Arquivos Renato de Almeida Eliete - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/renato-de-almeida-eliete/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Tue, 08 Mar 2022 15:11:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Você não deveria saber com quem está falando! https://canalmynews.com.br/voce-colunista/voce-nao-deveria-saber-com-quem-esta-falando/ Fri, 29 Oct 2021 00:07:54 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/voce-nao-deveria-saber-com-quem-esta-falando/ Na obra “Carnavais, malandros e heróis”, Roberto DaMatta dedica algumas páginas a observar que muitos de nós nos deparamos com a pergunta: “Você sabe com quem está falando?”

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Uma família, em viajem de férias, trafega de carro por uma estrada no interior do Nordeste. Em dado momento, diante de uma blitz rodoviária, ela é instada a parar o veículo no acostamento, após o aceno de um policial. Em meio ao calor intenso, típico do local e da época do ano, o guarda aproxima-se da porta da frente do automóvel, espera que o motorista abaixe o vidro da janela e pergunta a ele, antes de qualquer outra coisa: “Tem alguém importante aí?”.

Na obra “Carnavais, malandros e heróis”, do antropólogo fluminense Roberto DaMatta, ao longo da análise de alguns rituais da cultura brasileira, dos quais o Carnaval é seguramente um dos mais significativos, o autor dedica algumas páginas a observar que, em meio a situações de confronto social, não raramente muitos de nós nos deparamos com a seguinte pergunta: “Você sabe com quem está falando?”.

Da mesma forma que se pode inferir muito sobre o caráter de uma pessoa quando se observam não apenas os seus comportamentos usuais, mas também as suas frases recorrentes; os ditados e as máximas podem informar muito acerca da visão de mundo que norteia um determinado grupo social ou até mesmo uma nação.

No Brasil, perguntas como aquela observada pelo antropólogo são reveladoras de uma concepção da vida em sociedade que privilegia a assimetria nas relações dos indivíduos entre si e entre classes sociais distintas. Elas expõem muito do elitismo típico dos extratos mais abastados da nossa sociedade. Como se diz: “Todos somos iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que outros”.

Em países diferentes, notadamente nos Estado Unidos, é comum, também em situações de confronto, ouvirem-se perguntas do tipo: “Quem você pensa que é?”. Isso pode ser interpretado como o reflexo de uma noção do convívio social que confere ênfase não à assimetria nas relações entre os cidadãos ou entre as classes sociais, mas à equidade diante das instituições, em particular; e das leis, em geral.

O comediante estadunidense Cris Rock, em um de seus textos, observa que no condomínio em que vive, no qual reside apenas mais um outro astro de Hollywood, negro como ele; todos os seus vizinhos são brancos: médicos, engenheiros, advogados, dentistas que, em sua maioria, não são expoentes destacados em suas respectivas profissões. O humorista afirma então que, caso fosse dentista, por exemplo, e sendo negro, para morar naquele local, ele teria certamente de ter inventado algo tão importante para essa atividade quanto o próprio dente.

Não se está aqui, portanto, tentando insinuar que haja mais justiça social na terra natal do George Floyd (morto por um policial, em 25 de maio de 2020, em Minneapolis) do que no país do João Alberto Silveira Freitas (morto por seguranças de um supermercado, em 19 de novembro de 2020, em Porto Alegre). As lutas pelos direitos civis têm sido muito intensas e dolorosas nos dois países, fato em si mesmo revelador das estratificações típicas de duas sociedades bastante desiguais.

Para aquilo que interessa à nossa autodeterminação como nação, no entanto, já passa da hora de consolidarmos definitivamente as instituições democráticas do Estado brasileiro. Isso, em detrimento das conveniências de governos específicos e em nome de políticas de Estado efetivas. É necessário alijarmo-nos do patrimonialismo, a falta de limites entre o público e o privado; do compadrio, a proteção pouco republicana ao círculo de relações pessoais; do messianismo, a crença em um mito libertador, um indivíduo que resolverá todos os problemas do país como um mágico ou um super-herói.

Precisamos de instituições democráticas estáveis e impessoais. Instituições sólidas e funcionais o suficiente para que atuem de maneira independente dos indivíduos que circunstancialmente as componham ou que possam ser por elas afetados; para que haja segurança jurídica plena e perene; para que tenhamos todos o mesmo valor como cidadãos; para que, em situações de confronto social, não precisemos mais saber com quem estamos falando.


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Renato de Almeida Eliete é cientista político e escritor

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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Pela credibilidade da imprensa tradicional https://canalmynews.com.br/voce-colunista/pela-credibilidade-imprensa-tradicional/ Sun, 03 Oct 2021 15:28:29 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/pela-credibilidade-imprensa-tradicional/ Em tempos de terraplanismo escancarado a defesa dos pilares da democracia é uma atitude necessária. sem a valorização da liberdade de imprensa não há maturidade democrática

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Em uma conhecida anedota popular, diz-se que um homem ameaça jogar-se da cobertura de um prédio de muitos andares. Logo reúne-se uma multidão de curiosos na rua, aglomerados, apreensivos, na expectativa do que pode ocorrer. Os bombeiros são chamados mas, antes que possam tomar qualquer atitude para evitar o pior, o homem pula no vazio. Ainda caindo, ao passar por um andar qualquer do prédio, alguém da janela de um apartamento lhe pergunta: “Como você está?”. E ele responde: “Até aqui, tudo bem!”.

