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Política

REPORTAGEM ESPECIAL

CPIs deixam legado de investigação e repercutem na realidade do país

Mesmo as CPIs que acabaram em “pizza” marcaram a política do país e fazem parte da história brasileira

por Julia Melo em 02/08/21 10:53

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia trouxe de volta o debate sobre como elas acabam: CPI é sinônimo de pizza? O MyNews voltou alguns anos para recapitular os resultados de algumas CPIs que marcaram a história política do Brasil na intenção de responder essa pergunta. Integrantes dos colegiados e especialistas afirmam que há impactos, mesmo naquelas que acabaram sem relatório. O Café do MyNews debateu nesta segunda (2) o tema e trouxemos aqui um debate para refletirmos na véspera do reinício dos trabalhos da CPI da Pandemia: existe o resultado ideal de uma CPI?

Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) realiza oitiva da diretora técnica da Precisa Medicamentos, empresa que representa a Bharat Biotech no Brasil e que teria feito intermediação nas negociações para compra da vacina Covaxin/Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Toda CPI depende da conjuntura política de cada época, como afirma o consultor de risco político e colunista do MyNews, Creomar de Souza: “As CPIs são uma resposta do parlamento a uma demanda da sociedade, que está irritada por algum escândalo”. E quando o escândalo tem a ver com o governo, cada um tem uma maior ou menor capacidade de se defender do que será investigado.

Assim como a atual CPI investiga a atuação do governo federal e pode ter impacto direto nas eleições do ano que vem, algumas comissões passadas também ocorreram perto de ano eleitoral, geraram crises no governo de cada época, mudaram a imagem de muitos políticos e criaram tendências que permanecem até hoje, muitos anos depois. Mas para o senso comum, elas acabaram em pizza. Seja porque ninguém foi preso, ou porque não houve aprovação do relatório final, a ideia de que não deu em um resultado concreto é muito popular. Mas por que? Vamos relembrar alguns desses casos.

CPI Mista do Mensalão gerou consequências no Poder Judiciário

A CPMI do Mensalão foi uma das comissões que não aprovou um relatório final. O ano de 2005 foi marcado por três CPIs no Congresso Nacional. De uma fita VHS com o registro do dirigente dos Correios Maurício Marinho recebendo R$ 3 mil de propina em nome do então deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, surgiram duas comissões. A primeira, a CPMI dos Correios, para investigar delitos de agentes da estatal. Derivada dela, a CPI do Mensalão, após Roberto Jefferson revelar em depoimento que existia um esquema de compra de votos de parlamentares da base de apoio ao governo para aprovar projetos de interesse do governo.

O ex-deputado federal Roberto Jefferson foi depor na CPMI dos Correios com um olho roxo no dia 30 de junho de 2005. Neste depoimento, falou sobre a existência de compra de votos para conseguir aliados no Congresso. A partir da denúncia, a CPI do Mensalão foi instaurada/Foto: Márcia Kalume/Agência Senado

Após 10 meses de trabalho, o colegiado chegou a 23 nomes envolvidos no esquema. Mas as conclusões e o pedido de investigação ao Ministério Público Federal estão num relatório parcial, já que os trabalhos da Comissão foram encerrados sem a aprovação de um parecer final. As consequências e condenações vieram por parte do Judiciário, sete anos depois.

Os apontados como agentes das ilegalidades foram julgados em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal. Marcos Valério, publicitário que deteve o foco das investigações no Congresso, foi condenado a 37 anos por corrupção ativa, peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Está preso desde 2013 e cumpre agora pena domiciliar, em razão da pandemia. Já o outro alvo, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, chegou a ser condenado, mas teve as penas anuladas pelo próprio STF.

Outros envolvidos, como o ex-deputado Roberto Jefferson, delator do esquema – que teve o mandato cassado em 2005 – e Duda Mendonça, publicitário da campanha que elegeu Lula em 2002, também tiveram as penas anuladas.

Apesar de não ter sido o foco do relatório do Mensalão, o então deputado federal e ministro da Casa Civil José Dirceu ganhou protagonismo no escândalo de corrupção a partir do cruzamento de informações da CPI dos Correios, o que repercutiu no julgamento do caso em 2012. Ele foi condenado a sete anos e onze meses de prisão pelo STF, mas posteriormente teve a pena anulada. No entanto, nunca saiu dos noticiários, nem do Judiciário: depois foi condenado pela Lava Jato e, maio em 2019, voltou pela quarta vez à prisão. O ex-ministro foi solto em novembro do mesmo ano e alega que o indiciamento pela Lavo Jato é fruto de perseguição política.

Diante da ligação entre os envolvidos com PT e o próprio presidente, o escândalo do Mensalão gerou uma crise para a imagem do governo. Para o ex-senador Sibá Machado (PT-AC), a Comissão teve o “objetivo de derrubar o Lula” e sobre a ausência de um relatório final, ele afirma que “foi só um espetáculo midiático” e que “nunca se falou de fato em combater a corrupção”.

