Política

SISTEMA ELEITORAL

Especialistas falam sobre história do voto eletrônico e analisam PEC do Voto Impresso

Considerado um dos maiores e mais seguros do mundo, o voto eletrônico no Brasil é uma das etapas de um sistema eleitoral complexo

por Juliana Cavalcanti em 26/07/21 18:54

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Voto Impresso, que tramita na Câmara dos Deputados, e as afirmações do presidente Jair Bolsonaro sobre suposta fraude nas eleições de 2018 e sobre a possibilidade de não disputar o pleito de 2022 se a PEC for rejeitada, reavivaram uma discussão que de tempos em tempos volta a rondar o sistema eleitoral brasileiro. Seja com o intuito de melhorar e tornar mais segura a votação e a apuração dos votos, seja resultado de fakenews que circulam de diversas formas nas redes sociais, desde que o voto eletrônico começou a ser implementado no Brasil, em 1996, os questionamentos sobre a confiabilidade do sistema sempre estiveram presentes, muitas vezes estimulando melhorias na segurança das eleições.

A urna eletrônica tem teclado intuitivo, permitindo acessibilidade para pessoas analfabetas, deficientes visuais e cegas. Na foto, urna distribuída para locais de votação pelo TRE/RJ nas eleições municipais de 2020 polo eleitoral Jardim Botânico. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Enquanto Jair Bolsonaro anuncia mais uma vez que apresentará provas de que a urna eletrônica pode ser fraudada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sistematicamente criado conteúdos para esclarecer as dúvidas sobre a votação e desmentir os boatos que circulam na sociedade. O TSE chegou a criar uma série de vídeos denominada “Fato ou Boato” para combater as informações falsas e explicar à população como funciona a votação e a apuração eletrônicas no Brasil.

Recentemente, o pré-candidato à Presidência da Repúlbica pelo PDT, Ciro Gomes, também passou a defender a impressão do voto, utilizando uma urna eletrônica com o voto impresso numa urna acoplada e lacrada – que serviria para conferência da votação, em caso de necessidade. Ciro explicou a proposta do PDT recentemente, em participação no programa Segunda Chamada do Canal MyNews no Youtube. “Eu confio nas urnas brasileiras, senão não seria candidato. Mas nós temos que dar ao povo a segurança”, disse ele na ocasião.

O professor de Direito Eleitoral e Tecnologia Diogo Rais explica que desde que o sistema eletrônico de votação começou a ser implementado, há 25 anos, sempre houve um ou outro questionamento sobre a segurança do procedimento. Essas dúvidas aparecem de forma cíclica e já foram motivação inclusive para testar a impressão do voto, em 2002 – num sistema semelhante ao que está sendo proposto neste momento.

“Em 2002 o TSE comprou uma impressora com um modelo semelhante ao que está sendo proposto agora e testou essa possibilidade. A experiência mostrou que o alto custo de implementação e a possibilidade de acontecerem fraudes, por conta da intervenção humana não justificavam a adoção da impressão dos votos das urnas eletrônicas”, explica Rais, argumentando que considera o debate legítimo, do ponto de vista em que se discute como melhorar o processo eleitoral. Ele ressalta que a questão não pode ser tratada apenas com uma resposta “sim” e “não”.

“É sempre bom pensar em como melhorar o sistema de votação. Eu trabalho com direito eleitoral digital desde 2010 e a urna eletrônica é um dos temas que estudo. Quando me perguntam sobre o assunto, as pessoas esperam que eu diga que é impossível fraudar a urna eletrônica. Acho que em alguns momentos é até possível fraudar a urna eletrônica. O que eu não considero possível é fraudar e não deixar rastros. Para uma fraude desse tipo acontecer, seria preciso corromper um sistema de pelo menos umas 30 pessoas em diferentes funções. Se você não acredita na ética do servidor público que está trabalhando, acredite na incapacidade das pessoas de guardar segredo”, brinca o especialista, ressaltando que considera a urna eletrônica mais segura que o voto em papel.

Diogo Rais acrescenta que a proposta de imprimir os votos que ficariam numa urna lacrada para conferência já foi pensada, mas a implementação desse modelo acarretaria mais problemas do que soluções para a confiabilidade do sistema eleitoral. “Uma das maiores desvantagens seria o armazenamento com o cuidado e a segurança necessários. Bastaria uma urna com alguma diferença – que poderia ser um erro da impressora – para colocar em dúvida todo o sistema. Vamos dizer que uma urna com votos impressos fosse roubada, isso já seria suficiente para atrapalhar todo o processo de apuração, porque apenas a contagem dos votos em papel não significa segurança. Particularmente, tenho achado como ponto crucial que a impressão do voto tem mais vulnerabilidade do que o voto eletrônico. Não é uma nova camada de segurança, mas uma fissura na camada de segurança, já que é mais fácil sumir com uma urna de plástico”, argumenta o professor.

