O STF precisa, com urgência, colocar em pauta o julgamento da Lei de Segurança Nacional para declará-la inconstitucional
por João Paulo Martinelli em 05/08/21 17:50
Mais um capítulo da polêmica novela Lei de Segurança Nacional, desta vez envolvendo o ex-candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos. O político do PSOL foi intimado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre uma postagem no Twitter, que, segundo requisição do Ministério da Justiça, colocaria em risco a vida do Presidente da República. A malfadada Lei virou manchete nos meios de comunicação nos últimos meses diante de seu uso exagerado para perseguir pessoas que, de alguma maneira, criticam o governo federal.
A Lei de Segurança Nacional foi editada em 1983, na fase final da ditadura militar, e seu conteúdo precisa ser analisado no contexto do regime à época. Também é necessário considerar que a lei é anterior à Constituição de 1988 e com ela é incompatível. Por isso, diante dessa desconformidade, a Lei sequer poderia ser utilizada, muito menos distorcida para praticar perseguição política. Não obstante, o STF, por enquanto, ainda reconhece sua constitucionalidade e, por conseguinte, sua utilização é recorrente pelos tribunais. Vale lembrar que o mesmo STF já foi provocado e deverá se manifestar sobre a recepção ou não da Lei de Segurança Nacional pela atual Constituição.
A elaboração da Lei teve por objetivo proteger o Estado e suas principais autoridades, fazendo uso do manto da Segurança Nacional. Logo em seu início, o texto legal adverte: “Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a integridade territorial e a soberania nacional; II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União”. Acrescenta-se, ainda, que se deve levar em consideração a motivação e os objetivos do agente e a lesão real ou potencial à integridade do país e de suas mais altas autoridades. Os crimes ali previstos são comportamentos que, segundo o legislador, colocariam em risco a própria soberania do país.
Pode-se concluir que não é qualquer conduta que pode ser considerada atentado à Segurança Nacional. Aliás, não havendo perigo à soberania do Estado, deve ser aplicado o Código Penal, não a referida Lei. Comportamentos que poderiam se enquadrar no referido diploma legal devem ter condições mínimas de expor a segurança do país, como, por exemplo, a violação de sigilo de documentos, conspiração concreta contra o funcionamento das instituições democráticas, incitação pública contra a integridade física ou vida dos chefes dos Poderes. Obviamente, não se pode considerar que uma opinião seja tão perigosa à existência do país.
O caso concreto tem início com uma requisição do Ministério da Justiça para que a Polícia Federal investigasse Guilherme Boulos por causa de uma postagem no Twitter. Após o Presidente afirmar “eu sou a Constituição”, Boulos retrucou: “Um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luis XIV terminou na guilhotina…”. É evidente que a mensagem é uma crítica com pitadas de ironia e nem de longe coloca em risco a vida do Chefe da Nação. Há uma diferença muito grande entre opinião e incitação e, no caso, não há objetivo em provocar a morte na guilhotina ou de qualquer outra forma. O direito à expressão é previsto constitucionalmente e só pode ser limitado quando implica discurso de ódio ou incitação à prática de crime.
O uso exacerbado da Lei de Segurança Nacional para inibir a liberdade de expressão é abuso de autoridade, pois nenhum agente público pode colocar o aparato estatal para uso pessoal, principalmente para atentar contra direitos fundamentais. O STF precisa, com urgência, colocar em pauta o julgamento da Lei para declará-la inconstitucional. A Constituição de 1988 não admite que os interesses particulares de autoridades estejam acima da dignidade da pessoa humana.
João Paulo Martinelli é advogado, mestre e doutor em direito penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra e professor do IBMEC-SP.
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