Enxurrada de comentários preconceituosos inundou as redes sociais em virtude das ações de clubes
por Walter Moreira Dias em 05/08/21 17:51
Vimos na sétima rodada do Campeonato Brasileiro, tanto na série A quanto na B, iniciativas de combate à LGBTfobia. Isto se deu em razão da proximidade das datas com o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, 28 de junho, em razão da rebelião de Stonewall ocorrida neste dia, em 1969, em Nova York. Um levante contra violência policial neste bar de público LGBTQIA+, numa época em que homossexualidade era item do Código Penal dos Estados (derrubada definitivamente nos EUA pela Suprema Corte somente em 2003).
Esse posicionamento não é algo novo. Postagens referentes a este dia nas redes sociais dos clubes têm crescido nos últimos anos, mas neste último final de semana as iniciativas de maior visibilidade abalaram uma parte dos torcedores nas redes sociais.
Vimos Flamengo e Fluminense usarem nos uniformes dos jogadores números com as cores da bandeira arco-íris, criada por Gilbert Baker a pedido de Harvey Milk para representar o movimento gay em 1978.
O Vasco, além de um manifesto, lançou um quarto modelo de uniforme em que a tradicional faixa transversal foi remodelada com as cores do movimento LGBTQIA+.
É bom lembrar que outras medidas como estas já ocorreram anteriormente. Na Europa, PSG já estilizou os números dos jogadores há poucas semanas, Rayo Vallecano e St Pauli também já tiveram uniformes específicos com essa temática. O Bahia, por meio de seu Núcleo de Ações Afirmativas, no início deste ano também lançou de forma oficial uma camisa em apoio à luta LGBTQIA+.
Mas o que ocorreu em quantidade relevante nas páginas de Vasco, Flamengo e Fluminense foi uma série de comentários preconceituosos que repetiam quase mesmo teor: “Isso é pura lacração”; “Vou cancelar meu título de sócio”; “Foco tem que ser no futebol e não essas besteiras”; “Nem vou assistir o jogo”; “Aqui é time de macho”; “Vergonha eterna”. Além de outros ainda mais pesados. Não raras associações à pedofilia.
É revelador e simbólico como diversas outras campanhas, contra o racismo, contra a violência contra a mulher, em favor do recolhimento de alimentos para populações periféricas enfrentarem a pandemia não enfrentaram tamanha resistência e ódio.
Flamengo que se orgulha de ser um clube de massas, com torcedores de todas as classes sociais; Fluminense que divulgou fortemente o lema #TimeDeTodos após diversos casos de cânticos homofóbicos de jogadores e torcidas adversárias; Vasco que sempre recorda de ter se recusado a expulsar doze jogadores negros em 1924 e por isso foi impedido de continuar na Primeira Divisão do Campeonato Carioca na época, mesmo sendo o então campeão.
Ainda assim, vemos que a luta é grande. A falta de empatia com as dores, perseguições, não aceitação, agressões e homicídios de uma parcela significativa da população seguem transcendendo a polarização política pós 2018. O bolsonarismo não tem propriedade privada sobre a homofobia e a transfobia.
Clubes brasileiros estão chegando ao século XXI, mas parte dos torcedores insiste em se manter na Idade Média.
Até mesmo um candidato à presidência do Vasco nas últimas eleições lançou uma nota neste final de semana, justificando que a tradição católica do século XV “de levar luz, conhecimento e fé ao Oriente” (sic) se relaciona intimamente com a instituição Vasco da Gama, e assim não permitiria que ações contra homofobia e transfobia fossem feitas pois poderiam gerar um conflito moral de torcedores e associados.
Faltou só citar que se for para lembrar de tradição religiosa do século XV, não dá nem para criticar escravidão, ainda mais ser contra o racismo.
Urge deixarmos a Idade Média. Chega de gol contra.
Walter Moreira Dias é professor, graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua na SEEDUC-RJ e na SME-Maricá.
* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
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