O centro do problema é o modelo de policiamento brasileiro, voltado para o confronto e para a ideia de guerra às drogas, e a fragilidade dos instrumentos de fiscalização, monitoramento e controle da atividade policial
por Felipe da Silva Freitas em 26/04/21 17:06
O número de pessoas vítimas de operações policiais, assim como o número de policiais assassinados no Brasil, não tem paralelo em qualquer sociedade democrática no mundo. Em 2020, mesmo tendo havido uma pequena redução em relação ao ano anterior, o Brasil registrou, de acordo com dados Portal G1 em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 5.600 pessoas vítimas de operações policiais e 198 policiais mortos. Os dados são assustadores e incluem entre as vítimas majoritariamente jovens, negros, do sexo masculino e residentes em áreas periféricas das cidades.
O centro do problema é o modelo de policiamento brasileiro, voltado para o confronto e para a ideia de guerra às drogas, e a fragilidade dos instrumentos de fiscalização, monitoramento e controle da atividade policial. Trata-se de um modelo centrado em incursões armadas em territórios com muito risco para os policiais e para os moradores e sem protocolos claros entre as instituições. De acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, em 5 anos houve mais de 30 mil tiroteios na região metropolitana do Rio de Janeiro, um número completamente inadmissível se pensarmos que estamos falando de um país que não está em guerra declarada contra nenhuma outra nação.
Outro aspecto do problema relaciona-se com o sistema de justiça que tem confirmado as escolhas dos governos e, na prática, autorizado este modelo de policiamento reativo, caro, violento e ineficaz. Para se ter uma ideia, pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro aponta que, nos casos de tráfico de drogas, por exemplo, em 62,33% das sentenças os agentes de segurança responsáveis pela prisão foram as únicas testemunhas ouvidas no processo e em 53,79% dos casos seus depoimentos foram a principal prova considerada pelo juiz para condenar o acusado. Ou seja, em grande parte dos casos o Poder Judiciário tem se limitado a repetir a versão policial ao longo de toda a tramitação processual e não há apreciar a legalidade das condutas e adequação em relação aos procedimentos previstos em lei.
Um passo importante para interferir nesta realidade foi a decisão do ministro Fachin que restringiu a realização de ações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia da covid-19, exigindo a comunicação e justificação destas ações ao Ministério Público. A medida – mesmo com registro de descumprimentos em algumas localidades – foi responsável por uma redução de 32% no número de mortos em intervenções policiais no ano de 2020 em relação ao período anterior. Tudo isso sem que se tenha registrado propriamente uma explosão de ocorrências de outros crimes.
O balanço positivo mostra que a atuação da justiça no controle da atividade policial não é uma proibição das medidas de segurança pública, mas pelo contrário, é uma contenção necessária na defesa da cidadania e do Estado democrático. Ou seja, é necessário seguir apostando em medidas desta natureza e avançar na construção de salvaguardas democráticas para a atuação policial.
Felipe da Silva Freitas é doutor em direito pela UnB, pesquisador do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV SP e integrante do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana.
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