Ele também pondera que na possibilidade de o voto impresso ser aprovado ainda este ano pelo Congresso Nacional, não haveria tempo hábil para iniciar o procedimento já nas eleições de 2022 com a segurança e as etapas de testagem necessárias para garantir a confiabilidade do novo sistema.

Sistema eleitoral vem se aperfeiçoando com o tempo

George Maciel – secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), vai além, ao dizer que o sistema eleitoral brasileiro vem se aperfeiçoando nos últimos 25 anos, sendo considerado um exemplo para diversos países. Com as informações sobre “Fato ou Boato” na ponta da língua, Maciel esclarece que muitas das informações que circulam nas redes sociais e na internet não se sustentam quando se tem conhecimento dos procedimentos sistemáticos adotados pelo TSE.

“São 147,9 milhões de eleitores votando em mais de 5 mil municípios, em 95 mil locais de votação. O sistema funciona com biometria e o Brasil é o país com a maior eleição informatizada do mundo. A urna eletrônica é apenas uma parte de um processo com diversas medidas de segurança que são adotadas”, defende George Maciel.

Entre os instrumentos de segurança e transparência do processo eleitoral brasileiro, ele cita auditorias antes e depois das eleições, auditoria dos códigos fontes, lacração dos sistemas de assinatura digital e a publicação do resumo digital (hash), lacre físico das urnas, identificação biométrica do eleitor, teste de integridade do sistema (com votação paralela), entre outras medidas. Todo processo também é fiscalizado por diversas entidades, inclusive os partidos políticos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público e as Forças Armadas.

“Todos os sistemas são verificados e auditados antes das eleições e também são realizados testes públicos de segurança desde 2009. Nesses testes, especialistas em segurança digital de universidades brasileiras e hackers com acesso ao código-fonte e acesso irrestrito ao software tentam invadir o sistema. Os testes foram feitos também em 2012, 2016, 2017 e 2019 e até agora ninguém conseguiu quebrar a segurança”, explica Maciel, ressaltando que todo o sistema foi desenvolvido no Brasil e vem se aperfeiçoando ao longo dos anos.

Outra vantagem da urna eletrônica é que ela deu acessibilidade às pessoas analfabetas, com deficiência visual e cegas. A votação é feita com escolha de números, num teclado intuitivo, com marcação em braile e possibilidade de conectar um fone de ouvido e escutar a vocalização das teclas para saber em que candidato está votando – dando autonomia a estas pessoas de exercer o direito do voto.

O sistema eleitoral brasileiro é considerado um dos mais modernos do mundo. Outros 25 países utilizam sistemas eletrônicos de votação e o Brasil tem estabelecido cooperação técnica com outras nações sobre questões eleitorais

Saiba mais*:

1) Quem criou a urna eletrônica utilizada no Brasil?

Foi desenvolvida pelo TSE e utilizada pela primeira vez nas eleições de 1996. Ela foi criada por um grupo de especialistas e informática, eletrônica e comunicações, incluindo profissionais da Justiça Eleitoral, das Forças Armadas, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do ITA, do INPE e do Ministério das Comunicações.

2) É possível hackear a urna eletrônica, invadindo o sistema através da internet?

Não. A urna não tem conexão com a internet, nem utiliza Wi-Fi, ou Bluetooth. Ela foi criada a partir de um preceito de segurança chamado “stand alone” e não têm comunicação externa.

3) A modificação dos dados eleitorais e do voto eletrônico pode acontecer na transmissão dos resultados?

Também não. Mas se isso acontecesse, seria fácil comprovar a fraude, pois quando a votação é encerrada, cada urna eletrônica imprime um boletim de votação, com a totalização dos votos daquela urna. Esse relatório em papel é exposto nas seções eleitorais e também entregue aos fiscais de partido e também é encaminhado ao TSE.

4) O sistema eleitoral passa por auditoria e fiscalização?

Sim. São diversas etapas de auditoria em todo o processo eleitoral, que começa mais de um ano antes de cada eleição, com testes públicos de segurança. O software utilizado pela Justiça Eleitoral é aberto e os códigos-fontes passam por auditoria. Além de várias etapas que envolvem tecnologia, a implementação da identificação biométrica (através de digitais) dos eleitores tornou o sistema mais seguro, pois evita que alguém finja ser o eleitor na hora da votação. O sistema também permite a recontagem dos votos e todos os dados ficam armazenados até que todo o processo eleitoral seja transitado em julgado.

* Com informações do Tribunal Superior Eleitoral

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