Toda ditadura, ainda que de início possa apresentar-se como um pulo no vazio aparentemente libertador, uma ruptura necessária com a ordem política anterior; mais cedo ou mais tarde terminará por desnudar-se e mostra-se como de fato é: um mergulho no lado obscuro da história. Mesmo que algumas pessoas possam condescender, apoiar ou até mesmo ansiar por um regime ditatorial, chegará logo o tempo em que esse salto no desconhecido se revelará um encontro com um destino tão excruciante para a população quanto o concreto da calçada, para o suicida.

Em tempos de terraplanismo escancarado, a defesa dos pilares da democracia é mais do que uma atitude necessária, é um imperativo para a manutenção de qualquer Estado que tenha como objetivo garantir a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a dignidade do seu povo. O melhor remédio contra as inconsistências do regime democrático não é a sua substituição por um modelo autoritário, vinculado a qualquer um dos extremos do espectro político-ideológico, mas o fortalecimento contínuo dos seus fundamentos (equilíbrio entre os poderes, eleições regulares, imprensa livre etc.). O autoritarismo é para as ciências humanas o que o terraplanismo é para as ciências naturais.

Na linha de frente do combate ao autoritarismo, por óbvio, estão os veículos de comunicação. Sem a valorização da liberdade de imprensa não há maturidade democrática. A imprensa brasileira, notadamente a mais tradicional, sempre será alvo de críticas legítimas ou infundadas mas, no limite, será também inexoravelmente responsável, inclusive na esfera jurídica, por tudo aquilo que divulga. O que se publica na mídia institucionalizada tem nome, sobrenome e árvore genealógica.

Não se pode colocar no mesmo patamar dessas instituições, no entanto, os divulgadores de “fake news”, instituições ou indivíduos que se arvoram ao direito de enunciar quaisquer acontecimentos que lhes sejam convenientes política ou financeiramente, muitas vezes protegidos pelo anonimato das redes sociais, e sem qualquer responsabilidade legal sobre o que propagam. Numa palavra, são semeadores de informações majoritariamente sem nome ou sobrenome, sem paternidade definida, portanto. A divulgação de “fake news” é um dos tentáculos do autoritarismo.

Dessa forma, é necessário defender a imprensa livre e responsável e o fazer de maneira recorrente e incessante. Nesse ponto cabe o clichê: “É preciso caminhar o mais rápido que pudermos, para permanecermos no mesmo lugar!”. Nesse sentido, para que se fundamente a defesa do jornalismo de qualidade, é importante estabelecer como ponto de partida a distinção, mesmo simplista, entre aquilo que se entende por “informação”, “opinião” e “fake news”. Essa diferenciação precisa ficar clara para o maior número possível de brasileiros.

A informação pode ser compreendida como a descrição de um fato qualquer (natural, cultural, social, político ou econômico). Há que existir, portanto, correspondência direta e objetiva entre o fato e o relato que o descreve. Reitere-se que, sendo legal e formalmente estabelecidos, os veículos de comunicação tradicionais são passíveis de sanções não apenas no âmbito da opinião pública mas também na esfera jurídica.

A opinião não é o relato do fato em si, mas aquilo que se diz dele, ou seja, sua interpretação; sendo cabível aqui um certo grau de subjetivismo inerente às visões de mundo próprias dos formadores de opinião e dos veículos de imprensa como instituições. Para que tenham algum poder de persuasão, contudo, sem que recaiam nos sofismas ou nas falácias, as opiniões demandam algum fundamento racional consistente, algum embasamento teórico ou prático.

Ao largo desses dois conceitos vicejam as “fake news”, notícias falsas propagadas intensamente nas mídias sociais. Elas reúnem o pior dos dois mundos: não são apenas informações descoladas da realidade factual, mas também opiniões delas derivadas (as “fake opinions”, segundo o jornalista Reinaldo Azevedo) que, por basearem-se em premissas falsas, não podem ser racionalmente justificadas. Essas notícias inverídicas e seus corolários precisam ser detectados com precisão, desmentidos insistentemente e passíveis de alguma punição efetiva no âmbito jurídico.

É evidente quase por si só, que para a integridade de qualquer democracia, a credibilidade da imprensa como um todo é imprescindível. Os ataques sistemáticos aos veículos de comunicação e aos jornalistas, não com vistas à melhoria de seus serviços, mas visando à extinção ou ao asfixiamento de suas atividades, são profundamente deletérios ao Estado democrático de direito.

Só é possível a formação legítima da opinião, individual ou coletiva, sua depuração ou ainda o seu eventual descarte, se as informações que lhe servem de lastro forem verdadeiras. O principal resultado da perda de credibilidade dos veículos de comunicação é a abertura de espaço para a difusão da ignorância, como hoje acontece a olhos vistos no país.

