foto” de um momento político. A análise mais longa e aprofundada, porém, nos convida a fazer uma reflexão de uma mudança social e de comportamento na sociedade brasileira, que vem garantindo um crescimento constante de uma “nova” direita, mais radical e mais apelativa, fruto de diferentes variáveis.

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A primeira variável que devemos analisar tem início por volta de 2016, com o Brexit e com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Esses acontecimentos concretizaram a ascensão de uma direita mais inflamada, que soube com muita perspicácia captar o que um eleitorado órfão de políticos queria ouvir. A onda da chamada “extrema direita” se alastrou pelo mundo — aqui tomo a liberdade de chamar de “nova” direita — soube condensar o conservadorismo silencioso em propostas políticas, conquistando sua própria marca e movimento, com líderes que souberam traduzir a mensagem ideológica em diversos idiomas.

Com primazia, esses líderes souberam dominar um idioma muito importante, o das redes sociais. A direita monopolizou a linguagem digital e obteve muito sucesso com isso. Soube traduzir exatamente o que o eleitor digital quer consumir, com mensagens rápidas, emocionantes, regadas de muita polêmica. O eleitor digital se move muito mais pela emoção do que pela razão. O exemplo concreto disso foi a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018, e a ascensão explosiva do candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), em 2024.

A base eleitoral para a ascensão da “nova” direita possui alguns aspectos importantes na sua sustentação. O principal deles é o seu fiel seguidor, ou melhor, eleitor. Na Europa, esse eleitor são os excluídos economicamente e culturalmente do sistema liberal democrata e dos valores progressistas. Eles não se viam representados por políticos que não conseguiam falar sua língua. Essa horda de órfãos foi captada pela “nova” direita, que soube trazer pautas que chamaram a atenção deste eleitorado, por exemplo, contra a imigração desenfreada.

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No Brasil a “nova” direita tem sua base de sustentação com o eleitor mais evangélico, que cresceu 61% nos últimos 10 anos e agora corresponde a 30% da população brasileira. O eleitor evangélico tem uma filosofia de pensamento protestante, associada ao empreendedorismo e ao conceito de “self-made”, ou seja, a ideia de que se você se esforçar, conseguirá atingir seus objetivos.

Esse ideal vem ganhando bastante adeptos entre as populações de periferia. A eleição de 2024 em São Paulo ilustra esse fenômeno muito bem, com o aumento do voto na direita nas periferias da cidade, enquanto a esquerda saiu-se bem no centro, com o eleitor mais rico. Pablo Marçal foi a personificação desse discurso e o popularizou entre o eleitor mais pobre.

Nas duas últimas décadas, a esquerda monopolizou o discurso político com mais proeza e apelo. Não por acaso, o PT foi o partido que mais elegeu presidentes na recente história do país. O Brasil, porém, é um país mais conservador em termos de valores. Isso, por si só, já dá um “empurrãozinho” para um maior sucesso da direita. Mas tem outro aspecto em jogo: a esquerda se perdeu no discurso, perdeu o apelo com as classes mais pobres. No primeiro turno de 2024, por exemplo, o PSOL não elegeu nenhum prefeito.

O eleitor quer soluções mais pragmáticas para seus problemas, com líderes revolucionários. O discurso do “estado resolve seu problema” não é mais tão interessante, pois se sabe que não resolve. A esquerda precisa urgentemente renovar seu discurso e renovar seu posicionamento nas redes sociais, um rebranding total. Precisa ser mais inflamada e trazer novas lideranças competitivas. O maior erro foi concentrar as fichas em apenas um nome, Lula, que condensa o certo cansaço da esquerda brasileira.

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