Internacional

VIÉS AUTORITÁRIO

Para que (nos) servem os Brics? Reflitamos

Guinada recente nos rumos e interesses do bloco tem se tornado (ou deveria se tornar) uma preocupação para o Brasil, a ponto de repensar nossa participação no grupo

por Tiago Mitraud em 24/10/24 10:35

Bandeiras dos países que integram o Brics | Foto: Pixabay

A cúpula dos Brics na Rússia, realizada nesta semana, reacende o debate sobre o papel e os rumos do bloco. A partir do termo criado sem maiores pretensões em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do Goldman Sachs, para descrever quatro economias emergentes com alto potencial de crescimento (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brics se formalizou como um bloco político em 2009. No ano seguinte, a África do Sul foi incorporada, adicionando a letra “S” ao acrônimo.

Desde então, o grupo vinha mantendo uma agenda frequente de reuniões, sem gerar grandes alardes, sob o pretexto de fortalecer a cooperação econômica e política entre os países membros. Apesar de não apresentar muitos resultados concretos ao longo dos anos, o bloco justificava sua existência no fortalecimento de interesses comuns, como uma maior participação dos países emergentes na governança de organismos internacionais, como as Nações Unidas e o FMI.

Até aqui, ainda que o investimento de tempo e dinheiro em fóruns como este deva sempre ser questionado, o interesse do Brasil parecia compreensível: ampliar relações comerciais e buscar mais espaço e influência em fóruns internacionais. No entanto, a guinada recente nos rumos e interesses do bloco tem se tornado (ou deveria se tornar) uma preocupação para o Brasil, a ponto de repensar nossa participação no grupo.

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Sob forte influência da China e da Rússia, o bloco iniciou, em 2023, um processo de expansão, acolhendo países problemáticos, para dizer o mínimo. No ano passado, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã foram formalmente aceitos no grupo. A Argentina, que havia sido convidada, sabiamente recuou após a eleição de Javier Milei.

Na cúpula desta semana, foi anunciada uma nova expansão: o bloco confirmou o convite a 13 novos países, incluindo Belarus e Cuba. Uma lista prévia contemplava nações como Afeganistão, Nicarágua e Venezuela, cujo ditador Nicolás Maduro viajou à Rússia para pressionar pela inclusão de seu país.

O que fica evidente é que o conceito original de reunir economias emergentes foi abandonado, e o que está em curso é a formação de um bloco com viés autoritário e anti-Ocidente.

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Diante dessa nova configuração, surge a questão: para que tem servido, afinal, o Brics? E qual é o real interesse do Brasil em continuar sendo protagonista desse grupo?

A primeira pergunta parece fácil de responder. O bloco tem sido uma plataforma para Rússia e China ampliarem sua influência global. Para a Rússia, é uma forma de driblar o isolamento internacional após a invasão da Ucrânia, como se vê estampado no uso político que Putin está dando ao reunir inúmeros chefes de Estado em solo russo, mesmo diante de todas as sanções feitas a um país que resolveu iniciar uma guerra territorial em pleno século 21.

Mas e o Brasil? Qual o interesse em reforçar tamanha proximidade com ditaduras, com países que promovem conflitos e com aqueles que financiam organizações terroristas, como é o caso do Irã? Qual a vantagem para nosso país fazer parte de um grupo que inclui tantas nações que desrespeitam princípios fundamentais como a democracia e os direitos humanos?

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O povo brasileiro é historicamente ligado ao Ocidente. Nossa língua, cultura, sistema de governo e estilo de vida, embora enriquecidos por diversas outras culturas, têm raízes na Europa e recebem bastante influência dos Estados Unidos, que seguem entre nossos maiores parceiros comerciais. Por que, então, aventurar-se em um projeto que cada vez mais afasta o Brasil de países que compartilham dos hábitos e crenças que possuímos como brasileiros?

Se o objetivo dos Brics é promover a paz, como afirmou Celso Amorim recentemente, o bloco não deveria contar com Rússia e Irã entre seus membros. Se é promover a democracia, o que fazem Cuba e China ali? Se a defesa dos direitos humanos é uma prioridade, como explicar a inclusão da Arábia Saudita e a cogitação do Afeganistão? E se o interesse fosse puramente econômico, como justificar a presença de Belarus e Uganda na lista?

A realidade é que o Brasil, sob a liderança de Lula, tem sido cúmplice da nova configuração do bloco. A política externa do atual governo parece guiada por uma visão ultrapassada, que prioriza um antiamericanismo infundado e alimenta a tese de que o Brasil deveria compartilhar maiores laços com regimes socialistas e autoritários.

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Tal postura já resultou em uma série de danos à imagem internacional do Brasil. O país, devido às ações de Lula, tem sido acusado de ser complacente com as atrocidades cometidas pela Rússia, de fechar os olhos para ditaduras como a venezuelana e de flertar com o antissemitismo.

Se estivesse realmente preocupado com os interesses do Brasil e de sua população, Lula já teria feito um claro distanciamento político e moral em relação aos novos membros do Brics, além de reforçar os verdadeiros objetivos do país no bloco – que permanecem obscuros.

Mas a verdade é que o Brics tem servido apenas para demonstrar uma submissão cada vez maior de Lula à agenda de Putin, manchando a imagem do Brasil perante nações que lutam por democracia, paz e direitos humanos – valores que são caros aos brasileiros, mas que o presidente e sua política externa parecem não se preocupar em defender.

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