Nas palavras do ex-presidente estadunidense Barack Obama: “A ignorância não é uma virtude”. A perpetuação dessa truculência intelectual está na geratriz da negação da responsabilidade do homem pela aceleração do aquecimento global; alimenta tentativas de justificar a misoginia, a homofobia, o racismo, a xenofobia e, no limite, o terrorismo; encontra eco nos movimentos antivacina e terraplanista. Se por um lado as consequências da difusão do conhecimento são virtuosas e conhecidas; por outro lado, os desdobramentos da proliferação da ignorância são viciosos e imprevisíveis.


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Goleiro esquerdo ou direito? https://canalmynews.com.br/voce-colunista/goleiro-esquerdo-ou-direito/ Wed, 15 Sep 2021 23:14:43 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/goleiro-esquerdo-ou-direito/ A depender do momento histórico, é importante para o país, ora adotar políticas públicas mais conservadoras, ora adotar outras tantas mais progressistas. Assim como o mundo se transforma em função das tecnologias, das mudanças ambientais, do espírito do tempo; também podem mudar as prioridades nacionais

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Há um bom par de anos, o grande humorista Juca Chaves foi entrevistado pelo não menos brilhante e também humorista Jô Soares, no extinto “Programa do Jô”, na Rede Globo de Televisão. Em um momento da entrevista, ao ser questionado sobre algo relacionado ao futebol, o Juca disse que, quando jovem, jogava na posição de “goleiro esquerdo”. Isto mesmo: “goleiro esquerdo”! A essa resposta inusitada, seguiram-se não apenas os inevitáveis risos da plateia, mas também a sua teimosa permanência em minha memória.

Hoje, diante da polarização política na qual nós brasileiros estamos mergulhados, somos insistentemente instigados a tomar partido como simpatizantes do pensamento de esquerda ou de direita, com o acréscimo de algumas poucas adjetivações simplistas: progressistas, conservadores, reacionários, revolucionários. Como torcedores de futebol constrangidos a não vestir o uniforme de outro time, somos compelidos a cerrar fileiras com algum dos dois extremos do espectro político-ideológico, sob pena de retaliações de todas as montas na família, entre os amigos, no trabalho e, principalmente, nas redes sociais.

Desde a origem das terminologias “direita” e “esquerda”, durante a Revolução Francesa de 1889, passando pelas revoluções liberais do século XIX e pelas revoluções socialistas do século XX, associa-se ao arcabouço teórico da direita à ideia de “liberdade” e, aos alicerces do pensamento de esquerda, a ideia de “igualdade”, como se a cada campo coubesse o monopólio desses direitos fundamentais.

As raízes do pensamento de direita (de Adam Smith a Edmund Burke) são tão legítimas e respeitáveis e consistentes quanto as bases do pensamento de esquerda (de Karl Marx a Vladimir Lenin). Os antagonismos que observamos entre essas duas correntes são desdobramentos lógicos destes valores fundamentais, corolários derivados daquilo que se pretende mais importante como ponto de partida: a liberdade ou a igualdade, para a direita ou para a esquerda, respectivamente.

Uma discussão sobre política, religião, futebol ou qualquer outro assunto não deveria ter como intento principal subjugar os argumentos discordantes, quando branda; ou desqualificar as vozes dissonantes, quando mais aguerrida; mas a depuração do pensamento de todos os interlocutores com vistas à produção de um conceito ou ideia mais encorpado que os iniciais, passível de ser partilhado por todos.

Essa forma de encarar o debate público origina-se na dialética platônica, método proposto há cerca de 2.300 anos: a busca pelo conhecimento passa pela noção de que a uma ideia (uma tese) se contraponha uma outra ideia (uma antítese) de forma que da fusão dessas duas concepções se consiga chegar a um conceito mais elaborado (uma síntese). Da recorrência nesse procedimento, acredita-se, é possível aproximar-se progressivamente da verdade.

A depender do momento histórico, é importante para o país, ora adotar políticas públicas mais conservadoras, ora adotar outras tantas mais progressistas. Assim como o mundo se transforma em função das tecnologias, das mudanças ambientais, do espírito do tempo; também podem mudar as prioridades nacionais. Uma mesma área, antes estratégica para uma nação, pode agora perder relevância e, por isso, demandar uma abordagem governamental diferente.

De forma tão inusitada quanto a resposta do Juca Chaves ao Jô Soares, pode-se tentar quebrar a rigidez conceitual que nos obriga a tomar partido de uma única posição política, praticar uma única religião ou torcer para um único time de futebol. Mesmo que não seja razoável jogar futebol como “goleiro esquerdo” ou “goleiro direito”, a menos que se mudem as regras ou se crie um novo jogo; é possível ser politicamente de direita e ser de esquerda, de forma alternada ou mesmo concomitante, notadamente em questões pontuais, sem que isso represente uma apologia da neutralidade.


Quem é Renato de Almeida Eliete?

Renato de Almeida Eliete é cientista político e se interessa por temas relacionados a Sociologia, História e Filosofia


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