CPMI do Cachoeira: 5 mil páginas e nenhum indiciado

Em 2012, uma CPMI teve relatório final, mas o documento não foi aprovado: A CPMI do Cachoeira. Essa Comissão investigou a exploração de caça-níqueis em Goiânia (GO) e a relação do do empresário de jogos ilegais Carlos Augusto Ramo, o Carlinhos Cachoeira, com políticos da região. O relator, o deputado federal Odair Cunha (PT-MG), construiu um parecer com cerca de 5 mil páginas, que atestava a existência de organização criminosa comandada por Cachoeira e que, para além do jogo ilegal, atuou entre vários órgãos públicos de Goiás. Fraude em licitações, corrupção, lavagem de dinheiro e contravenção foram crimes identificados pela Comissão.

Apesar de o relatório final apontar os crimes cometidos, o texto final do documento não foi aprovado. Os parlamentares recusaram a peça final de Odair Cunha e aprovaram um relatório alternativo, do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF) – que encerrou oito meses de trabalhos em duas páginas que não pediam indiciamentos. Pitiman justificou que as investigações demandavam mais tempo para chegar a conclusões concretas e recomendou que os trabalhos feitos fossem enviados para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Polícia Federal (PF). Ele afirma que ficou com a consciência tranquila, já que “não absolvi culpados e, em condições ainda piores, não culpei inocentes”.

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Cachoeira: deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), durante votação do relatório final dos trabalhos do colegiado/Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Carlinhos Cachoeira já havia sido citado no relatório da CPI dos Bingos, em 2005, por cometer crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva, crime contra o procedimento licitatório e improbidade administrativa. Em 2012, mesmo já preso por causa de investigações da Polícia Federal, ganhou uma CPI para chamar de sua e parou até na mídia internacional com o nome de “Charlie Waterfall”.

Entre as cinco mil páginas rejeitadas pelos parlamentares, o deputado Odair Cunha listava entre os envolvidos no esquema o então governador do Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e o ex-prefeito de Palmas (TO), Raul Filho (PT), e propunha uma série de projetos de lei para alterar a legislação e endurecer as penas em relação à improbidade administrativa, ao uso de laranjas e formação de organização criminosa. Cachoeira já havia sido preso pela Polícia Federal. Outro envolvido, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) teve seu mandato cassado.

Encerrada na metade, CPMI da Petrobras deixou conclusão das investigações em aberto

Já a CPMI da Petrobras, aconteceu em 2014, em ano de eleição, e tinha a candidata à reeleição, A presidente Dilma Rousseff, num dos eixos de investigação. A Comissão buscava apurar irregularidades relativas à Petrobras ocorridas entre os anos de 2005 e 2014.

A CPI investigou o processo de aquisição da Refinaria de Pasadena no Texas (EUA) – ocorrida na época em que Dilma Rousseff presidia o Conselho Administrativo da Petrobras e concluiu que a compra ocorreu dentro das condições possíveis à época, sem acusações ou indiciamentos para a então presidente do Brasil.

Posteriormente, em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a uma conclusão diferente em relação à atuação de outras autoridades envolvidas no caso. Apontou o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e o ex-diretor da Área Internacional da Estatal, Nestor Cerveró, como responsáveis por problemas nos trâmites da compra da refinaria americana, que causaram prejuízo aos cofres da Petrobras.

A Comissão viu irregularidades em outros eixos de investigação: indícios de superfaturamento na construção de refinarias e envolvimento de funcionários com esquema de corrupção. Isso resultou em pedidos de indiciamento de agentes privados e públicos, com destaque para o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, José Sérgio Gabrielli e o então gerente-executivo da companhia, Pedro Barusco. Todos foram condenados por inquéritos da Operação Lava Jato, anos depois.

Veja a íntegra do Café do MyNews desta segunda (2). O programa é transmitido de segunda a sexta, a partir das 8h30, no Canal MyNews

O relator da CPMI da Petrobras, deputado Marco Maia (PT-RS), cita logo no início do relatório final, de 900 páginas, alguns percalços enfrentados pela Comissão: ter ocorrido em paralelo a inquéritos judiciais – o que acabou causando desencontro em alguns momentos e atraso das investigações, em outros. Ele pontua que na esfera judicial foram utilizadas delações premiadas, às quais os parlamentares da CPMI não tiveram acesso. Os trabalhos da comissão parlamentar foram encerrados, segundo Maia, porque a Legislatura chegou ao fim e não porque foi concluída a investigação a que se destinou.

Através de acordos de delação premiada com pessoas físicas e jurídicas, a Justiça conseguiu recuperar até agora mais de R$ 5 bilhões aos cofres da Petrobras.


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