Um dos maiores líderes do mundo, que faleceu há duas semanas, é pauta da coluna de Rodrigo Prando, no MyNews
Não faz muito, faleceu Pepe Mujica, agricultor e ex-presidente do Uruguai. Mujica, já adoecido e alquebrado pelo câncer, pediu aos jornalistas e admiradores em geral que o deixassem em paz, não solicitassem mais entrevistas e tampouco encontros. Pediu, na verdade, para partir de forma simples, como foi sua vida. Aliás, penso, agora, numa frase de José de Souza Martins: “O simples nos liberta dos simplismos”.
Seria, aqui, ocioso, construir um necrológio de Mujica, de sua trajetória de vida e de sua visão política de mundo. Isso poderá ser, facilmente, encontrado nas diversas matérias publicadas desde sua morte. Selecionei, contudo, dois de seus dizeres e seu último desejo. É com isso que quero refletir e convidar os leitores a refletirem também.
Nas palavras de Mujica: “A vida humana não pode se resumir a trabalhar, pagar as contas e fazer dívidas, como propõe o capitalismo. Defender o tempo livre e a liberdade é uma questão de princípios”. Há, filosófica e teologicamente, uma pergunta assaz presente no horizonte humano: qual o sentido da vida?. A depender de nossas crenças, valores, cultura e socialização, a resposta será diferente. Mujica afirma que uma vida dedicada ao trabalho, consumo e pagar dívidas é, de certa forma, vazia de sentido, já que, no capitalismo, o “eu”, quem “sou” é menos importante do que eu “tenho”. A dialética entre o “ser” e o “ter” ainda encontra, nos dias que correm, o “aparecer”. Assim, pouco importa quem sou, importa o que eu tenho e, no mundo das redes sociais e impulsionamento algorítmico, como eu apareço, sou visto e tenho seguidores e likes. A afirmação de Mujica lembra, também, a defesa do “ócio criativo”, de Domenico De Masi, numa conjugação de trabalho, estudo e lazer. Não só o tempo livre, mas a liberdade são, para Mujica, valores inegociáveis. Sua vida, simples, sem luxos, sem pompa, foi a concretização desses valores: sem querer e ter muito, era livre e buscou ser senhor de seu tempo, dando importância para aquilo que reputava como fundamental para sua existência.
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Em outra conhecida passagem, asseverou, com ênfase na justiça social que: “Os que comem bem, dormem bem e têm boas casas, possivelmente pensam que o governo gasta demais em políticas sociais”. A esquerda, o campo progressista, do qual Mujica foi um ícone, faz a defesa do papel do Estado, dos governos, buscando corrigir ou mitigar as desigualdades econômicas, sociais, culturais e educacionais, especialmente, no bojo da América Latina, continente colonizado e de estruturas assentadas numa história de trabalho servil, escravo, genocídio das populações originais e de exploração da metrópole sobre suas colônias. Liberais clamam por menos Estado e mais liberdade. Justo. A questão, para os progressistas, é que essa liberdade dos indivíduos não encontra um ponto de partida justo, equânime. Por isso, os que moram, comem e dormem bem costumam atacar os gastos sociais dos governos. Não são todos, bem lembra o uruguaio, mas muitos têm pouca empatia por seus semelhantes desafortunados, marginalizados e invisibilizados socialmente.
Finalmente, entendendo a proximidade de seu fim, o uruguaio verbalizou seu último desejo: o de ser enterrado ao lado de sua cadela Manuela, em sua chácara, nos arredores de Montevidéu. Para mim, nada melhor e mais emocionante, do que isso. Uma vida singela e rica. Sim, rica. A riqueza de Mujica esteve na força de suas convicções, nos seus valores (não econômicos e sim morais) e na demonstração que a vida é linda, especialmente, importando-se com nossos irmãos. Descansará, doravante, ao lado de Manuela, sua cadelinha, companheira em parte de sua vida. E que vida!
Não tenho inveja. Tenho por ele uma profunda admiração. Sou demasiado pequeno ao lado de sua trajetória, de seu exemplo e, por certo, de seu legado.